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Empresas enxutas e promissoras
Por: CARLA SCHTRUK
O Brasil é um país de micro, pequenas e médias empresas, um universo que, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responde hoje por parcela ponderável dos empreendimentos em atividade no país. São 7,3 milhões de registros no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), cuja produção anual, em torno de R$ 900 bilhões, equivalente a 21% do Produto Interno Bruto (PIB), contribui com a oferta de mais da metade do número de empregos formais. O faturamento das micro, pequenas e médias empresas, enfim, vem experimentando sucessivos aumentos, colaborando incisivamente para o crescimento econômico do país. Entre 2000 e 2008, também segundo o IBGE, a expansão da receita desse segmento empresarial foi da ordem de 6,2%, enquanto nas grandes empresas esse avanço limitou-se a 4% no mesmo período. De acordo com indicadores do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), os negócios de portes pequenos e médios continuam em ascensão e são grandes as possibilidades e boas as perspectivas para as organizações que carregam o rótulo de inovadoras, denominadas startups, empresas emergentes de estrutura enxuta e com grande potencial de crescimento – algumas chegam a faturar até R$ 1 milhão no primeiro ano de existência. O destaque está com as companhias que atuam no setor de tecnologia, a exemplo das desenvolvedoras de softwares, aplicativos e plataformas na internet.
O aumento de recursos disponíveis em fundos de investimento para as promissoras startups e a criação de programas de mentoria de empreendedorismo têm se revelado importantes para o desenvolvimento dessa modalidade de empresa no país. Muitas saem do papel graças à aportes financeiros feitos por gestores de fundos de capital interessados em investir no negócio e usufruir de uma parte dos lucros a médio e longo prazo. É o caso da paulistana Livebiz, agência especializada na transmissão de shows ao vivo pela internet, companhia fundada em meados de 2012, pelo administrador de empresas Gustavo Marques. Na realidade, o empresário só decidiu abrir a Livebiz após ter construído uma bem-sucedida carreira em agências de publicidade nas quais atuou principalmente no setor de mídias digitais. Marques estava entusiasmado com a expansão do mercado de entretenimento e a crescente adesão à banda larga, principalmente por parte de consumidores considerados emergentes. Analisando, o empresário conclui que a criação da Livebiz foi um acerto: entre seus inúmeros clientes já despontam algumas empresas de destaque como a Nivea, a Sky e a Fiat, que veiculam suas imagens ao serviço de transmissão ao vivo pela internet, isto sem falar de shows de artistas famosos, como Gilberto Gil e Claudia Leitte.
Grande parte do público que acompanha as veiculações é formada por pessoas que moram longe das capitais – lugares em que acontece a maioria dos shows – ou que não têm recursos para arcar com os custos dos ingressos, que estão entre os mais caros do mundo. Enquanto nos Estados Unidos a média de preço de entradas para shows custou menos de US$ 50, em 2012, segundo um estudo da rede americana Pollstar – especializada em pesquisas no setor musical e venda de ingressos –, no Brasil, de acordo com uma das maiores organizadoras de shows, a Time for Fun (T4F), o valor médio foi de R$ 170 no mesmo período. “As empresas perceberam que proporcionar ao consumidor a facilidade de assistir a apresentações de música em tempo real pela internet contribui para a fidelização da marca”, afirma Marques. Este ano, sua companhia deve faturar cerca de R$ 800 mil, expectativa que talvez não se concretizasse caso a Livebiz não tivesse contado com um aporte de capital de R$ 170 mil de um fundo de investimento (não revelado) para iniciar suas operações. Uma parte do dinheiro foi utilizada na compra de equipamentos para as gravações.
