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O Brasil quer agilizar as patentes
FRANCISCO LUIZ NOEL
Inventores e empresas do Brasil e do exterior depositaram 31.924 pedidos de patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) em 2011, número superior em 14% ao volume do ano anterior, um recorde. Essa procura tem demonstrado que a busca por proteção aos direitos de invenção ganha relevância no país como fator de inovação tecnológica, vantagem competitiva e desenvolvimento econômico. Apesar do dado estatístico alentador, contudo, a criatividade brasileira a serviço da atividade empresarial ainda enfrenta barreiras, entre elas a lentidão do Estado para dar a palavra final sobre novos inventos e o desconhecimento sobre o valor da propriedade intelectual.
Do total de patentes depositadas no Inpi apenas no ano passado, 60% são de empresas ou pessoas de fora, atentas às oportunidades de uso de suas criações num cenário promissor como o da economia brasileira. E essa corrida ao instituto tem uma explicação: como título de propriedade temporária sobre a invenção de produtos, processos ou aperfeiçoamentos destinados à indústria, a patente tem validade limitada ao país onde foi concedida. O mesmo invento precisa, portanto, ser patenteado em vários lugares, sob pena de ser copiado e seus criadores ficarem a ver navios, sem receber os valores devidos pelo direito de uso (royalties).
Por conta de sua importância econômica, graças à possível geração de processos e produtos inovadores, as patentes são destaque no campo da propriedade industrial. Elas têm como marco regulatório a lei 9.279, de 1996, e constituem o primeiro dos três ramos do sistema de propriedade intelectual no país. O primeiro deles abarca, além das patentes, o registro de marca, o desenho e o segredo industrial, além da indicação geográfica. Outro ramo é o do direito autoral, relacionado à salvaguarda de obras artísticas, direitos conexos e softwares. Já o campo da proteção sui generis abrange os circuitos integrados, novas variedades de plantas (cultivares) e saberes da tradição popular.
Vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Inpi concede cartas patentes a duas modalidades criativas – invenção e modelo de utilidade –, a exemplo dos organismos de proteção da propriedade intelectual de outros países. No primeiro caso, em que a patente vale por 20 anos, os objetos ou processos devem atender a requisitos de atividade inventiva, ineditismo e aplicação na indústria. O modelo de utilidade, que supõe uma dose menor de inventividade e é protegido por 15 anos, destina-se ao produto ou processo que proporcionem melhoria funcional a algo já existente, devendo também ter aplicabilidade industrial.
A patente pode mudar a vida das empresas. Exemplo de uma história de sucesso é a do lançamento de uma tampa metálica com orifício central vedado por lacre plástico, para fechamento a vácuo de potes de vidro, uma invenção genuinamente brasileira amplamente utilizada pela indústria de alimentos. A criação, que ganhou o nome comercial Abre-Fácil, frequenta mesas no país e no exterior nas embalagens de requeijão, geleias, palmito e outras conservas. Seu inventor, o industrial Arnaldo Rojek, depositou a patente em março de 1991 e teve a carta expedida pelo Inpi em dezembro de 1995. Graças ao Abre-Fácil, a Metalgráfica Rojek – uma fábrica especializada na produção de embalagens metálicas que o empreendedor fundou em 1961, no município paulista de Cajamar – assumiu posição de destaque nesse segmento.
Embora possa muitas vezes ser rotulado de Professor Pardal, caricatura do construtor de geringonças criada pelos estúdios Walt Disney nos anos 1950, o inventor brasileiro tem forte inclinação pelo modelo de utilidade. “O setor que mais deposita esse tipo de pedido é o de máquinas agrícolas”, diz Júlio César Moreira, diretor de Patentes do Inpi. “Também temos o inventor isolado, o professor universitário e o cidadão comum, que têm uma boa ideia, conseguem viabilizá-la e vêm até nós. E há criações de pouco conteúdo, assim como há aquelas de grande potencial, que sempre procuramos ajudar”, diz. Moreira destaca que, no caso das patentes de invenção, a maioria é depositada por empresas.
