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Petróleo, gás, royalties e problemas
por Carlos Juliano Barros
Antes do derradeiro suspiro, o fazendeiro Manuel da Mota Coqueiro – um dos últimos homens condenados à forca nos tempos do Brasil Império, em 1855 – teve tempo para rogar uma praga sobre os habitantes da cidade que assistiam à sua execução: Macaé sofreria cem anos de estagnação por conta da suposta injustiça praticada contra ele. Há quem enxergue um fundo de verdade nessa lenda. Até a década de 1970, a economia desse município, hoje uma das mais efervescentes no estado do Rio de Janeiro, cambaleava em torno da incipiente produção agropecuária e do movimento do Porto de Imbetiba – que perderia importância com a construção da estrada de ferro que passou a fazer a ligação do norte fluminense à Cidade Maravilhosa.
Contudo, passado pouco mais de um século da sinistra profecia, Macaé foi literalmente redescoberta. Precisamente em 1974, as sondas da Petrobras encontraram nas profundezas do oceano Atlântico uma quantidade tão robusta do chamado “ouro negro”, que a bacia de Campos – área que engloba o litoral e rende dividendos também a outros nove municípios do norte fluminense – se tornou responsável por nada menos que 80% da produção nacional de petróleo e por quase metade da de gás natural.
O município tem papel absolutamente estratégico nesse pujante setor econômico. Ele abriga não só a sede administrativa das operações da Petrobras na bacia de Campos como o maior parque logístico da empresa, além do principal polo de processamento de gás do país: o Terminal de Cabiúnas. Não à toa, portanto, Macaé ostenta o pomposo título de Capital Nacional do Petróleo, como avisam as placas de trânsito.
De fato, não há como negar a prosperidade do lugar. Seu PIB per capita, de R$ 25 mil, é quase duas vezes superior à media nacional, e boa parte desse dinheiro vem dos royalties, tributo pago aos municípios em cujo território é extraído petróleo (mesmo que em alto-mar). Entre 2000 e 2010, Macaé recebeu R$ 4,6 bilhões, uma montanha de dinheiro, literalmente. Em todo o país, só a vizinha Campos dos Goytacazes arrecadou mais a título de royalties no mesmo período: R$ 9,7 bilhões.
Certamente, poucos lugares no Brasil fazem jus ao apelido de “canteiro de obras” como Macaé, reflexo direto dos pesados investimentos motivados pela corrida do petróleo. Tratores e operários estão por toda parte. Em junho deste ano, por exemplo, a multinacional GE Oil & Gas concluiu um projeto que simplesmente triplicou o tamanho da unidade da companhia na cidade, transformando-a na mais moderna da corporação em todo o mundo. Na nova instalação, que consumiu, aproximadamente, R$ 100 milhões, serão fabricados e executados os trabalhos de manutenção de equipamentos subsea – aqueles que ficam na parte submersa das plataformas, como tubos, válvulas e sensores dos poços de petróleo.
Junto com as 54 companhias internacionais que já aportaram no município, chegam também profissionais de diversas partes do planeta, quase todos de alto poder aquisitivo. Durante o almoço ou o jantar nos restaurantes da orla da praia dos Cavaleiros, a parte mais nobre da cidade, não é difícil encontrar pessoas conversando em inglês. “Há uma população fixa de 13 mil estrangeiros morando em Macaé. Atualmente, 5% de seus habitantes vêm de fora do Brasil, e houve até períodos em que essa proporção foi maior”, explica Marco Antônio Navega, diretor da Associação Comercial e Industrial de Macaé (Acim).
Tamanha movimentação de pessoas e recursos permitiu que a economia da cidade crescesse impressionantes 600% nos últimos dez anos. Com tantos índices de peso, as comparações com a China são inevitáveis. A verdade, porém, é que as semelhanças com o gigante asiático não são motivo apenas para comemoração. Assim como a segunda maior potência mundial, Macaé sofre com um crescimento acelerado que não necessariamente se traduz em desenvolvimento e qualidade de vida para a esmagadora maioria da população.
