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Matérias da edição

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Quaderna

Quatro pontos cardeais
Quatro estações do ano
Quatro cantos num cubo
Quatro linhas de um campo
 
Quatro trevos que descubro
Quatro lados da moldura 
Quatro elementos na natura
Quatro pontas de uma estrela
 
Quatro balas de alcaçuz
Quatro tempos num compasso
Quatro horas da manhã
Quatro rodas num carro
 
Quatro sementes de romã
Quatro sinais da cruz
Quatro mundos por segundo
Quatro quartos numa casa
 
Quatro pernas de uma mesa
Quatro pessoas numa mesma
Quatro pássaros sem asas
Quatro brilhos nesta espuma
 
Mas só uma vida, só uma.



TRAVELLING

gota em câmera densa
pontos minúsculos de luz
o olho que a mente venta
como um pequeno deus mudo
num espelho transido de frio
a lua
em forma de ondas escuras
lambe as negras escunas
pois esta linguagem lenta
tomou conta de tudo


NOTÍCIAS DO MUNDO
  
Águas muezins no vale das sombras
África agoniza
Iraque se debate
Índia se indigna
Impérios definham
Morro em guerra fratricida
Irã se ira
Um terrorista que se aterroriza
Palestinos palestram
Arábia se ouriça
Europa se gripa. 
Mentiras, mentiras.
O mundo é um parque de mentiras.
Diplomacia
Na mão de ignorantes
Nada vale, vale nada.
Barbárie é o nome
Dessas notícias.
Mundo implodindo
Rumo à extinção
Não atenção ao ser, mas atentados ao ser,
Mundo confluindo
Para uma desaparição
Onde, quem ficar, se der, vai ver.
E, no entanto, eu aqui
à sombra de um pensamento
de um amor que seja um lugar,
um lugar como um pensamento.
Mas isto é ir muito longe:
Isto é acordar.
 

NAUTILUS

Um novo começo. Câmera inverno na 
lâmina da manhã, esfinges nos costões, o Sol, 
credencial do céu. O permanente
monólogo do vento. Dia e noite sendo
abstrações. Tempo, 
redoma de vidro, triunfante.
A vegetação
das dunas a tudo resistiu.
Riso de poente na areia creme, 
duas borboletas agradecem.
Planos simultâneos: matiz 
de verde e azul em alta
definição. Rajada de pensar 
das plantas, rente esperanto, 
e um céu mudo de nuvens.
O azul, digital, conversa
com o eloquente vento sul.
Mas o branco, de forma alguma, se alumbra
de alguma forma,
Nossa Senhora das Dunas. Você
não olha indiferente a tudo isso. 
Ao contrário, você desaparece
dando lugar ao labirinto desejo, flores foscas, 
ou barco distante. 
A varanda é um convés
Onde móbiles de bambu ressonam. 
Alguém se esqueceu de desligar
a máquina do mar.


NOTURNO
  
A gente nunca sabe
 
saber a mente sempre
 
intui que seja breve
 
mesmo que seja a chave
 
enquanto a mesma febre
 
conclame à alma acabe
 
e assim a gente lembre
 
que negra é a cor da neve
 
 
ANATOMIA DA RIMA

Não existem rimas pobres.
Todo som, sim, é artifício
que o tempo atrita e consome.
Vento metafísico, isto
que nos cobre, palavra
soprando de Provença
ou greta na rocha, resma
de avenca que avança —
repetição na diferença.
Tudo rima com alguma
coisa, contanto não seja rara
Naja desnuda penumbra
Ou pegue de raspão, toante,
as palavras que instantes antes,
eram caligrafia da fala,
espécie de fada, cabala.


Rodrigo Garcia Lopes é poeta, compositor, tradutor e jornalista. Entre os livros publicados, ?estão a tradução de Folhas de Relva (Iluminuras, 2005), de Walt Whitman, Illuminations (Iluminuras, 1994), de Arthur Rimbaud, em parceria com Maurício Arruda Mendonça, e os livros de poemas Solarium (Iluminuras, 1994) e Nômada (Lamparina, 2004)