Mais examinadores
Produto típico brasileiro de modelo de utilidade é o escorredor de arroz, idealizado nos anos 1950 pela odontóloga paulista Beatriz Zorowich. Para tornar mais prática a lavagem do alimento, Beatriz fez a combinação da peneira e da bacia numa peça única de plástico, resolvendo de vez um problema que afligia a dona de casa. A criação, que teve patente depositada no Inpi em 1959 e logo ganhou o exterior, foi negociada com a indústria Trol e causou sensação. Beatriz começou recebendo 2,5% das vendas e chegou a ganhar 10% na fase áurea do escorredor. Passados 15 anos, a patente expirou e o modelo de utilidade caiu em domínio público.
Apesar das investidas bem-sucedidas de Rojek, Beatriz e tantos outros, a dianteira dos estrangeiros sobre os nacionais no tocante ao registro de patentes no país demonstra que o Brasil ainda está engatinhando quando se trata de defender a propriedade intelectual de suas invenções. Ele ilustra essa situação dizendo que o inventor, às vezes, gasta o pouco que tem para desenvolver, por exemplo, uma nova cadeira, mas, desinformado, não recorre à proteção do Inpi. “O concorrente vê a novidade, copia, produz, põe no mercado e lucra sem ter investido dinheiro nem esforço intelectual para tanto”, assinala.
Do depósito à expedição da carta patente, o prazo médio de tramitação no Inpi é de 5,4 anos, tempo bem superior ao de muitos países. A partir de 2014, imagina-se, a espera será reduzida para 4 anos, como resultado do trabalho de reestruturação em curso no instituto desde 2006. Até um ano atrás, o Inpi tinha apenas 112 examinadores de patentes e era incapaz de dar conta da demanda, estimulada agora pelo advento da cultura de inovação no Brasil. Impulsionada pela lei 12.274, de 2010, que permitiu a reorganização de seu quadro funcional, a entidade ampliou o número de seus examinadores para 240, distribuídos em 20 áreas do conhecimento tecnológico, tais como biologia, engenharia, física e química. Todavia, a despeito desse reforço, a quantidade de profissionais ainda continua aquém da demanda. “Precisaríamos ter 700 deles”, estima o diretor de Patentes, observando que o próximo concurso público para a contratação de 250 funcionários abrirá vagas para 70 examinadores. Vale dizer que o salário-base do examinador de patentes gira em torno de R$ 7 mil, com exigência de mestrado e fluência em inglês.
Outra iniciativa do Inpi se destina a estimular a viabilização econômica de pesquisas dedicadas à mitigação das mudanças climáticas. Trata-se do projeto Patentes Verdes, que reduz para dois anos o exame dos pedidos para invenções com alcance ambiental. Um dos requisitos é que elas possam ser convertidas rapidamente em tecnologias e produzam resultados concretos em áreas como energia alternativa, transporte, gestão de resíduos e agricultura. O projeto, em fase experimental, beneficiará 500 pedidos de patentes de inventos associados à preservação do meio ambiente.
As conquistas vão além. O Inpi está se articulando com organizações públicas e privadas de pesquisa e entidades da indústria, visando fortalecer seu papel. Na difusão da importância da propriedade intelectual para o desenvolvimento do país, um dos aliados é a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em 2010, como desdobramento de um convênio celebrado com o instituto, a entidade apresentou o Programa de Propriedade Intelectual para a Inovação, por meio da distribuição de manuais a empresários, jornalistas e professores do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e da realização de cursos e oficinas nos estados. Com material impresso e difusão online de conhecimento, o curso a distância do Senai deu a 89 mil estudantes a oportunidade de acesso a informações sobre os direitos de proteção intelectual de interesse da indústria.
A iniciativa da CNI vem preenchendo uma lacuna de dimensão nacional. “A propriedade intelectual não faz parte da formação profissional do brasileiro”, lamenta a coordenadora do Programa de Propriedade Intelectual para a Inovação, Diana Jungmann. Ela salienta, porém, que o país encarou o desafio. “Não estamos mais no zero. Éramos criticados no exterior porque não tínhamos um ambiente propício à inovação, como se o tema não nos interessasse, pois nossa capacidade nesse âmbito era baixa. Podemos dizer, hoje, que nosso parque industrial é diversificado, temos boas universidades e excelentes condições para inovar”, argumenta.
