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Mens sana in corpore sano

Academia: saúde e bons negócios / Foto: Breno Rotatori/Folhapress
Academia: saúde e bons negócios / Foto: Breno Rotatori/Folhapress

Por: SILVIA KOCHEN

Felipe Castro era um garoto sedentário e com peso acima do normal para sua idade. Aos 14 anos, tomou uma decisão que acabou por definir o rumo de sua vida. Apelidado de gordo, resolveu emagrecer, e, na busca de meios para atingir seu objetivo, começou a praticar atividades físicas. Foi assim que descobriu a prática da musculação, ainda antes de completar 18 anos. Animado com os resultados, em 2003 decidiu cursar educação física e hoje, aos 28 anos, Castro é professor na Companhia Athletica, uma das principais academias de ginástica paulistanas, e personal trainer. Histórias como essa estão se tornando cada vez mais comuns entre os brasileiros. O número de pessoas que buscam uma academia de ginástica é crescente há pelo menos duas décadas. Mas o perfil do mercado está mudando. A meta de um resultado estético ainda é muito presente, mas a ideia de ganhar mais saúde e qualidade de vida começa a seduzir as pessoas.

O resultado dessa nova consciência, como não poderia deixar de ser, é o fortalecimento da receita do setor fitness no Brasil, estimada em US$ 2,4 bilhões em 2012, um setor com quase 25 mil academias e mais de 7 milhões de usuários. Em termos globais, esse ramo empresarial movimenta, anualmente, cerca de US$ 72,7 bilhões com pouco mais de 133 mil estabelecimentos e em torno de 129 milhões de praticantes, segundo o relatório anual de 2013 da International Health, Racquet & Sportsclub Association (IHRSA), organização que congrega mais de 9 mil academias associadas de 78 países e 700 representantes da cadeia de fornecimento da indústria de saúde e bem-estar.

De acordo com o relatório, o Brasil é o segundo mercado mundial do segmento, atrás apenas dos Estados Unidos, que no ano passado movimentaram US$ 21,8 bilhões, com um total de 50 milhões de usuários e 30,5 mil academias. A entidade destaca que ainda há muito espaço para o crescimento do setor no continente, onde já desponta o México, que vem longe atrás do Brasil, ressaltando que embora 53% dos habitantes da região se exercitem pelo menos uma vez por semana, apenas 1,7% deles frequentam uma academia.

Essas verdadeiras escolas de ginástica começaram a avançar em território brasileiro na década de 1980, já que, até então, eram mais comuns a existência de espaços dedicados a modalidades físicas específicas, como balé, caratê, halterofilismo (a prática mais parecida com a musculação na atualidade) ou judô. Nessa época, ganhou popularidade um programa de condicionamento físico em vídeo com a atriz Jane Fonda e a ginástica aeróbica – uma modalidade com muitos pulos e alto gasto calórico – virou mania. Começaram a surgir em vários lugares academias que ofereciam aulas de aeróbica. Mas como esse tipo de exercício físico provoca alto impacto em ossos e articulações, os alunos debandavam com muita rapidez.

Para atrair a clientela, as academias passaram, então, a buscar novidades e a oferecer um cardápio amplo de exercícios físicos que hoje inclui a musculação básica (com seus aparelhos caríssimos) até aulas de alongamento, ginástica localizada, hidroginástica, natação e squash, dentre outras. Assim, havia opções para todos os gostos, mas a clientela fixa era aquela que gostava de exibir um corpo “sarado”. As “pessoas comuns” (aquelas que tinham horror a atividades físicas e recorriam ao carro até mesmo para ir à padaria da esquina) sentiam um certo constrangimento quando iam à academia por causa do excesso de peso. Afinal, por se tratar de ambientes tradicionalmente frequentados por indivíduos de corpos apolíneos, achavam que não iam suportar o ritmo da malhação pesada. Foi nos anos 1990 que as academias passaram a identificar demandas desse público e a desviar o foco da estética para o bem-estar. Estrategicamente, elas introduziram modalidades para não atletas, como ioga, pilates, reeducação postural global (RPG) e rolfing (espécie de reeducação postural), para citar apenas quatro exemplos. A última moda é o kettlebell, um exercício que utiliza uma espécie de haltere em forma de sino.