Condomínio industrial
Os moradores têm a clara percepção de que a cidade está inchando. Desde o início da atividade petrolífera, a população local, hoje de 210 mil pessoas, triplicou. Desse total, cerca de 150 mil não têm acesso a água encanada. No horário de pico do fim de tarde, perdem-se pelo menos duas horas para vencer os 30 quilômetros da Rodovia Amaral Peixoto, via pública que leva à localidade vizinha de Rio das Ostras, onde efetivamente moram muitos dos trabalhadores de Macaé. “Temos problemas típicos de uma metrópole e não de uma cidade do interior”, compara Aluízio dos Santos Júnior, o Dr. Aluízio, ex-deputado federal (PV-RJ) que acaba de se eleger prefeito do município.
Agora, com a histeria do pré-sal e a necessidade crescente de mão de obra, a prefeitura local trabalha com a expectativa de que a população chegue, até 2016, a 330 mil pessoas. “A verdade é que o município não consegue acompanhar a dinâmica e a velocidade do petróleo. É o preço que a gente paga”, diz Cliton da Silva Santos, secretário de Desenvolvimento Econômico de Macaé.
Numa área de 3 milhões de metros quadrados, duas vezes maior que o Parque do Ibirapuera – cartão-postal da capital paulista –, vem ganhando corpo o maior condomínio industrial do estado do Rio de Janeiro, um empreendimento privado destinado a sediar empresas que estão de olho nas oportunidades de negócios trazidas pela cadeia produtiva do petróleo. A implantação do Polo Bellavista, erguido numa antiga fazenda, ganhou uma velocidade que espanta até mesmo seus idealizadores. “A princípio, esperávamos vender todos os lotes em cinco anos, mas agora a previsão é de que tudo esteja concluído em três anos”, relata Leonardo Ferreira Pinto, engenheiro que abandonou o mercado financeiro para trabalhar com o pai, Antônio Carlos Ferreira Pinto, na construção do parque fabril.
Comercializado ao preço de R$ 300 o metro quadrado, com direito a luz, asfalto e fibra óptica para internet, o Polo Bellavista tem atraído diversas multinacionais que prestam serviços principalmente à Petrobras. Uma delas é a americana Baker Hughes, que fornece equipamentos e softwares para perfuração de poços. Outro peso-pesado desse segmento, a também estadunidense Schlumberger, construiu no local sua primeira fábrica de brocas da América Latina. Por sua vez, a britânica Swire, líder mundial no mercado de tanques e contêineres para transporte de petróleo, planeja desembolsar R$ 50 milhões para fazer de Macaé a base que vai dar atendimento a todo o pré-sal brasileiro.
Ao todo, cerca de 25 empresas planejam sediar suas operações no condomínio industrial. “Com a política do governo de exigência de conteúdo nacional, elas precisaram vir para cá”, explica Ferreira Pinto. Além disso, as animadoras perspectivas abertas pelo pré-sal não dizem respeito apenas ao fornecimento de peças, mas também à manutenção e ao prolongamento da vida útil dos equipamentos. Isso levará, certamente, à instalação de uma série de outras companhias e, por extensão, à criação de novas áreas fabris. Tanto é assim que o Bellavista não é a primeira nem será a última zona estritamente industrial do município. Na zona central da cidade opera o Polo Offshore, o primeiro a ser implantado e que já não tem um milímetro quadrado sequer ocioso. Além dele, segundo a prefeitura, já se encontra em fase de licenciamento para posterior instalação o Polo Santa Clara.
A chegada de tantas indústrias da cadeia de gás e petróleo à região enseja uma necessidade permanente de pessoal qualificado. Para aparar essa aresta, já que o país carece de mão de obra especializada, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) abriu, há quatro anos, um centro de capacitação em Macaé que atende a cerca de 2,2 mil estudantes por ano. “As áreas mais procuradas são soldagem, pintura, mergulho e mecânica”, conta Luiz Eduardo Campino, gerente da unidade. A procura é tanta que está prevista a inauguração de mais uma unidade em 2013. “Ela será instalada no Polo Industrial de Cabiúnas, em parceria com a Petrobras e a prefeitura. O objetivo é o atendimento da demanda por sondador, torrista e plataformista”, completa Campino.
“Cidade de contrastes”
Um dos maiores investimentos programados para Macaé é a construção de um novo porto. O terminal de navios atual, batizado de Imbetiba, é controlado pela Petrobras e está com a capacidade praticamente saturada devido à alta produtividade das plataformas da bacia de Campos. “Esse porto dispõe de apenas seis berços, ou seja, tem capacidade para receber apenas seis embarcações”, explica o secretário Silva Santos. “O projeto do novo porto, orçado em R$ 1 bilhão, inclui 16 berços, mas ainda não tem data marcada para sair do papel.”