Diana destaca o papel estratégico da invenção para a arrancada tecnológica da indústria brasileira. “O Brasil precisa não só inovar, mas também saber aproveitar o resultado da criação. Quando uma empresa se torna legalmente proprietária de uma inovação que é fruto de seu investimento, pode transacioná-la como produto no mercado”, diz. Inspirados nessa visão, a CNI e executivos de diversas indústrias lançaram, em 2008, a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI). Na agenda de prioridades do movimento, a propriedade intelectual é considerada pré-requisito para que a inovação ganhe corpo e deslanche no país.
Inserção global
As parcerias do Inpi avançaram também no plano internacional, uma iniciativa vital para o futuro da inovação no Brasil e a integração do país no panorama global. O instituto intensificou a participação brasileira no Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT, na sigla em inglês) e passou a interagir nos exames de patentes em outros países. Coordenado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), uma das agências especializadas da Organização das Nações Unidas (ONU), o PCT tem a adesão do Brasil desde 1974. O tratado permite que inventores e empresas do país efetivem, através do Inpi, o depósito de patentes em outras nações, coisa impensável no passado.
Um outro exemplo de cooperação promissora no plano externo, e que data de 2008, foi o acordo firmado com o Escritório Europeu de Patentes (EPO), parceria que proporcionou ao Inpi o emprego das ferramentas de informática daquela entidade na automação de seu processo de gestão de patentes. Em 2010, os examinadores do instituto receberam treinamento e passaram a trabalhar com documentos digitalizados, um sistema eletrônico que permite o aumento da produtividade e a ampliação do acesso por interessados, melhorias que facilitarão o recebimento de depósitos pela internet. Em abril último, o Inpi renovou a parceria com o EPO para a criação de um serviço de tradução automática de pedidos de patentes.
A inclusão do português na máquina de tradução, como o serviço é chamado, faz parte do esforço do Inpi para incentivar a presença de empresas e inventores brasileiros no exterior. Planeja-se, dentre outras iniciativas, a realização de roadshows pelo Brasil com o propósito de convidar empresas e universidades a proteger suas patentes fora do país. O sistema, no site do EPO, vai permitir que documentos em inglês sobre patentes tornem-se acessíveis em português ao instituto, a companhias e a pesquisadores brasileiros. “Isso vai facilitar o trânsito da informação ‘patentária’ no mundo”, enfatiza Júlio César Moreira. Ele esclarece ainda que os documentos brasileiros, vertidos do português para o inglês, também estarão disponíveis para outros escritórios de patentes, como o japonês, o americano e o coreano.
Em depoimento à Agência Brasil, o presidente do Inpi, Jorge Ávila, disse estar convicto de que o acordo com o EPO vai estimular o crescimento dos pedidos de patentes de empresas e pesquisadores brasileiros na Europa, que já experimentaram um incremento da ordem de 8,9% entre 2010 e 2011. “Nossa expectativa é ver esse número aumentar, proximamente, de 20% a 25% ao ano”. Ávila informou que o instituto europeu vem há anos renovando acordos de cooperação com o Inpi. “É nosso principal parceiro tecnológico”. Localizado na cidade alemã de Munique, o EPO responde pela proteção da propriedade intelectual em 38 países europeus.
Um dos parceiros mais importantes do EPO, o Google Patents é um serviço que busca informações sobre patentes no Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (USPTO, na sigla em inglês). Foi o Google quem revelou aos fãs o segredo do sapato com que o cantor Michael Jackson dava passos antigravidade na música Smooth Criminal, inclinando o corpo a 45 graus, ângulo impossível a um mortal desaparelhado. Jackson usava um sapato criado nos anos 1990. Com movimentos rápidos, prendia a invenção num engate instalado no chão do palco e, depois da performance, desengatava o calçado com ágeis movimentos das pernas.
Outra parceria internacional do Inpi no âmbito da Ompi resultou na criação de um curso a distância sobre propriedade intelectual destinado a disseminar informações sobre o assunto a interessados em todo o Brasil. O instituto também constituiu a Academia de Propriedade Intelectual, Inovação e Desenvolvimento, que oferece mestrado profissionalizante na área, um programa gratuito com duração de dois anos.
