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Investir em bolsa, questão de classe?

por Rosa Symanski

É um dos maiores fenômenos sociais vistos dentro do país: a classe C está ensaiando os primeiros passos rumo a investimentos mais sofisticados. Essa camada da população começa a se interessar pelas aplicações em bolsa, dando os primeiros sinais de que é capaz de diversificar sua poupança e enfrentar os desafios de um mercado muitas vezes oscilante e arriscado. Uma pesquisa da Quorum Brasil, realizada em 2010 com 400 entrevistados com ganhos entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil, indica que cerca de 4% desse total já está fazendo investimentos em bolsa. “Verificamos um aumento do interesse entre a classe C. Mas é um movimento ainda considerado pequeno e que tem por trás o crescimento da economia”, explica Cláudio Silveira, diretor da empresa.

Porém, apesar das amostras de que essa classe está iniciando suas investidas rumo ao mercado de capitais, os dados indicam que o número de investidores ainda é tímido, se considerarmos a representatividade dessa camada da população. De acordo com pesquisa do Instituto Data Popular, realizada em agosto de 2010, atualmente 54% dos brasileiros se enquadram na classe C, que, segundo o levantamento, reúne famílias com renda média de R$ 2.295. Segundo Renato Meirelles, sócio do instituto, somente nesse extrato social há aproximadamente 14 milhões de potenciais investidores (cerca de 15%), reunindo pessoas que conseguem poupar regularmente e que começam, aos poucos, a buscar aplicações que rendam mais que a tradicional caderneta de poupança – ainda a aplicação preferida desse público.

Mesmo que os avanços rumo ao mercado de capitais sejam modestos, analistas ressaltam que atrair uma porção maciça de investidores dessa promissora camada da população é uma façanha que ainda vai exigir muito trabalho por parte das entidades envolvidas no processo. “Há um nível de desinformação muito elevado a respeito dos investimentos em bolsa. Nem os próprios gerentes de bancos estão capacitados a orientar os investidores”, afirma o diretor da Quorum.

No mercado de ações, entretanto, certas práticas estão pouco a pouco mudando para se adequar ao novo perfil dos clientes. A Corretora Souza Barros, por exemplo, desenvolveu um programa, o Investimento Planejado (IP), que se propõe a colaborar com o novo público, auxiliando as pessoas a criar uma reserva financeira direcionada a aplicações em ações. Com contribuições mensais, elas iniciam a formação do capital até atingir o montante necessário para comprar ações. “Durante o período de desenvolvimento da reserva financeira, a Souza Barros oferece aos clientes – via internet – palestras sobre os mercados, a fim de qualificá-los ao final de um prazo definido, auxiliando-os a operar por conta própria”, afirma Daniel Garcia, gerente de Home Broker da corretora.

Segundo Garcia, o valor depositado mensalmente pelo investidor é, inicialmente, aplicado em títulos do Tesouro Direto. Após a formação da reserva, os recursos podem ser aplicados no mercado acionário. “O Investimento Planejado se destina a novos clientes, sem experiência de mercado e que desejam aplicar em ações”, explica.

Longo prazo

Com o mesmo objetivo de facilitar o acesso a novos investidores, a corretora Spinelli decidiu traduzir para o português termos que são utilizados para operar no mercado. Outra corretora que também avançou nas iniciativas para conquistar essa fatia da população foi a Gradual, que há pouco tempo havia criado um fundo específico para a baixa renda que permitia depósitos iniciais de apenas R$ 100. “Claro que não estimulamos os investidores novatos a apostar no dia a dia do mercado; mostramos que a bolsa é uma aplicação de longo prazo”, explica André Perfeito, economista-chefe da empresa. O projeto de educação financeira da Gradual também oferece uma web TV, ou TV pela internet, com informações sobre o cenário econômico, fechamento do mercado e análises sobre as grandes empresas.

Outro exemplo de corretora que entrou na “corrida do ouro” para conquistar investidores neófitos no mercado é a gaúcha XP, cuja equipe é preparada para atender aos clientes por telefone, caso estes não queiram – ou não possam – operar pela internet.

A Título Corretora também não ficou para trás na luta pela conquista do investidor e colocou no ar o Investmania, um canal no mercado virtual destinado a orientar os interessados, trabalhando tanto com os clientes novatos como com aqueles mais experientes. Com a inovação, a corretora pretende mostrar ao investidor que há outras aplicações além da poupança. A ideia é publicar diariamente no site da corretora relatórios de análises de especialistas e, ao longo do dia, apresentar vídeos e chats para interagir com os investidores e esclarecer dúvidas.