O aeroporto da cidade, que já é um dos mais movimentados em número de pousos e decolagens de helicópteros de toda a América Latina – justamente por conta do fluxo de pessoas que diariamente embarcam para as plataformas da bacia de Campos e desembarcam provenientes delas –, também está em reforma. Atualmente, apenas aviões de médio porte de empresas aéreas que fazem linhas regionais conseguem aterrissar ali. “O sonho é trazer para cá companhias que operam com aviões maiores”, ressalta Navega, da Acim. Ele utiliza como argumento a favor de seu ponto de vista o fato de que muitas pessoas de outros locais que se dirigem a Macaé têm de descer obrigatoriamente nos aeroportos do Rio de Janeiro e, de lá, seguir de ônibus até Macaé, um percurso de 200 quilômetros que pode consumir até três horas.
Nos próximos anos, quando o Polo Industrial Bellavista estiver funcionando a pleno vapor, prevê-se que cerca de 60 mil pessoas estarão trabalhando no local. A migração em massa em busca de trabalho vai, assim, tornando plenamente justificada a estimativa da prefeitura de aceleração no aumento do número de habitantes no município nos próximos quatro anos. Assim, ao mesmo tempo em que os dados estatísticos da economia elevam às alturas o nome de Macaé, o crescimento demográfico acaba colocando a nu os indicadores sociais e os problemas de infraestrutura.
“Macaé é uma cidade de contrastes”, diz o Dr. Aluízio. “Temos na média uma alta renda per capita, um elevado número de profissionais bem remunerados, mas 0% do esgoto da cidade é tratado e só 65% dele é coletado.” A atração exercida pelas plataformas e pelas indústrias do setor de gás e petróleo, com a consequente vinda para Macaé de gente de todos os quadrantes, levou o município a uma situação de calamidade pública em termos de habitação: 17,54% da população vive em favelas, proporção que era de somente 12% no início da década, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O crescimento desordenado também gerou um inevitável aumento na violência urbana. Em 2007, Macaé ocupava a quinta posição no ranking nacional dos municípios com maior número de homicídios entre jovens de 15 a 24 anos. Felizmente, a situação melhorou, mas a taxa continua alta: 50,9 mortes para cada 100 mil habitantes – praticamente o dobro da média nacional, de 26,2.
Outra face perversa dessa expansão diz respeito à mobilidade urbana. Congestionamentos dignos das maiores metrópoles brasileiras fazem parte do cotidiano local. E quem depende dos coletivos sabe que o transporte público está longe de dar conta das necessidades da população. Macaé tem uma frota de apenas 190 ônibus para atender em torno de 110 mil passageiros por dia.
Nos últimos anos, a prefeitura vem tentando ressuscitar a malha ferroviária que corta a zona urbana de norte a sul, com planos de implantar ali um VLT (veículo leve sobre trilhos), uma espécie de metrô de superfície. Todavia, os trens adquiridos até o presente momento encontram-se parados. A prefeitura culpa o governo federal pelo atraso no repasse de R$ 45 milhões para a construção de estações e recuperação dos trilhos. “A linha férrea que existe não está adaptada ao VLT. Esse veículo não conseguirá, com segurança, trafegar pelos mesmos trilhos. Os recursos do governo federal não saíram por conta da inviabilidade do projeto”, informa o Dr. Aluízio.
A realidade é que Macaé precisa rever urgentemente o modelo urbanístico da cidade – não apenas para oferecer mais qualidade de vida à população, mas também para evitar um colapso da atividade produtiva. Dinheiro para resolver os problemas, consta, a Capital Nacional do Petróleo tem de sobra.
Negócios, turismo e gastronomia
Na esteira do crescimento da indústria de gás e petróleo, um importante setor empresarial vem ganhando corpo em Macaé: a hotelaria. Porém, ao contrário do que ocorre em cidades próximas, como Búzios e Arraial do Cabo, o que desperta a atenção dos hóspedes ali não é a beleza natural das praias dessa porção do litoral fluminense. A atração chama-se “turismo de negócios”. E, entre a clientela, figuram não apenas executivos de multinacionais, mas, principalmente, engenheiros, geólogos e técnicos que, entre um embarque e outro para as plataformas fincadas em alto-mar, precisam de uma boa cama para se restabelecer.