Clubes de saúde

O “novo milênio” trouxe uma nova conscientização para o setor. Muitos médicos incluíram os exercícios físicos nas suas receitas e a academia passou, definitivamente, a ser vista como um local onde se busca não apenas um corpo escultural, mas uma vida melhor. Praticamente todos os grandes hospitais paulistanos hoje têm uma academia que auxilia no tratamento de determinados males, casos de doenças cardíacas a problemas ortopédicos. E teve início uma nova fase, em que governos municipais passaram a investir em programas de saúde pública. Atualmente, o foco das academias visa o chamado “treinamento funcional”, com exercícios que objetivam desenvolver o equilíbrio e a agilidade, além da força.

As empresas do ramo, notadamente as de ponta, cresceram e hoje são definidas como clubes de saúde, já que abrigam lojas dedicadas à comercialização de artigos de ginástica, lanchonete e restaurante, espaço para as crianças (com cuidadores especializados) enquanto os pais se exercitam, cabeleireiro, manicure, manobrista, massagem, sauna, spa. Natasha Ribeiro de Souza ilustra bem esse conceito. Ela era jogadora profissional de vôlei até os 21 anos. Há cinco, quando deixou as quadras, passou a frequentar quatro ou cinco vezes por semana à Companhia Athletica, que fica praticamente na esquina de sua casa. Natasha malha uma ou duas horas por dia – normalmente pratica musculação e vôlei, mas, às vezes, faz outras aulas para sair da rotina e nunca permanece ali por um período inferior a três horas. “Além de malhar, aqui também encontro os amigos e aproveito muito a parte social da academia”.

Já Wilson de Melo Júnior, 28 anos, frequenta a academia há quase quatro anos. Para manter a forma, ele se exercita sete dias por semana. “Sempre gostei de jogar futebol, mas com faculdade e trabalho não tinha mais tempo. Por isso, optei pela academia”, diz. Lá, ele pratica bike, esteira, futebol, jiu-jítsu, kettlebell e musculação. Normalmente, gasta 40 minutos nos dias em que faz musculação e mais de uma hora quando joga bola. Mas Melo Júnior prefere jogar futebol em outro lugar, onde tem amigos de longa data. “Aqui só tem ‘perna de pau’”, diz, em tom de brincadeira. Ele gosta mesmo é dos treinos de jiu-jítsu, que faz esporadicamente. “Aqui a prática da arte marcial é pesada”, conta.

“Ao abrir uma academia de ginástica, o empreendedor precisa estar atento às preferências do mercado”, diz a gerente regional do Sebrae-SP, Maria Alice Moreira. O primeiro passo, segundo ela, é definir bem o local do empreendimento e o público. Homens são mais focados em musculação, já as mulheres preferem ambientes que estimulem a socialização, por exemplo. Maria Alice ressalta que a academia tem um perfil de negócio bem específico. “Como se trata de oferecer um determinado tipo de serviço, é justamente a qualidade que vai manter ou afastar a clientela”, declara. Por isso, além do cuidado com as instalações, é fundamental definir bem o perfil das pessoas que serão contratadas para o atendimento. “A conquista e a manutenção da clientela está no bom relacionamento com ela”, observa a gerente do Sebrae-SP. Vale lembrar que em um negócio como esse, que funciona por períodos ininterruptos (e em horários ingratos, que podem começar às 6 horas da manhã e se estender até às 22 horas ou mais), nem sempre o dono está presente para monitorar tudo o que acontece.

