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Questões marítimas
por Vicente Marotta Rangel
Vicente Marotta Rangel, doutor em direito pela Universidade de Paris e doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, foi professor e diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Foi também consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores e atualmente é juiz do Tribunal Internacional do Direito do Mar, com sede em Hamburgo, na Alemanha.
É membro da Corte de Arbitragem de Haia, do Instituto Hispano-Luso-Americano de Direito Internacional, da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, do Instituto Interamericano de Estudos Jurídicos Internacionais, da American Society of International Law, da International Law Association, da Société Française de Droit International, do Institut de Droit International e da Société Belge de Droit International.
Esta palestra de Marotta Rangel, com o tema “A Quem Pertencem os Fundos Oceânicos?”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 10 de maio de 2012.
A temática sobre a área do fundo dos oceanos está de certo modo relacionada com a experiência que acabei por obter e a especialidade sobre a qual me debrucei no curso dos anos. A razão está em que o assunto do mar me envolveu desde os tempos em que me encontrava na Europa, com vistas a um doutorado, e especialmente em Haia, onde frequentava a Academia de Direito Internacional, contígua, como se sabe, à Corte Internacional de Justiça. Foi nesse âmbito que me chamou a atenção a problemática do mar, em cujo contexto defendi, anos mais tarde, tese de concurso à cátedra na Universidade de São Paulo.
Naquela oportunidade as Nações Unidas se preocupavam com a codificação desse ramo do direito, cuja importância é evidente, já que dois terços da superfície terrestre são integrados pelas águas do mar, por onde navegam, tanto em épocas de paz como de guerra, veículos de transporte pessoal e de mercadorias. Paulatinamente ocorriam, sob a tutela das Nações Unidas, negociações destinadas a estabelecer em tratados internacionais regras concernentes ao espaço marítimo que nos circunda. Houvera, aliás, uma primeira reunião em Haia, na época da Sociedade das Nações, em 1930, e que veio a malograr, não alcançando os objetivos que lhe determinaram a convocação.
Subsequentemente, após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1958, retomou o tema, sobre o qual decidira promover uma conferência de codificação. Esse encontro também veio a malograr. Convocou ela uma segunda reunião em 1960, que avançou na temática em causa, mas não ao ponto de ensejar inclusão de tratado internacional sobre os espaços marítimos. Houve algum progresso, mas a dificuldade maior dizia respeito à delimitação da plataforma continental dos Estados.
Nesse tema específico, ou seja, até onde se estenderia o território do Estado com base em sua própria plataforma continental, a conferência malogrou. Malogrou sobretudo por causa da pretensão de Estados desenvolvidos de que não haveria necessidade de fixar esse limite exterior, porque, segundo preconizavam, embora não às claras, ele seria estabelecido por força do progresso tecnológico. Ora, isso significaria permitir o avanço rumo à riqueza dos fundos oceânicos não a todos os Estados, mas apenas aos que detinham tecnologia suficiente para isso. Embora malograda a reunião, se estabeleceu, porém, com nitidez que havia um ponto crucial a solucionar, que era precisamente determinar até onde o Estado poderia avançar com seu território submerso. Daí uma das razões da convocação da terceira conferência da ONU sobre o direito do mar, que perdurou de 1973 a 1982, e na qual integrei a delegação de nosso país.
Espaço marítimo
Historicamente, como se sabe, desde tempos remotos, cada Estado tentou incorporar a seu território uma parte do mar que lhe fosse contíguo. Não havia regras previamente estabelecidas com rigor, mas surgiu a noção de que cada um deles teria direito ao espaço marítimo que lhe fosse próximo. Porém, além desse espaço contíguo, haveria um espaço livre. No tempo da conquista do continente americano, Portugal e Espanha entendiam que todo o espaço marítimo poderia pertencer-lhes. Daí então a ênfase dada por esses países, entre alguns outros, à noção de que não havia limite quanto ao poder que poderiam usufruir sobre os espaços marítimos. Opôs-se a isso um Estado também interessado, a Holanda, que através de Hugo Grotius, com o famoso Mare Liberum, entendeu que na verdade o máximo que se poderia permitir a um Estado era considerar como seu o espaço marítimo que lhe fosse adjacente. Além deste, seria o mar livre. Desde então se ensejou a delimitação de dois grandes espaços marítimos, o mar territorial e o alto-mar. Na terminologia em vigor, existe uma distinção básica entre o alto-mar, que é de todos, é res communis, e o mar territorial, que pertence apenas ao Estado costeiro.
