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Saber em produção

Sérgio Bairon é docente e pesquisador de cultura, comunicação e hipermídia na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Fez doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e pós-doutorado pela PUC-SP e pela Freie Universitat Berlin.

Tem experiência nas áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, assuntos tratados em vários livros, como Hipermídia Psicanálise e História da Cultura (Educs, 2000), Comunicação e Marketing (Futura, 2002), Interdisciplinaridade: Educação, História da Cultura e Hipermídia (Futura, 2002) e Texturas Sonoras (Hacker Editores, 2005), entre outros, e também criou e produziu vários filmes e hipermídias.

No encontro realizado pelo Conselho Editorial da Revista E, Bairon falou sobre a produção, divulgação e o compartilhamento do conhecimento em hipermídia para a utilização de recurso multimidiático, em prol do desenvolvimento do conteúdo. “O nosso foco é na produção porque se utiliza e se pratica muito pouco nessa direção, sobretudo dentro da universidade”, diz.




Hipermídia e a produção da cultura

Imaginei três grandes questões estudadas no núcleo de pesquisa da ECA. Uma primeira é a produção partilhada do conhecimento, a segunda é a produção do conhecimento em hipermídia, entendendo por hipermídia a utilização de recursos multimídia, de programação em prol de um desenvolvimento de conteúdo teórico e a terceira relacionada às possibilidades de socialização do conhecimento.

O conceito de hipermídia, tal como trabalhamos, está ligado à produção do conhecimento, mais do que à divulgação e à distribuição, que seriam momentos naturais do processo. Na verdade, continua  uma ausência enorme de estudos e práticas nessa direção, sobretudo, no contexto acadêmico. É por meio da ênfase na produção que acreditamos na indissociabilidade entre educação, comunicação e cultura, e aqui tem uma relação muito forte com o Sesc.

Nosso compromisso, nesse centro de pesquisa (CEDIPP- Centro de Comunicação Digital e Pesquisa Partilhada - USP), é basicamente de mediação. Darei alguns exemplos de pesquisas temáticas que estamos desenvolvendo, ressaltando como tais processos dialógicos entre Universidade e Comunidade, acabam sendo um fator de mediação entre a produção e a divulgação do conhecimento.

A ruptura dos processos

Identificamos duas rupturas centrais nesse processo, a primeira houve no século 18, entre experiência estética de um lado e conhecimento, educação e ciência do outro lado, e é muito importante refletir sobre isso. Alguns filósofos começaram a falar que no interior da experiência estética não há possibilidade de raciocinar, apenas é possível vivenciar um mundo de sensibilidades.

A partir desse momento, são reforçadas a rupturas entre instituições como, de um lado, as pós-graduações nas universidades como o lugar do pensamento e metodologia de raciocínio e, por outro lado, instituições que apoiam a arte, nas quais as pessoas trocam emoções e sensações. Ou seja, a compreensão foi fraturada e continua assim até hoje, sobretudo, porque foram institucionalizadas.

A outra grande ruptura foi entre o senso comum e conhecimento educacional-científico. Ou seja, ainda no século 18, houve uma ruptura pela qual o cotidiano e o senso comum nada tinha a contribuir para a produção de conhecimento racional científico, é claro que no parâmetro das ciências sociais humanas e sociais aplicadas isto é muito mais grave, principalmente no caso de temáticas culturais. Nesse sentido trabalhamos por meio de duas propostas em relação às rupturas.

A primeira é que em vez de fazer uma tese ou dissertação por escrito, você faz por meio da criação de um ambiente hipermídia, explorando os conceitos teóricos pela experiência estética. A outra proposta é justamente a produção partilhada do conhecimento, que aproxima a universidade das organizações da sociedade civil e das comunidades culturais,  divulgando e distribuindo o conhecimento, baseado em ambientes e produtos midiáticos que aproximam o conhecimento acadêmico do senso comum.

É importante reconhecermos que o mundo mudou e, goste ou não, produz conhecimento de maneira totalmente diferente. Por isso é que nos preocupamos, sempre, em reestruturarmos a base teórico-filosófica do que propomos, pois, do contrário, as questões metodológicas e técnicas ficam sem sentido.

As novas formas de produção

Agora estamos numa onda de filósofos na mídia, no Brasil e no exterior. Um exemplo que esteve no Sesc ano passado é o Slavoj Zizek, que está fazendo filmes e desenvolvendo uma nova fórmula de filosofar. E alguns se expõem na mídia sem problema, por exemplo, por meio de jornais diários, inclusive na TV aberta, o que era impensável até uns 20 anos atrás.

O mundo contemporâneo está aproximando essas linguagens, mesmo que não de modo intencional. Esta tendência pode ajudar a resolver um problema central que é a socialização do conhecimento produzidos nas ciências humanas e sociais. Pergunto sempre o que um profissional de comunicação que vai para o mercado exercita de princípio conceitual teórico-filosófico? Isso ainda é muito vago e a questão é que o conhecimento produzido nas universidades não é socializado.

A distribuição dos produtos dessa área é muito fraca, por culpa da sua estrutura arcaica de produção. Enfrentar estas dificuldades é a questão central do CEDIPP. Um exemplo foi o projeto de transformar 37 mestrados e doutorados da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP em contos espalhados no interior de uma escola construída em 3D, sendo que o material foi distribuído gratuitamente nas escolas do ABC paulista. Outro trabalho é a exploração do tirual  Coroação de Reis Congo (processo iniciado há 10 anos), que existe no Brasil e em vários outros países da América Latina.

Junto com comunidades locais (Brasil, Cabo Verde, Cuba, Uruguai etc.) produzimos filmes e hipermídias. É possível aproximar povos com culturas semelhantes como, por exemplo, o Congo de Jequitibá (Minas Gerais), o Candombe (Montevideo) e os Cabildos  cubanos que, quiçá, poderão conversar entre si via web e hipermídia. E agora na Rio+20 será feito um processo parecido com os Bororos, Xavantes e Carajás, onde também será produzido um filme com depoimentos de várias etnias  indígenas, inclusive, propondo a relação entre sustentabilidade e cultura, para nós esta relação é mais importante do que entre sustentabilidade e ecologia.

O diálogo adquire um senso crítico muito interessante com o audiovisual, o que é impossível nos referenciais tradicionais da academia. As reflexões possíveis, até o momento, dão conta de que o conhecimento da cultura contemporânea deve ser fruto de um grande diálogo entre as instituições de ensino, pesquisa e as comunidades envolvidas. É preciso buscar um aprofundamento nos diálogos objetivando uma melhor convivência entre estes saberes. Por meio da experimentação e renovação contínua dos recursos da hipermídia.


“Há sempre uma relação entre uma estrutura filosófica, que se desdobra num princípio teórico, que atua numa questão metodológica, e que é instrumentalizado por questões técnicas”.

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