Se por um lado há corretoras que apostam suas fichas nesses novos clientes, por outro, não faltam analistas que discordam dessa estratégia. “A classe C ainda está voltada para o consumo. Ou seja, está trocando o aparelho de TV por um mais moderno, adquirindo uma geladeira melhor... Depois disso, ela vai se preocupar com educação, pagar as dívidas e somente então vai pensar em poupar”, observa Alfredo Sequeira, superintendente da Fator Corretora. Na opinião do analista, a ausência de conhecimento específico afeta ainda mais o cenário. “A falta de educação financeira é uma barreira para que a classe baixa possa atuar nesse mercado”, observa.

Segundo Sequeira, as taxas de corretagem cobradas por operação na bolsa também são um fator impeditivo à entrada de investidores de pequeno porte. “Somente a taxa de custódia é de R$ 6,99 por mês. As corretoras bem que têm se empenhado em reduzir esses valores, mas a própria bolsa não está colaborando para que isso aconteça e não diminui suas taxas”, observa.

Uma das evidências da necessidade de educação financeira para entrar na bolsa diz respeito à paciência e ao sangue-frio que os investidores precisam ter diante dos percalços do mercado. “Nos anos de 2007 e 2008, quando a bolsa estava subindo sem parar, era fácil ganhar dinheiro com ações. O investidor tem de saber entrar e sair do mercado na hora certa”, afirma Sequeira.

Mercado dos EUA

O Brasil já vem dando os primeiros sinais de que poderá ter um mercado acionário próspero como o americano. Nos EUA, a população despertou para as aplicações em bolsa ainda nos anos 1950, quando a classe média começou a economizar e a bolsa de Nova York passou a disseminar informações utilizando o rádio com uma programação específica sobre ações de companhias.

Em cerca de 15 anos, o percentual de acionistas subiu de 4% para 10% da população, coincidindo com o crescimento do mercado de capitais no país: na década de 1950, o valor das empresas listadas dobrou e a bolsa americana se tornou uma opção de financiamento para um número maior de companhias. Empreendedores e donos de empresas recém-criadas, como HP e Polaroid, abriram o capital para levantar recursos e expandir seus negócios, coisa rara no passado.

O Brasil viveu fenômeno similar em 2007, quando uma grande safra de empresas abriu o capital e tornou a bolsa vibrante e sedutora aos olhos dos novos investidores. Naquele ano, houve uma média de seis aberturas de capital por mês na bolsa. Foram 64 ofertas públicas iniciais, que movimentaram R$ 70,1 bilhões, segundo dados da BM&FBovespa.

Foi só a partir dos anos 1980, contudo, que a classe média dos Estados Unidos se deixou seduzir pela bolsa. Atualmente, metade dos americanos aplica em ações, diretamente ou via fundos, e estima-se que 20 milhões deles tenham renda familiar mensal inferior a US$ 4 mil dólares, o que os coloca na base da pirâmide social local.

Dicas

No Brasil, a bolsa de valores se impôs uma séria meta: multiplicar por dez o número de investidores, atingindo 5 milhões até 2014. Para isso, a BM&FBovespa vem recorrendo maciçamente a publicidade e a programas que a aproximem de pequenos investidores. Também faz parte da ofensiva da bolsa brasileira o programa Bovespa vai até Você, que inclui visitas a cidades, fábricas e até ao litoral, durante as férias.

Para quem pretende aplicar na bolsa, o agente de investimento Carlos Martins recomenda começar com calma e dá uma dica: comprar ações que rendam dividendos, que são a distribuição dos lucros obtidos pela empresa. “É uma modalidade de investimento em que a pessoa não fica negociando ações, mas compra um papel e fica esperando ele pagar dividendo.” Seria como colocar dinheiro na poupança e aguardar algum tempo para que ele renda. “Existem empresas que pagam mais de 10% ao ano”, afirma. Ele lembra ainda que, no mercado de ações, há possibilidades de ganhos expressivos, mas também o risco de perder dinheiro. Por isso, é importante diversificar os investimentos e não contar com retorno rápido.