Gradualmente, porém, surgiu a seguinte indagação: a quem pertencem os espaços marítimos que estão na plataforma continental ou que estão subjacentes ao próprio mar? Essa pergunta já era formulada na conferência de 1930. A resposta surgiu à medida que se adotou a noção e a prática de plataforma continental – noção e prática que hoje nos são profundamente ricas em relação a nosso próprio país, uma vez que nenhuma dúvida existe de que, de acordo com as normas da convenção, que afinal acabou sendo aprovada e promulgada inclusive no âmbito interno, a plataforma continental pertence ao Estado costeiro.
A indagação sobre os fundos oceânicos foi um dos temas principais da Terceira Conferência, que durou nove anos, não evidentemente de maneira contínua, mas via de regra com duas reuniões em cada ano, e não apenas, é claro, para decidir a respeito dessa questão crucial. Como resultado dessa reunião temos a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que foi assinada em Montego Bay, na Jamaica, em 1982. Essa convenção, surpreendentemente, não entrou em vigor senão 12 anos depois.
Como se disse, para os Estados tecnologicamente avançados o espaço além das plataformas continentais deveria estar à disposição deles próprios para exploração dos recursos nelas existentes. Esses recursos, conhecidos já há algum tempo, são os nódulos polimetálicos. Foram eles recolhidos pela primeira vez por volta de 1870 pela expedição britânica do navio Challenger, com o objetivo de conhecer cientificamente os recursos do mar. Encontraram-se a certa profundidade algumas bolotas um pouco estranhas, desconhecidas. Numa análise mais detida verificou-se que esses nódulos eram ricos em minérios como ferro, zinco, manganês e cobalto. Divulgada a notícia, a novidade suscitou a cobiça de diferentes Estados, sobretudo os mais desenvolvidos.
Ocorre, porém, que tais recursos não estão na plataforma continental dos Estados. Se estivessem, estaria resolvido o problema, pois o Estado litorâneo tem o direito, consagrado na convenção, de explorar os recursos da própria plataforma continental, que são sobretudo petrolíferos. Os Estados em desenvolvimento, na Terceira Conferência, quando o problema se colocou, queriam condicionar a exploração desses recursos a certos limites, segundo critérios previamente estabelecidos. Passaram a sustentar a tese de que os espaços além do território marítimo de cada país deveriam pertencer à humanidade. Tal tese fora formulada a 1º de novembro de 1967 perante a Assembleia Geral das Nações Unidas pelo delegado de Malta, Arvid Pardo, e, aprovada, está nas origens dessa conferência que perdurou até 10 de dezembro de 1982, quando, em Montego Bay, a mencionada convenção foi assinada. Foi com base nela que normas internas entraram subsequentemente em vigor, como a lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, de nosso país.
Comissão de Limites
Os fundos oceânicos se configuram juridicamente à medida que estabelecemos o limite exterior da plataforma continental dos Estados. Alguém poderia indagar: como se vai estabelecer o limite exterior da plataforma continental? A convenção de 1982 procurou dar a resposta a essa questão, ao instituir a Comissão de Limites da Plataforma Continental, composta por 21 peritos em geologia, geofísica ou hidrografia, eleitos pelos Estados partes da convenção. Perante essa comissão, nosso país submeteu seu plano de levantamento de nossa plataforma continental. Foi o segundo país a fazê-lo. A comissão deu largo atendimento à nossa proposta, embora não completamente, estando hoje nosso país a pleitear que ela seja integralmente aceita.
Conquanto a Convenção de Limites tenha entrado em vigor, ela sofreu modificações, em pontos aliás vitais, para dar atendimento a certas reivindicações de Estados desenvolvidos acerca de determinadas regras concernentes aos fundos oceânicos. Tais reivindicações foram objeto de negociação com os demais Estados, inclusive o nosso, a qual, conduzida pelo Secretariado-Geral da ONU, acabou por dar origem ao Acordo Relativo à Implementação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, cuja sequência, em nosso direito interno, é a lei nº 8.617/1993.
Cabe lembrar que, além da Comissão de Limites da Plataforma Continental, duas outras instituições foram geradas pela Convenção de Montego Bay: a Autoridade dos Fundos Marinhos, sediada em Kingston, que está a gerir toda a área submersa dos espaços marítimos situada além da plataforma continental dos Estados, e o Tribunal Internacional do Direito do Mar, a que pertenço, sediado em Hamburgo, o qual, assim como a Corte Internacional de Justiça, sediada tradicionalmente em Haia, pode exercer jurisdição sobre controvérsias advindas dos espaços marítimos ou a eles relacionadas.