Investidores-anjo
A trajetória vitoriosa da Livebiz deixou de ser um caso isolado nos últimos anos no âmbito das empresas de elevado potencial de crescimento, porque já são muitas as startups criadas e é grande o número daquelas que estão surgindo no mercado. Os administradores estrangeiros do chamado capital de risco têm apostado nas oportunidades de crescimento desse ramo no Brasil, principalmente nos setores de tecnologia, saúde e educação. Em 2009, de acordo com análises do Centro de Estudos em Private Equity e Venture Capital (GVcepe) da Fundação Getulio Vargas (FGV), os fundos estrangeiros investiram cerca de US$ 36 milhões em startups nacionais, seis vezes mais que em 2004. A FGV aponta também que nos últimos anos dobrou no país o número de investidores-anjo, como são chamadas as pessoas físicas que apoiam uma empresa, oferecendo capital e, algumas vezes também, orientações sobre a gestão do negócio. Hoje, há cerca de 10 mil investidores-anjo em atuação no país.
Esse movimento tem estimulado a criação de mais empresas. Segundo um levantamento do Instituto Inovação (núcleo gerador de negócios inovadores), em 2011 foram criados em território brasileiro cerca de dois mil empreendimentos do gênero apenas no setor de tecnologia, o triplo de 2009. “Essas empresas, geralmente lideradas por jovens com ideias ousadas, fazem bem mais do que gerar empregos e renda. Elas também são grandes fontes de inovação”, defende o americano Brian Feinstein, sócio do fundo de capital de risco Bessemer Venture Partners (BVP), da Califórnia.
Segundo Cláudio Furtado, professor da FGV, o fomento ao empreendedorismo tem-se convertido numa das molas propulsoras de crescimento dos países desenvolvidos. “No Vale do Silício, nos Estados Unidos, o capital de risco aplicado em novos negócios foi fundamental para a expansão das empresas de tecnologia de alto valor agregado”, afirma. De acordo com um estudo da consultoria inglesa PricewaterhouseCoopers (PwC), no ano 2000, os fundos de capital de risco investiram US$ 105 bilhões em cerca de oito mil startups americanas de tecnologia, ajudando a criar um significativo mercado de inovação no setor que, de acordo com as estatísticas, vem colaborando na retomada econômica da nação de Obama. “Nenhum país que alimenta planos de crescer a médio e a longo prazo pode abrir mão da criatividade de empresas capazes de inovar constantemente”, afirma Feinstein.
O governo brasileiro, recentemente, começou a apostar na ativação de startups como forma de incentivar a inovação e assim tornar o país mais competitivo. Ao mesmo tempo, os fundos de investimento nacionais e do exterior demonstram enorme interesse pelas empresas emergentes brasileiras. Este ano, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou o programa Start-Up Brasil, uma parceria público-privada (PPP) para incentivar o empreendedorismo no segmento de tecnologia e tornar o Brasil mais competitivo nessa área (o projeto foi inspirado em um modelo similar do Chile). “O objetivo do Start-Up Brasil é criar condições para que o setor de Tecnologia da Informação (TI) exporte mais e seja mais inovador”, diz Virgílio Almeida, titular da Secretaria de Política de Informática do MCTI. Convém destacar que parte das exportações brasileiras é baseada em commodities, como soja e minério de ferro, produtos de baixo valor agregado. Outros países emergentes, como a China, anunciaram investimentos em pesquisa e inovação a fim de produzir produtos de custo mais elevado para exportação e, assim, competir diretamente com países mais desenvolvidos nesse setor como os Estados Unidos e a Alemanha.
O Brasil, por sua vez, estuda formas para não ficar atrás nessa corrida, e o fomento ao estabelecimento de empresas inovadoras é uma das alternativas mais viáveis para alcançar esse objetivo. Na primeira etapa do Start-Up Brasil, realizada no primeiro semestre deste ano, inscreveram-se mais de 900 empreendedores. Até o final do ano, serão efetuados investimentos de até R$ 200 mil (tanto do governo como de fundos de investimentos) em até cem empresas previamente escolhidas. O objetivo é criar condições para o desenvolvimento de cerca de 150 negócios inovadores dos setores de softwares e da área digital ainda entre 2013 e 2014.
