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Tudo novo?
Personagens utilizando trajes tratados especialmente para simular o efeito das antigas fitas k7 e atados a luvas que cumprem a função do cabeçote de leitura do gravador.
Músicos africanos tocam hip hop, originalmente americano, com incorporação de vários elementos locais que remetem à cultura ancestral tribal.
Em 2009, constrói-se um filme totalmente feito a partir da edição de filmes clássicos do cinema mudo.
A bailarina dança suspensa por fios de aço e deixa transparecer na cena um dos pontos de partida para o pensamento da dança: a do corpo como objeto.
Transeuntes e artistas reúnem-se para tricotar grandes quantidades de malha e posteriormente revestir objetos cotidianos de grande escala.
No espetáculo, o jogo, ato primeiro do fazer teatral, fica totalmente evidenciado e descortinado no decorrer da encenação.
Essas ações têm em comum o fato de fazerem parte da programação que compõe a Mostra Sesc de Artes 2012, realizada em todas as unidades do Sesc da capital e em alguns espaços públicos e cujo foco curatorial transita entre as aproximações da tradição ou do tradicional na produção artística contemporânea.
Essa proposição veio ancorada ao pensamento do pesquisador Laymert Garcia dos Santos, que sugere em seus estudos que a arte produzida na contemporaneidade pode ser entendida como uma arte global que precisamos descobrir e que, por estar inserida em um processo novo, só pode ser descoberta se tatearmos o terreno em busca de evidências para “aproximar a arte contemporânea da arte que uns chamam de tradicional, outros de primitiva, outros de primeira, outros de antiga, outros de indígena, outros de étnica”; trata-se de “focalizarmos o problema da aproximação, encontrarmos no gesto que aproxima a matriz do modo como a arte global transforma a arte étnica, mas também, e concomitantemente, contamina a arte contemporânea.”
Se há o entendimento de que parte da produção contemporânea se conecta ou se aproxima, ainda que de maneira remota, às tradições, também nos leva a buscar algum assentamento nas ideias de Otávio Ianni sobre transculturação, onde o autor indica que nos processos transculturais em que estão muitas das formas e possibilidades de intercâmbios sempre há mudança, “nada permanece original, intocável, primordial. Tudo se modifica, afina e desafina, na travessia. Parece o mesmo, mas já não tem nem pode ser o que era, salvo como memória, fantasia e nostalgia. Modos de ser, agir, sentir, pensar e imaginar, tudo se altera parcial ou amplamente (...)”.
Essas potentes ideias nos demoveram da tentação de pensar em uma programação que necessariamente estivesse ancorada na novidade e trouxeram uma tranquilidade em assumir que a grande maioria das propostas artísticas às quais chegamos parecem muito novas e experimentais, mas ao mesmo tempo trazem uma memória que nos soa afetiva e muito familiar. Tudo está em toda parte, e cada intenção parece vir conectada a um fio invisível que a liga e a conduz a outra, que a conduz a outro lugar e outro tempo, como num moto perpétuo, insinuando que tudo está conectado ao fato de sermos herdeiros da existência humana, e não de um território.
As intenções são novas, contemporâneas, mas constituídas de um lastro ancestral e transcultural, no qual estão presentes as trocas, as heranças e a ressignificação no presente. Vimos reforçada nessa construção a ideia de que a arte se transforma – e que seu poder transformador precisa ser conhecido, semeado, multiplicado para que possa novamente frutificar, dando origem a frutos talvez totalmente exóticos, mas com um sabor que, temos certeza, já provamos antes.