Debate
HUGO NAPOLEÃO DO REGO NETO – O Brasil, em função do pré-sal, está tentando levar para mais adiante as 200 milhas de limite de sua plataforma continental. Segundo soube, os Estados Unidos não aceitam nem as 200 milhas. Qual a sua impressão jurídica com relação a essa postulação brasileira?
VICENTE MAROTTA RANGEL – Eu gostaria que o pleito brasileiro fosse acolhido. O órgão qualificado para isso é internacional, contemplado na Convenção de Montego Bay. É a Comissão de Limites da Plataforma Continental, da qual fazia parte o comandante Alexandre Tagore Medeiros, da Marinha brasileira. Esse órgão recebeu com simpatia preliminar a proposta brasileira e a aprovou, porém com determinada exceção no tocante a uma área situada mais na direção do nordeste. Não foi, a meu juízo, de modo algum uma recusa, mas uma aceitação com restrições. Houve apenas um Estado que manifestou discordância, não é difícil identificá-lo. Por coincidência é o único que até hoje não se vinculou à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, os Estados Unidos da América.
É de se esperar que haja recursos por parte dos Estados em causa. De um ponto de vista objetivo, compreendo que possa haver, quando um Estado apresenta sua proposta, alguma restrição, senão nem haveria necessidade da comissão. Ela cumpre seu dever. E ela própria pode também, por seus estatutos, reconsiderar o parecer.
A esse respeito, vivi uma problemática com certa similitude. Por razões de circunstância, integrei o Tribunal do Mar em época recente, para decidir uma questão crucial entre dois Estados asiáticos, Bangladesh e Mianmar, que estavam questionando as respectivas delimitações marítimas. Tivemos de levar em causa, como embasamento para a decisão, estudos feitos precisamente pela Comissão de Limites da Plataforma Continental instituída pela convenção.
Como brasileiros, todos gostaríamos que nossa proposta fosse aprovada integralmente. Mas como intelectuais, como juristas, podemos compreender que um órgão de decisão ofereça alguma restrição.
MÁRIO ERNESTO HUMBERG – A exploração dos recursos não só no fundo do mar como também na Antártica faz parte de nosso futuro. De certa maneira parece que estamos voltando à época do Tratado de Tordesilhas, só que, em vez da decisão do papa, temos um tribunal da ONU. O senhor acredita que os países litorâneos teriam mais direito à exploração do mar que os interioranos? Nações como a Bolívia e a Suíça ficaram de fora da divisão dos recursos do mar.
MAROTTA RANGEL – Os Estados sem litoral têm plenos direitos, por decisão de justiça, a convenção é clara a esse respeito. Curiosamente, entre os juízes do tribunal a que pertenço existe um austríaco. Foi eleito para esse tribunal com o apoio de Estados sem litoral, e está lá a representar esses interesses. E devo dizer que o faz com conhecimento de causa e elevada estatura intelectual e diplomática.
SAMUEL PFROMM NETTO – Na primeira metade do século passado, nos tempos de Fu Manchu, criação literária do romancista Sax Rohmer, corria pelo mundo o temor do perigo amarelo. Essa lembrança me ocorre ao pensar no papel cada vez mais importante e decisivo nos planos econômico e geopolítico que a China assumiu e que vem se refletindo, de algum modo, na questão marítima. Pergunto: a China tem participado, e em que extensão, nessas controvérsias a respeito do fundo do oceano?
MAROTTA RANGEL – A China participou e tem participado ativamente na questão dos fundos oceânicos. Nosso tribunal tem sempre a presença de um juiz desse país e se vale da contribuição chinesa. Desde o começo a China se fez presente e numa posição singular, porque, como não está integrada nos grupos de Estados considerados ocidentais, sob a liderança dos Estados Unidos, tem participado das negociações de maneira independente. Evidentemente, não é ainda com plenitude democrática que a China vive, mas oxalá dentro em pouco ela se integrará plenamente no concerto dos demais países.
PAULO NATHANAEL PEREIRA DE SOUZA – Tenho duas pequenas questões que, por curiosidade, vou lhe passar. A primeira é sobre os nódulos polimetálicos, presentes nas profundezas oceânicas. O senhor tem ideia da dimensão desse material e como é encontradiço nos fundos oceânicos? Em que medida o volume desse material pode ser de peso econômico para as nações? Segunda questão: nossas 200 milhas correspondem ao território marítimo?