Segundo André Massaro, especialista em finanças pessoais da MoneyFit, empresa de treinamento em educação financeira, o investidor precisa ter um objetivo de ganho e um limite máximo de perda. Quem aplica em ações e tem horizonte de longo prazo precisa manter a calma. “Ficar consultando a todo momento o valor das ações é um fator causador de angústia e pode levar a tomar decisões que talvez não sejam as melhores”, diz Massaro. Mesmo quando o cenário estiver incerto, o investidor deve manter a intenção de comprar ações, mas ter claro por quanto tempo pretende deixar o dinheiro aplicado.

O investidor da bolsa precisa, basicamente, se enquadrar em três condições. A primeira é estar disposto a correr riscos e não ficar preocupado com a volatilidade. A segunda diz respeito ao total que tem para investir. É importante ter um montante suficiente para diversificar as aplicações. A terceira está ligada ao prazo. O investidor não deve investir um dinheiro que tem destino certo no curto prazo.

Investimentos de R$ 100

Uma forma que a corretora Geração Futura encontrou de atingir o público de baixa renda foi estabelecer valores baixos, a partir de R$ 100, para atraí-lo. “Temos investidores com vários perfis: de empregados domésticos e motoristas até milionários. Para os de baixa renda, criamos produtos como fundos de ações que permitem investimentos dessa camada da população em grandes empresas do país”, explica Joel Ortiz, agente autônomo da Geração Futura, que ainda encontra tempo para dar palestras sobre o mercado financeiro e educação financeira em escolas, clubes e empresas.

A Geração Futura está se adaptando às necessidades de seus clientes ensinando como pequenas quantias podem ser investidas. “Se a pessoa disser que naquele mês só poderá disponibilizar R$ 50, nós a incentivamos a guardar essa quantia para poder dispor de R$ 100 no mês seguinte e assim efetuar seu investimento”, explica o especialista.

A corretora criou também um tipo de atendimento especializado, voltado para o cliente novato no mercado de ações. “Ao chegar aqui, a pessoa preenche uma ficha cadastral e explicamos a ela como funcionam as aplicações, o que pode ser feito no mercado, entre outros detalhes”, afirma Ortiz.

O mais difícil, muitas vezes, é controlar os nervos dos clientes diante dos baques que o mercado sofre invariavelmente. Isso, porém, faz parte do dia a dia da bolsa, e aos poucos os novos investidores acabam aprendendo a esperar. O melhor a fazer é diversificar as aplicações e não se precipitar, confiando no longo prazo e nos profissionais do mercado.


Uma história de altos e baixos

Até o ano 2000, o Brasil contava com várias bolsas de valores diferentes, espalhadas pelas principais capitais, como Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Nesse ano, todas as negociações foram unificadas em São Paulo e as cotas de cada bolsa incorporadas à BM&FBovespa, que se tornou a única no Brasil.

A história da bolsa brasileira, no entanto, demonstra que houve períodos em que o investidor esteve sujeito a enfrentar um verdadeiro terror nos mercados. Entre os anos de 1971 e 1972, por exemplo, quando o mundo assistia ao chamado “choque do petróleo”, o índice da principal bolsa brasileira, naquela ocasião a do Rio de Janeiro, registrou desvalorização de 54,79%.

As sucessivas valorizações e desvalorizações dos últimos anos, contudo, apenas confirmam quanto o comportamento da bolsa pode ser cíclico. De 2000 a 2011, por exemplo, houve pelo menos dois períodos de muito pânico e um de grande euforia. Depois de subir 152% em 1999, a bolsa de valores brasileira passou por três anos seguidos de quedas: 11% em 2000, 11% em 2001 e 17% em 2002, ano em que o pânico se instaurou especialmente devido à eleição de Lula, que, antes de assumir o governo, era temido pelo mercado de capitais. De 2003 a 2007, assistimos a cinco anos consecutivos de grandes altas na bolsa brasileira: 97% em 2003, 18% em 2004, 28% em 2005, 33% em 2006 e 44% em 2007.

Em 2008, no entanto, a bolsa fechou o ano com queda de 41%. A situação se acalmou com a alta de 83% em 2009 e a estabilidade de 2010, até que a crise da dívida americana e a erosão da economia europeia provocassem novamente pânico nos mercados, levando a uma desvalorização de 18% no ano de 2011.

Atualmente, a bolsa brasileira ainda sofre com os problemas da crise europeia e a instabilidade da economia dos EUA. Apesar disso, a Europa continua a ditar os rumos das bolsas do mundo, enchendo de instabilidade os mercados financeiros.