Os empreendedores contarão, durante o processo, com consultoria tecnológica e de mercado, financiamento para pesquisa, parcerias com universidades e contatos junto a grandes companhias. Alguns nomes de empresas inscritas já foram divulgados, como a FisioHub, do Recife. A startup pernambucana criou jogos online que podem colaborar na recuperação de pacientes com problemas de coordenação motora. Lançada este ano, a FisioHub pretende vender o software para clínicas e hospitais. A BrEstate Investiment, de São Paulo, é outra startup que também participa do programa, e sua inclusão no projeto oficial se deve ao desenvolvimento de um aplicativo para o mercado imobiliário. Estão inscritas, também, empresas que se dedicam à criação de sistemas de exploração de petróleo e robótica, entre outros segmentos.
Organizações conhecidas por aceleradoras, que investem em empresas emergentes com o objetivo de ter participação nos resultados (quando o empreendimento começa a dar lucro), também estão participando do Start-Up Brasil. Algumas já são bastante conhecidas no mercado de investimentos brasileiro, como a Papaya Ventures, a 21212 e a Aceleratech, que vêm fomentando novos negócios há alguns anos. Há ainda a presença de grandes empresas do setor de tecnologia da informação interessadas em negócios inovadores, como a gigante Microsoft, que está criando uma aceleradora no Brasil para apoiar startups de base tecnológica. “O objetivo é escolher 30 dessas empresas em várias capitais do país”, informa Franklin Luzes Jr., diretor de operações da Microsoft Participações, divisão da empresa responsável por esse tipo de investimento. Outra aceleradora que já integra o programa é a Wayra, criada em 2012 pela Telefonica. Ela já colocou dinheiro em cerca de 20 startups nacionais e anunciou que ainda dispõe de R$ 20 milhões.
Relação próxima
Quando uma aceleradora ou um fundo de investimento fecham parceria com uma startup, os gestores acompanham de perto o dia a dia do negócio, oferecendo orientações sobre gestão, finanças e marketing para que a empresa possa crescer mais rapidamente. Em geral, é construída uma relação próxima entre o empreendedor e os administradores do fundo. Muitas vezes, é preciso apresentar relatórios e descrever o passo a passo da empresa para justificar como o dinheiro está sendo investido e, dessa maneira, apontar um caminho para o desenvolvimento. É possível receber recursos de mais de um fundo. Foi assim com a ViajaNet, empresa brasileira de venda de passagens aéreas e reservas de hotéis pela internet. Criada há cerca de quatro anos, em pouco tempo recebeu aportes de três fundos de investimento, que direcionaram ao negócio mais de R$ 30 milhões.
A primeira medida prática dos sócios da ViajaNet, os paulistas Bob Rossato e Alex Todres, para tirar a empresa do papel, foi elaborar um projeto detalhado e, depois, apresentá-lo a possíveis investidores. Não demorou muito para o fundo americano Travel Investment Technology se interessar pelo empreendimento. Logo, outros investidores foram atraídos pela proposta de vender passagens e reservas de hotéis a um público emergente. O interesse pela empresa de Rossato e Todres não parou por aí: outros dois fundos (um americano e outro espanhol) também apostaram na ViajaNet, levando mais recursos para a startup. “Vale a pena trabalhar com fundos porque os investidores são grandes conhecedores do mercado, agregando muita expertise ao negócio”, salienta Rossato.
Para acelerar a criação de empresas que contribuem com a inovação e a geração de empregos, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior fez recentemente uma parceria com a Endeavor, organização sem fins lucrativos voltada para a capacitação de novos empreendedores por meio do programa Inovativa Brasil (o projeto conta com o apoio da consultoria internacional McKinsey & Company). Na primeira fase, serão selecionados planos de negócios que se encaixam nos pré-requisitos de inovação, consistência do planejamento estratégico e potencial de crescimento. Nas etapas seguintes, os idealizadores pré-selecionados poderão contar com a orientação de especialistas em áreas como finanças e estratégia. As 20 empresas finalistas terão a oportunidade de apresentar seus projetos a uma banca formada por investidores.