MAROTTA RANGEL – Quanto aos nódulos polimetálicos, não são apenas eles que têm sido encontrados. Já surgiram novos recursos minerais de alta valia. Existem ainda algumas entidades unicelulares, passíveis de contribuir para a área biológica, com possível aproveitamento na medicina. Daí surge outra questão: essas unidades pertencem ao mundo vegetal ou animal? A distinção é importante porque, dependendo disso, elas deixarão de estar ligadas ao sistema de solução das questões referentes aos fundos oceânicos, e passarão ao regime dos espaços marítimos. Nesse caso, não seriam reservadas apenas a autoridades dos fundos oceânicos, mas estariam suscetíveis a ser exploradas por eventuais interessados.
Quanto às 200 milhas, nossa plataforma continental diz respeito ao solo e ao subsolo do mar, não tem conexão com o espaço marítimo que lhe é sobrejacente. São duas áreas inteiramente distintas. É possível que o Estado tenha um território marítimo que exceda a plataforma continental. No caso brasileiro, o território marítimo fica aquém, como regra geral, do território terrestre submerso. A plataforma continental brasileira vai muitas vezes além das 200 milhas marítimas, onde é coberta pelo alto-mar, e não pelas águas do território marítimo brasileiro.
NEY PRADO – Na hipótese de um estreito de Ormuz, por exemplo, como é que o tribunal se situa? Se cada país tem sua plataforma continental, como fica a questão?
MAROTTA RANGEL – O fato de ser um estreito não impede que se verifique a aplicabilidade das regras gerais da convenção. Via de regra, existe de fato uma interpenetração entre ambas as áreas, marítima e terrestre. Em relação a isso trago uma questão curiosa, que respondi na câmara especializada do Tribunal Internacional do Direito do Mar, a respeito de pleitos suscitados por Tonga e por Nauru, duas pequenas áreas do Pacífico, Estados independentes. Recentemente eles pleitearam da Autoridade dos Fundos Marinhos resposta favorável a suas pretensões. Como se declararam Estados em desenvolvimento, não poderiam por si próprios explorar recursos minerais que existem em áreas contíguas. Pretendiam, porém, contratar uma empresa multinacional para subvencionar as diligências e os interesses deles na exploração desses recursos. Daí surgiu uma discussão relevante: o tribunal ou a Autoridade dos Fundos Marinhos devem atender a essas propostas?
Levantada a questão, a Autoridade teve dificuldade de decidir e pediu um parecer consultivo ao tribunal a que pertenço. Subscrevemos o parecer consultivo, que foi unânime, mas o fiz com o coração apertado, porque na verdade, em minha maneira de ver, a exploração dos recursos minerais deveria ser feita em favor dos Estados em desenvolvimento, todos. De acordo com o estabelecido na Convenção de Montego Bay, haveria um órgão da Autoridade, chamado Empresa, investido do poder de explorar os recursos minerais ou de dar assistência aos Estados necessitados que desejassem fazê-lo. A convenção foi modificada nesse particular, infelizmente. De acordo com as novas regras, a Empresa já não tem mais esse poder.
De modo que a situação atual é a seguinte: uma empresa multinacional poderá, associada a um Estado em desenvolvimento, vir a beneficiar-se dos recursos dos fundos oceânicos. Nós, países em desenvolvimento, desejaríamos que a exploração se fizesse sempre diretamente a serviço dos interesses das respectivas nações. Mas há a oposição dos países tecnologicamente avançados, especificamente dos Estados Unidos, que até hoje não assinaram a Convenção de Montego Bay.
No entender do Grupo dos 77, de que o Brasil faz parte, as empresas multinacionais não poderiam explorar, nem por si nem por terceiros, os recursos dos fundos oceânicos. Na atualidade, respeitadas as regras, que são rigorosas, elas usufruem desse direito através de Estados em desenvolvimento. Vejo assim com tristeza que os objetivos iniciais não foram completamente alcançados.
EDUARDO SILVA – Por que será que nós, brasileiros, não valorizamos o mar? Estamos com problemas em todos os portos. Nossa costa é uma das mais extensas do mundo. O mar deveria ser a força que vai desenvolver o país, mas não conseguimos converter isso em meta. Queria muito ouvir sua opinião a esse respeito.