Hoje, a rede hoteleira de Macaé conta com aproximadamente 4,1 mil quartos, a segunda maior oferta de leitos em todo o estado do Rio de Janeiro – só ficando atrás, obviamente, da capital. Entre os mais de 80 hotéis instalados no município, 13 pertencem a grandes redes internacionais, a exemplo da Accor e Sheraton. O fluxo de pessoas é tão intenso que quatro novos empreendimentos já se acham em construção e outros cinco aguardam o momento oportuno para sair do papel.
“Com certeza, essa é uma das melhores aplicações para quem deseja investir no município”, garante Leonardo Anderson da Silva, presidente do Macaé Convention & Visitors Bureau (MCVB), entidade privada que reúne hotéis, bares e restaurantes e tem em mira promover o turismo e “vender a cidade”, como ele define. “Hoje, quem chega aqui numa quarta-feira sem reserva não consegue um quarto. Durante a semana, quase 90% dos clientes são trabalhadores da indústria de gás e petróleo”, completa Silva. De acordo com o presidente do MCVB, o segmento de lazer e de turismo de negócios já responde por cerca de um décimo do PIB de Macaé.
Em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o MCVB vem dando novos contornos ao polo de restaurantes localizado na orla da praia dos Cavaleiros, a parte chique da cidade, atento principalmente ao movimento de estrangeiros. “Em setembro passado, realizamos no local a terceira edição de um festival de gastronomia. Temos aqui estabelecimentos de qualidade internacional”, afirma Silva. Ele cita ainda o potencial do ecoturismo na região serrana do município, sugerindo que essa opção pode ajudar a diversificar o perfil dos visitantes de Macaé, uma tarefa hercúlea diante das particularidades que envolvem a economia do lugar. “O petróleo tomou conta de tudo”, ele pontifica.
Vale destacar que a cidade também conta com um dos maiores centros de convenções do estado, um invejável complexo de 60 mil metros quadrados. Nos anos ímpares, a infraestrutura é colocada a serviço da Brazil Offshore, terceira maior feira mundial de fornecedores de serviços e equipamentos para a indústria de gás e petróleo. Nos pares, Macaé abriga a Protection Offshore, com palestras e estandes de empresas especializadas em segurança no trabalho em plataformas.
Polo de conhecimento
Macaé não é referência apenas para a indústria petrolífera. Desde 2007, a cidade também vem se tornando um importante centro de ensino superior, com força para atrair estudantes de todo o norte fluminense. Naquele ano, foi inaugurada a Cidade Universitária, área que concentra três pequenos campi de universidades públicas – duas federais e uma municipal. A oferta de vagas é comandada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que disponibiliza 11 cursos de graduação e dois de mestrado, contemplando 1,6 mil estudantes. “Macaé é a base de operação da UFRJ nessa região do estado. Cerca de 60% de nossos alunos não vivem na cidade”, afirma Gilberto Zanetti, diretor do campus local dessa universidade.
A instituição tem planos ambiciosos, com o propósito de aumentar sua presença no município. Numa área de 62 mil metros quadrados contígua ao atual campus, estão sendo erguidos um restaurante, um prédio para moradia estudantil, além de laboratórios para as graduações em farmácia e engenharia. Perguntado se essa recente expansão do ensino superior tem o objetivo de atender à vocação natural do norte fluminense no campo do gás e do petróleo, Zanetti responde que os cursos de engenharia, por exemplo, acabam contribuindo para a oferta de mão de obra especializada. “Apesar disso, não gravitamos em torno do petróleo”, apressa-se a dizer, salientando que a cidade tem um grave déficit, também, em outras áreas, como a saúde. “Queremos construir uma Macaé do conhecimento”, argumenta. Zanetti aposta alto. “No futuro, vejo Macaé como um centro de excelência em educação: uma nova Campinas ou uma nova São Carlos”, ele diz, referindo-se a duas cidades do interior paulista que se tornaram polos de conhecimento e de inovação graças à presença em seu solo de universidades públicas de ponta.