Sedentárias e gordinhas

Na verdade, a maior dificuldade na gestão de uma academia é lidar com a sazonalidade. Muita gente começa a exercitar-se pensando no verão e depois de dois meses desiste. Não admira, portanto, que a rotatividade da carteira de clientes seja tão grande. A consequência disso é óbvia: há uma grande dificuldade de se controlar o fluxo de caixa. As academias normalmente vendem pacotes que oferecem descontos progressivos à medida que o período de fidelidade aumenta. “Mas é preciso verificar se os pagamentos são com cartão ou cheque, se haverá dinheiro para investir em equipamentos ou na introdução de novas modalidades e se será preciso recorrer ao banco para antecipar recebimentos”, observa Maria Alice. Para fortalecer o caixa, é possível agregar serviços correlatos, como lanchonete, massagista, sauna etc. Maria Alice ressalta que normalmente o dono do estabelecimento é uma pessoa que tem afinidade ou formação específica na área, “mas isso não significa, necessariamente, que um professor de educação física ou um atleta será um bom gestor”.

Um exemplo é o de uma professora de educação física, 55 anos, que prefere não declarar seu nome, que, logo depois de formada, passou a atuar como personal trainer, dando aulas na casa dos alunos e em condomínios. Há algum tempo, ela se empolgou e alugou um espaço, mas o negócio não deslanchou. “Uma pessoa me garantiu que recomendaria seis alunos, mas isso não aconteceu e acabei sendo obrigada a entregar o imóvel”, lastima-se. Ela continua a dar aulas particulares para se manter ativa em sua área de especialidade.

O mercado de academias de ginástica experimenta um processo de expansão acelerado que se escora em dois pilares. Um deles é a segmentação, que ocorre quando o serviço é adaptado para atender um determinado perfil de praticante, aumentando, assim, a base de clientes. O outro é o sistema de franquia, que permite a instalação de academias fora dos grandes centros urbanos, resultando em uma maior capilaridade do serviço. Um bom exemplo é dado pela academia Curves, surgida nos Estados Unidos em 1992 e que tem um método específico para atender mulheres com indisponibilidade de tempo para atividades físicas. O programa de condicionamento físico da Curves tem como base um circuito (sequência de exercícios físicos que trabalha todo o corpo) que pode ser executado em sessões de 30 minutos três vezes por semana. O modelo transformou-se em franquia nos EUA em 1995 e desembarcou no Brasil em 2003, onde opera, atualmente 170 unidades e dá atendimento a 34 mil mulheres, que pagam mensalidades que vão de R$ 119 a R$ 139, conforme o local.

O máster franqueado no Brasil, François Engelmajer, ressalta que a Curves é a primeira academia a trabalhar com um formato específico para mulheres que não gostam de academia. “Os estabelecimentos tradicionais, que têm muitos homens “sarados” e mulheres bonitas, intimidam as sedentárias e gordinhas, que se sentem constrangidas nesse ambiente”. Ele conta que, por isso, a Curves inclui um apoio diferenciado, inclusive emocional, para as clientes. Uma das normas é que se a cliente falta mais de uma semana, um funcionário liga para estimulá-la a retornar. Engelmajer também esclarece que a implantação da empresa no Brasil se deu em duas fases distintas. Inicialmente, foi adotado o sistema de microfranquia, com investimento de US$ 30 mil para a instalação de cada unidade. “Tivemos um recorde de crescimento, mas não havia muito suporte operacional”, diz o empresário. Ele acrescenta que com o tempo, verificou-se que havia necessidade de mais acompanhamento e apoio. Um exemplo é que no Brasil esse modelo requer instalações com banheiros e vestiários.

Hoje, o investimento para uma franquia da Curves varia de R$ 50 mil, com o aluguel dos equipamentos, a R$ 80 mil, com a compra, mais o valor necessário para a reforma do espaço (em torno de R$ 100 mil). A franquia, que está presente nas principais capitais e centros urbanos do país, deixou de abrir novas unidades no último biênio enquanto formulava seus planos de expansão. O objetivo da Curves é conquistar o território brasileiro, marcando presença no interior, onde o custo reduzido dos aluguéis deverá resultar em mensalidades menores, de R$ 89 ou R$ 99. O plano é abrir 30 novas unidades em 2014 e entre 30 e 50 nos anos seguintes. “A meta é chegar a 500 unidades até 2018”, revela Engelmajer.

