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Ciência da alimentação

A alimentação e sua relação com o conhecimento científico de cada época é um tema que há mais de uma década intriga a pesquisadora Cristiana Couto. Doutora em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e com uma formação que passou também pela Biologia (graduou-se pela Universidade Estadual de Campinas em 1989) e pelo Jornalismo (Faculdade Cásper Líbero, 1995), Cristiana reuniu seus estudos nos livros Arte de Cozinha: Alimentação e Dietética em Portugal e no Brasil (sécs. XVI-XIX) (Senac, 2007), Sou Barista (Senac, 2013) e Alimentação no Brasil Imperial (Educ, 2015). A seguir, trechos do depoimento de Cristiana, no qual ela fala sobre como as concepções vigentes em cada época e o contexto histórico brasileiro refletiram diretamente na alimentação das pessoas ao longo do tempo no país.

 


Cristiana Couto esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 10 de março de 2017

 

CONCEPÇÕES
Existe muito conhecimento científico por trás da maneira como a gente se alimenta, das escolhas que a gente faz. A época que eu estudo, por exemplo, não é uma época em que havia um tripé alimentar, com carboidrato, gordura e proteína. As concepções eram completamente diferentes. Na história do conhecimento, houve maneiras sofisticadas de entender a alimentação, que não eram piores nem melhores.

Quando a gente olha livros de receitas antigos, eles contam muita coisa para a gente. É preciso saber lê-los. Se olharmos com os olhos de hoje as coisas do passado, não vamos entender nada. Quando a gente olha um livro de receitas antigo, é preciso olhá-lo dentro de um contexto próprio.

REGISTROS HISTÓRICOS
Em história da alimentação, os maiores registros para desvendar a cozinha de um país em uma época passada são livros de receitas, diários, inventários de grandes casas e palácios, tratados de medicina, livros sobre química. Cruzando essas informações, é possível desvendar o que a população de determinado país e determinada época comia.

Dessa forma, encontram-se muitas informações sobre o que a elite comia, e muito poucas em relação às classes mais baixas, pois há menos registros documentados. É importante lembrar que os livros de receitas não eram para todo mundo, já que a maior parte da população era iletrada. Uma edição de um livro tinha 1200 receitas. Quem lia livro eram as pessoas que tinham posses, a elite carioca, por exemplo.

CONTEXTO SOCIAL
Há uma diferença muito grande entre o que a elite come e o que o resto da população come. Quando a família real portuguesa chegou ao Brasil, em 1808, eles queriam ter um modo de vida europeu. A elite carioca começou, então, a se europeizar. O que a elite comia era uma comida que em tudo tentava reproduzir a cozinha francesa, que também estava em um momento em que mapeava o seu repertório culinário para criar uma identidade que persiste até hoje. Todo o modelo clássico de gastronomia ainda é francês, e isso vem do século 19.

Tinham que ser feitas algumas adaptações. Tentaram, por exemplo, trazer a cultura do trigo, já que o milho era considerado comida de país que ainda não era civilizado. O feijão era considerado anti-higiênico, como se trouxesse doenças, então a elite não comia feijão.


Minha pesquisa aborda a questão de como uma base científica em termos de nutrição deu sustentação para uma ideia que dividia a Europa e o Novo Mundo, tratando a Europa como conjunto de países civilizados e o Novo Mundo como reunião de países inferiores, num estágio de infância em termos civilizatórios.

MODO DE PREPARAR
Pensando no preparo, havia muitos cozidos, porque a digestão era um processo considerado fundamental para a boa saúde. Havia poucos remédios para curar as doenças, então era preciso preservar a saúde e evitar ficar doente. O conceito de uma alimentação equilibrada naquele momento era diferente daquilo que consideramos hoje. De maneira geral, os cozidos eram indicados porque muitas doenças vinham de uma má digestão da comida.

Quando se pega a parte de carnes, por exemplo, havia sete ou oito tipos de carnes utilizados, como cordeiro, veado, boi, frango, galinha, e por aí vai. Havia tanta carne porque era o alimento considerado mais nutritivo no século 19, pois estava ligado a um elemento químico, o nitrogênio, que na concepção daquele momento era responsável pela construção das estruturas do corpo. Havia, então, essa diversidade de carnes.

A teoria de explicação da matéria tinha muita influência aristotélica, que remetia aos quatro elementos: fogo, terra, ar e água. Existiam, assim, as comidas úmidas, secas, quentes ou frias, no sentido de serem apimentadas ou não. Havia um mapeamento das comidas que se encaixavam nesses quesitos. A pimenta, por exemplo, era um alimento seco e quente em terceiro grau, então só se usava isso em algumas situações que dependiam da idade, gênero, atividade de cada pessoa. Era assim que se pensava a dieta.

 

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