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Mais gente e mais carga no ar

Por: HERBERT CARVALHO

O tráfego aéreo internacional cresceu em progressão geométrica, aumentando mais de seis vezes nos últimos 40 anos. A formação de complexas cadeias produtivas em nível mundial – característica principal do processo de mudança de paradigmas econômicos a que se convencionou chamar de globalização – intensificou, nesse período, o deslocamento de pessoas e mercadorias por todo o globo terrestre, ampliando o mercado do transporte aéreo.

O fenômeno foi impulsionado pela expansão do comércio eletrônico, pela exigência de logísticas mais rápidas para um número cada vez maior de produtos e componentes de alto valor, pela evolução tecnológica e por ganhos de eficiência da aviação comercial, que se tornou acessível a parcelas crescentes de passageiros e de empresas que passaram a adotar o transporte aéreo de cargas. Esse fluxo, de acordo com os especialistas, tende a aumentar 5% ao ano, em escala global, ao longo da presente década, em razão de diversos fatores: democratização do turismo, contínua ampliação da classe média, período mais prolongado de férias e feriados e multiplicação das viagens de negócios.

No Brasil, em decorrência do ambiente de estabilidade proporcionado pelo Plano Real e pela incorporação de enormes contingentes da população aos mercados de trabalho e de consumo, mais do que triplicou a demanda pelos serviços domésticos de passageiros e de cargas entre 1995 e 2009. Ao contrário do que aconteceu em outras partes do mundo, esse incremento não foi afetado pelos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos nem pela crise financeira mundial de 2008-2009, quando nossa demanda interna aumentou 17%. Em compensação, porém, tivemos de conviver durante os últimos anos com as dores agudas causadas pelo descompasso entre a demanda crescente e a insuficiência da infraestrutura aeroportuária e aeronáutica, esta última responsável pela segurança dos voos. Perplexos, assistimos à derrocada de companhias aéreas que pareciam sólidas, como a Vasp, a Transbrasil e a Varig, a traumáticos acidentes com aviões da Gol (2006) e da TAM (2007) , ao “apagão aéreo” de 2006-2007 e às constantes, mas até agora insuficientes, mudanças no modelo regulatório de nossa aviação civil.

Apesar das dimensões continentais do Brasil – que exigem da aviação um papel de indutor do desenvolvimento, em especial nas áreas mais remotas –, o modal aéreo participa atualmente, em razão dos gargalos apontados, com apenas 4% de nossa matriz de transportes, menos que os 6% dos anos 1950-1960, em que pese o extraordinário crescimento recente. Sobre esse anacronismo, paira ainda a sombra da dúvida quanto à nossa capacidade de atender à demanda extra a ser gerada por eventos esportivos que serão aqui sediados, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Será que estamos preparados para esses megaeventos, levando em conta que nossos principais aeroportos estão saturados ou próximos de atingir sua capacidade operacional máxima? Para contribuir tanto para uma resposta a essa pergunta imediata como para o debate sobre os desafios e as perspectivas da aviação civil brasileira no horizonte das próximas décadas, a Editora Senac São Paulo lançou o livro Globalização, Logística e Transporte Aéreo, de autoria do economista Josef Barat, doutor e livre-docente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Especialista em infraestrutura de transportes, o autor tem vasta experiência no setor: foi superintendente da área de projetos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), presidente da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU-SP) e duas vezes secretário estadual dos Transportes do Rio de Janeiro. Ocupou ainda os cargos de membro titular da Comissão de Coordenação do Transporte Aéreo Civil (Cotac) e de diretor de Relações Internacionais, Estudos e Pesquisas da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em especial nessa última função, exercida durante o turbulento período da crise aérea, acumulou o vasto conhecimento consolidado no presente livro, pautado por um olhar crítico sobre as falhas na coordenação das ações relacionadas aos múltiplos segmentos que compõem o sistema de aviação civil brasileiro.

Propostas objetivas

Considerada um “vade-mécum sobre transporte aéreo, logística e globalização” e uma “fonte de consulta obrigatória para os profissionais ligados a tais atividades” pelo autor do prefácio, tenente-brigadeiro do ar Mauro Gandra, a obra se divide em quatro capítulos. O primeiro trata das infraestruturas de logística e transporte de forma ampla, abrange os diferentes modais e estabelece comparações, como esta: enquanto China, Índia e Rússia investem de 3% a 5% dos respectivos PIBs nessa área, a taxa no Brasil é de apenas 0,9%, incluídos os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Os três seguintes focam o transporte aéreo propriamente dito, em termos mundiais e no Brasil, e no que se refere à regulação do setor.

À semelhança do enxadrista que avalia metodicamente cada posição no tabuleiro para extrair diferentes opções de jogadas, em cada capítulo Barat alterna diagnósticos dos gargalos e obstáculos com propostas objetivas para correções de rumo e aproveitamento de oportunidades. O rigor técnico das análises, fundamentadas em dados meticulosamente reunidos, pode ser verificado em dezenas de gráficos e quadros espalhados entre o texto ou agrupados nos anexos. No conjunto, o resultado é uma observação “sistêmica”, na qual “o mundo faz sentido”, conforme a síntese do jornalista Jacob Klintowitz. Responsável pela apresentação do livro, ele destaca a visão estratégica do autor: “Se a permanente análise por Barat das questões nacionais tem uma finalidade principal, esta seria a defesa do planejamento como instrumento essencial da vida democrática e da construção do futuro”.

Após descrições panorâmicas das tendências mundiais da logística e do transporte aéreo, Barat se detém no caso brasileiro e lista os seguintes obstáculos, além das deficiências infraestruturais: carga tributária muito elevada para as empresas aéreas – da ordem de 39%, contra 7,5% nos Estados Unidos e 16%, em média, na União Europeia –, ICMS com alíquotas diferenciadas nos estados, desequilíbrio de bandeira no tráfego aéreo internacional (causado pela lentidão no repasse dos direitos bilaterais de tráfego que eram da Varig para as atuais empresas brasileiras), frota cargueira muito antiga e assimetria no comércio externo de cargas aéreas, em razão do fato de as aeronaves que trazem produtos importados seguirem ociosas para seus destinos, o que poderia ser compensado, segundo o autor, pela exportação de frutas brasileiras por esse modal. Entre as oportunidades, ele cita o ambiente econômico favorável e a perspectiva de que a demanda por transporte aéreo cresça 9% ao ano nas próximas duas décadas, mantendo-se elástica em relação a um crescimento do PIB estimado em 3,5% anuais.

No momento em que o Congresso Nacional discute a revisão do Código Brasileiro de Aeronáutica, Barat alerta que um novo marco regulador do sistema de aviação civil deve contemplar as mudanças previstas para o setor, a começar pelas alterações nos acordos aéreos internacionais que emergirão dos grandes blocos econômicos e mercados globais em formação. “Entre todos os meios de transporte, a aviação é o que mais se sobrepõe a limites e limitações nacionais, exigindo adaptação a regras e ambientações mundiais”, acrescenta o presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Abram Szajman, em texto na orelha do livro. Uma nova geração de aviões, o desenvolvimento de tecnologia de controle e gestão do espaço aéreo, cada vez mais saturado, e as exigências de acessibilidade aos aeroportos, diante do agravamento dos congestionamentos de trânsito nas grandes cidades, são também questões que demandarão soluções urgentes e duradouras dos poderes Legislativo e Executivo. Em resumo, o debate proposto diz respeito ao estabelecimento de um equilíbrio saudável entre a dinâmica do mercado e uma regulação que garanta a segurança e a qualidade dos serviços.