Outras entidades também estão empenhadas em atrair sócios e parceiros para as novas empresas. Esse é o objetivo do CoFoundersLab, plataforma americana de busca de empreendedores que chegou ao Brasil em julho deste ano. A companhia tem como meta facilitar a abertura de novas empresas ao promover a aproximação de pessoas que sonham com a instalação de negócios com gênero e linha em comuns, despertando o interesse de possíveis sócios em potencial. A aceleradora Aceleratech firmou uma parceria com o CoFoundersLab para que o programa pudesse atender empreendedores brasileiros. Segundo os gestores da Aceleratech, a falta de sócios pode impedir o surgimento de uma startup promissora. “Alguns empreendedores têm ideias geniais, mas infelizmente quem não encontra parceiros qualificados tem dificuldade em transformar o projeto em realidade”, explica Mike Ajnstajn, fundador da aceleradora. O programa da CoFoundersLab desenhado para o Brasil prevê encontros com investidores, palestras e sessões de coaching (tutor particular).
Empreendedores brasileiros que vivem nos Estados Unidos também já dispõem de meios para levar adiante projetos de novos negócios. Em julho deste ano, em Boston, foi criada a incubadora de novas empresas Brazil IdeaLab, uma iniciativa da entidade Laspau, ligada à Universidade de Harvard e do Centro de Liderança Pública (CLP), entidade brasileira sem fins lucrativos focada na formação de líderes públicos. A incubadora vai receber principalmente projetos de estudantes e pesquisadores brasileiros direcionados para a resolução de problemas nacionais no campo econômico, social ou tecnológico. Haverá sessões de orientação sobre a estruturação de novos negócios e palestras. A meta é que, quando retornarem ao Brasil, esses participantes estejam mais bem-preparados para abrir uma empresa. Nos últimos anos, jovens brasileiros que cursaram universidades americanas fizeram uso do conhecimento adquirido para abrir startups no país, casos da Lema21 (venda de óculos pela internet) e do Peixe Urbano (comercialização de cupons de descontos). Os sócios dessas empresas decidiram criar startups atentos ao fato de que ainda existem nichos de mercado pouco explorados no Brasil. Na visão dos gestores de fundos de investimento, de capital-anjo e de entidades voltadas ao empreendedorismo, mesmo com a economia crescendo menos não faltarão oportunidades para a criação de novos negócios. “Os esforços para a geração de empregos no Brasil vão depender muito das iniciativas criativas e da mentalidade empreendedora da nova geração de profissionais”, destaca Luiz Felipe d’Avila, diretor-presidente do Centro de Liderança Pública.
O investidor brasileiro
Pesquisa divulgada durante o 1º Congresso de Investimento Anjo 2013, realizado recentemente em São Paulo, pela empresa de fomento Anjos do Brasil, retrata o perfil dos investidores-anjo, em geral, pessoas físicas que alocam recursos em startups de grande potencial de crescimento, com a finalidade de usufruir dos rendimentos que o negócio certamente gerará. De acordo com o estudo, metade dos investidores-anjo no Brasil atua como empresário: cerca de 29% são executivos e o restante se divide entre especialistas do mercado financeiro (13%) e profissionais liberais (6%). Em média, cada um dos investidores-anjo realizou 2,5 aplicações financeiras em empresas emergentes. Os entrevistados disseram que pretendem colocar recursos em mais duas startups nos próximos dois anos (os valores são da ordem de R$ 416 mil, em média, por investimento realizado). Os setores que devem receber os maiores aportes são os de saúde, biotecnologia, comércio online, educação e entretenimento.
São muitos os quesitos que contam pontos a favor dos empreendedores que buscam investimento, tais como, pesquisa ampla do mercado de atuação da empresa (com análise dos concorrentes e potencial de crescimento a curto, médio e longo prazo), plano de crescimento, custos enxutos e, principalmente, oferta de produtos ou serviços reconhecidamente inovadores. Para os investidores ouvidos pela pesquisa, os principais desafios para o empreendedorismo no país são a burocracia fiscal e a complexa legislação tributária, que dificultam o avanço das empresas. Também apontaram que faltam bons projetos de startups no mercado.