Um pé no México

O Grupo Bio Ritmo é outro que aposta na segmentação e no sistema de franqueamento para crescer. A primeira academia da marca foi aberta em 1996, na capital paulista, por Edgard Corona, um engenheiro que gostava de praticar esportes e resolveu transformar seu hobby num negócio. Desde então, foram criadas outras 22 unidades na região metropolitana de São Paulo, um grande investimento já que cada unidade é um clube de saúde com instalações que vão além de locais para exercitar-se. Empenhada em alargar sua participação no mercado, a empresa passou também a dedicar atenção ao público interessado no condicionamento físico. Foi assim que nasceu, em 2009 a bandeira Smart Fit, que já conta com 83 unidades, e mais de 250 mil alunos, e está partindo para o franchising.

“São públicos diferentes”. Corona acrescenta que o frequentador da academia Bio Ritmo pertence à classe A e, a um custo médio de R$ 200 mensais, ele dispõe de uma verdadeira estrutura destinada aos cuidados com a saúde com espaços próprios e atividades múltiplas, objetivando, também, o bem-estar e o convívio social dos clientes. Já o frequentador da Smart Fit pode estar nas classes A, B ou C, e tem pouco tempo para malhar. Ele busca resultados e pode comprar um pacote de treinamento, com musculação e condicionamento por um valor em torno de R$ 60 mensais. Como esse público costuma ser muito ocupado, a Smart Fit permite que a matrícula seja feita pela internet.

Em dezembro de 2011, a nova rede de academias do grupo presidido por Corona uniu-se à Sport City, o maior conglomerado mexicano do ramo, e, hoje, são seis academias naquele país. “Tornamo-nos a primeira rede brasileira do setor a conquistar o mercado internacional”, diz o empresário.

Uma curiosidade: o público da Bio Ritmo tem entre 25 a 60 anos de idade, enquanto que o da Smart Fit oscila de 25 a 50 anos. “A turma da Bio Ritmo está conosco há anos e foi envelhecendo enquanto treinava”, relata Corona, que detalha os planos para o futuro. “Como o Brasil é muito grande, não temos como cobrir todo o país com investimentos próprios; por isso criamos um sistema de franquias”. A meta é abrir 70 unidades próprias por ano e mais 20 franqueadas da Smart Fit. O investimento para uma unidade da Smart Fit é de R$ 2 milhões. Já a implantação de uma unidade Bio Ritmo custa bem mais e, talvez por isso, tem por ora apenas um franqueado, em Belém do Pará.

Já a Companhia Athletica, que nasceu em 1985 e tem foco no público classe A, adotou como estratégia para expandir seus negócios uma série de diferenciais especialmente para aquele consumidor. São exemplos as inovações na tecnologia de treinamento (com o acompanhamento informatizado de todos os dados), as aulas infantis e o aplicativo para celulares que permite ao aluno acessar horários de aulas, registrar treinos realizados em outras unidades e mesmo descobrir amigos do Facebook que estão na academia.

Hoje, a Companhia Athletica tem mais de 35 mil alunos em 18 unidades, cada uma com pelo menos 3 mil metros quadrados de área, espalhadas por 13 importantes cidades brasileiras. A empresa deu um passo ousado há 28 anos, inaugurando uma academia dentro de um shopping center. A última unidade aberta, em setembro de 2013, fica no interior de um shopping em Ribeirão Preto, em área de 4,2 mil metros quadrados. Vale ressaltar que, atualmente, muitos clubes esportivos estão terceirizando os serviços de suas academias e a Companhia Athletica, hoje, tem uma unidade no Estádio do Morumbi, a casa do São Paulo Futebol Clube.