MAROTTA RANGEL – Na verdade existe certo retardo do governo e das empresas no tocante à exploração de nossos recursos. Isso não se deve a propósitos intencionais, mas a circunstâncias que ultrapassam muitas vezes o âmbito dos setores responsáveis. Pouco a pouco, porém, as questões começam a ser superadas. Não há dúvida de que existe certa conscientização em torno da temática – e não poderia deixar de existir, porque essa é uma realidade concreta. Temos um reservatório de recursos biológicos e minerais em nossa costa. E tem havido respostas. Por exemplo, a própria exploração petrolífera significa uma contribuição benéfica para o desenvolvimento e a segurança dos recursos orçamentários. A tecnologia brasileira tem avançado, a exploração do pré-sal é uma conquista nossa, de nossos meios universitários, de empresas brasileiras que desenvolvem o setor da exploração dos recursos do mar.
Evidentemente, não temos condição para avançar no que respeita ao aproveitamento dos recursos dos fundos oceânicos, mas temos tido ocasião de explorar os que nos são próximos, embora todos tenhamos a deplorar que em matéria de pesca e de portos marítimos, apenas para citar dois casos, sejamos realmente deficientes e haja muito a desenvolver. E é necessário ir além e obter medidas concretas para que também a poluição do mar não continue a existir.
FÉLIX SAVÉRIO MAJORANA – Esses nódulos representam meros conhecimentos experimentais ou já existe alguma tecnologia para explorá-los?
MAROTTA RANGEL – Desde que o navio Challenger descobriu os nódulos polimetálicos, as empresas se interessaram em examiná-los e considerar sua exploração. Hoje, concretamente, seu aproveitamento já tem sido feito. Há publicações a esse respeito, que começaram a aparecer na década de 1960. Quem analisa a convocação da Terceira Conferência, que nos conduziu à Convenção de Montego Bay, verifica quais as razões que a motivaram. Havia já interesse crucial na exploração de recursos dos fundos oceânicos, especificamente dos nódulos polimetálicos.
À medida que os anos avançam e cresce o conhecimento do relevo submarino, descobre-se que há recursos extraordinários nos fundos oceânicos, que são objeto de movimentação de empresas multinacionais, além dos Estados. O problema das multinacionais me aflige porque, como membro da delegação de nosso país, sempre lutei pela participação dos Estados, particularmente aqueles em desenvolvimento, que poderiam beneficiar-se da exploração daqueles recursos. Não se trata apenas de ferro, manganês, cobalto e zinco, há outros minérios nos fundos oceânicos.
Quando se fala nessa temática, o nome muito lembrado é o de Arvid Pardo, delegado de Malta, por sua iniciativa, no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1967, de propor que a ONU passasse a examinar uma nova problemática, exatamente a exploração dos recursos minerais submarinos. A tese era a seguinte, como ainda hoje persiste na doutrina, e que os diplomatas entendem que deve prevalecer: o titular dos recursos não deve ser este ou aquele Estado, este ou aquele país, esta ou aquela multinacional. O titular das riquezas encontradas nos fundos oceânicos é a humanidade. Hoje em dia, para estar a par dos problemas contemporâneos, devemos evocar o termo “humanidade” e o valor que ele significa.
Recorde-se que na segunda parte da década de 1960 já se falava em direito internacional humanitário, que decorre de épocas de guerra, com o objetivo de proteger soldados e a população civil, explicitado e regulamentado nas quatro convenções de Genebra sobre direito de guerra. Também havia já a noção e a prática da conquista dos espaços siderais, e se dizia que os engenhos eram lançados a serviço da humanidade e transcenderiam os espaços de cada Estado, pois estariam a serviço dela. A humanidade como titular de direitos é um conceito fundamental e que emerge depois da Segunda Guerra Mundial com muita clareza.
Essa noção hoje persiste e é aceita, embora talvez não majoritariamente, no âmbito do direito das relações e dos valores internacionais. Ela deve sempre estar subjacente no nosso espírito e em razão dela devemos manter nossos esforços, lutar para que ela se concretize dia a dia e também no âmbito de todos os direitos, inclusive os internos.
NEY PRADO – Em relação ao Ártico também?
MAROTTA RANGEL – A regulamentação a respeito do Ártico está sendo dinamizada, e poderia ser enquadrada no conceito geral pelo qual não seriam apenas os Estados contíguos – União Soviética, Canadá, Dinamarca ou Suécia – os interessados diretamente, pois haveria um interesse maior, da humanidade.