Desafios a vencer
Apesar de ter na fila 160 mil pedidos de patentes, o Inpi garante que vem obtendo progressos ano a ano no volume analisado. Das 13.160 decisões emitidas em 2006, o instituto saltou para 19.471, em 2010, um acréscimo, portanto, de 48%. A melhora de produtividade se reflete no número anual de patentes concedidas e que, nesse período, passou de 2.785 para 3.620, um aumento de 30%. O volume de indeferimentos e arquivamentos também cresceu, indo de 1.066 para 3.394 (218%) e de 9.232 para 12.401 (34%), respectivamente. A grande soma de pedidos arquivados evidencia, de modo flagrante, que a procura pela proteção dos direitos de invenção ainda tem uma longa estrada pela frente. “O depositante, invariavelmente brasileiro, apresenta o pedido, vai para casa e acha que a patente está concedida, sem acompanhar o processo”, diz o diretor de Patentes do instituto. A lei prevê que o pedido fique sob sigilo, intocado, por 18 meses, para que o inventor tenha tempo de buscar apoio para sua criação. Vencido o prazo, o pedido é publicado e o Inpi espera mais 18 meses pela solicitação do exame final, sob pena de o processo ser arquivado.
Em média, assinala Júlio César Moreira, 20% das solicitações analisadas têm carta patente concedida. “O número é baixo porque, na mesma proporção, é pequena a qualidade dos pedidos, e muitos deles passam ao largo da inovação ou não fazem jus à atividade inventiva”, ressalta. À falta de inventividade e de precisão descritiva somam-se a desconfiança e a incompreensão a respeito do sistema de propriedade intelectual. “Sempre há quem não queira explicar com detalhes sua invenção”, observa o diretor de Patentes. “A pessoa quer a proteção do Estado por 20 anos, mas se recusa a revelar pormenores de sua criação”, diz Moreira.
Os avanços do Inpi são reconhecidos no campo da indústria, mas, na CNI, a coordenadora Diana Jungmann alerta que o instituto ainda tem muito a caminhar para dar outro colorido à situação. “O Inpi vai ter de funcionar dentro de padrões internacionais”, ela declara, afirmando que há casos de patentes que demoram oito anos para sair, segundo diz, o dobro do demandado em outros países. “É um desestímulo para as empresas, porque, nesse meio-tempo, a tecnologia envolvida no invento se torna obsoleta.”
É promissor o fato de a propriedade intelectual ter sido incorporada ao discurso governamental, da mesma maneira como passou a fazer parte da lista de prioridades do mundo empresarial. “Pela primeira vez, questões ligadas a patentes foram abordadas de forma direta em discurso da presidente da República”, elogia Diana. Em visita à CNI, em Brasília, no dia 13 de abril, data consagrada à indústria, Dilma Rousseff destacou o papel da propriedade industrial como fator de desenvolvimento, dizendo que o Inpi continuará a ser modernizado. “Patente é imprescindível. Nós temos de gerar patentes no Brasil”, pontificou.
É uma boa surpresa a informação de que a tecnologia de ponta está conquistando espaço nos depósitos de patentes no Inpi. Todavia, o país precisa decidir se estende à biotecnologia e à engenharia genética a proteção da propriedade intelectual. A lei 9.279/1996 (que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial) proíbe a concessão de patentes para “o todo ou parte de seres vivos”, à exceção de certos microrganismos transgênicos. Na contramão de países como os Estados Unidos, o Inpi não patenteia substâncias isoladas na natureza, com uso potencial em remédios e cosméticos, nem modificações genéticas com aplicação nos estudos para o tratamento de doenças como Alzheimer e Parkinson.
“Se o Brasil decidir ficar fora e não investir na proteção de inovações nessas áreas, acabaremos à margem do processo de invenção e investimentos em curso mundo afora”, alerta Moreira. É sabido que, especialmente no caso da biotecnologia, empresas nacionais têm procurado contornar a situação com a realização de pesquisas em outros países e, consequentemente, a transferência de capital para o exterior. “Patenteados lá fora, os produtos que resultam desse trabalho acabam sendo vendidos com proteção para o Brasil”, conclui o diretor de Patentes do Inpi.