Postado em
Uma agradável surpresa na praça
Por: ALBERTO MAWAKDIYE
Em um aspecto São Paulo deverá impressionar bastante e favoravelmente os mais de 250 mil estrangeiros (e os quase 1 milhão de brasileiros de outros estados) que, imagina-se, circularão pela cidade no período da Copa do Mundo, cujo jogo de abertura, entre Brasil e Croácia, está marcado para o dia 12 de junho, no Itaquerão: a boa qualidade dos seus serviços de táxi. Os visitantes encontrarão na grande metrópole – que jamais se destacou pelo turismo de lazer, mas sim, pelo de negócios – bares e restaurantes com preços próximos da exorbitância, raras atrações realmente turísticas, poluição e trânsito caótico – aliás, nada que não seja familiar aos próprios paulistanos.
Todavia, não será o fim do mundo. Poderão ir para qualquer lugar, e esperar que o trânsito volte a fluir, dentro de táxis tinindo de novos, com motoristas, boa parte deles, experientes e bem educados e, quase sempre, equipados com sistemas de orientação capazes de desvendar os destinos mais longínquos e até os mais obscuros dos caminhos.
São Paulo não só possui hoje, disparado, o melhor serviço de táxi do Brasil, como já pode ser considerado de nível internacional – como constatou em 2013, por sinal, a pesquisa anual do Hotels.com, site especializado em viagens que entrevistou 2.683 viajantes em 30 países. Nada ainda comparável, é certo, aos serviços de táxi de Londres – cidade que lidera há anos este ranking – Nova York, Tóquio e Berlim em itens, por exemplo, como qualidade da direção, disponibilidade, segurança, limpeza, cordialidade e preço (para variar, os táxis paulistanos também estão entre os mais caros do mundo).
De qualquer forma, a cidade de São Paulo ficou com seus táxis, pela primeira vez, entre os dez melhores do ranking (10ª posição), empatada com metrópoles como Bogotá, Las Vegas, Vancouver e Cingapura. Na América Latina, só perdeu para a Cidade do México, que ocupou a quinta posição. O resultado da pesquisa não foi nenhuma surpresa para os especialistas nacionais da área, que já há bastante tempo consideram o serviço de táxi de São Paulo o top da modalidade no país e, por isso mesmo, digno de figurar na lista dos melhores do mundo. E muito menos para os técnicos da São Paulo Turismo S.A. (SPTuris), a empresa oficial de turismo e eventos da cidade. Eles fizeram um estudo para diagnosticar em profundidade a qualidade desse tipo de transporte na cidade, justamente tendo em vista a realização da Copa do Mundo, e o diagnóstico foi para lá de positivo.
“Os taxistas são sempre os primeiros a terem contato com os turistas quando estes chegam à cidade, e influenciam decisivamente a forma como o visitante passa a olhar o lugar”, diz a diretora de Turismo e Entretenimento da SPTuris, Luciana Leite. “Em São Paulo, no que depender deles, essa percepção, na Copa, será muito boa. A qualidade do serviço é diferenciada sob quase todos os aspectos”. Talvez o principal deles seja o tamanho e a idade média dos veículos. A cidade é dona da maior frota do país, com 33,8 mil táxis, e 55% dos carros em circulação foram fabricados entre 2010 e 2012. Muitos são modelos sofisticados e é difícil encontrar veículos com potência menor do que 1.600 cilindradas, pelo menos nas mãos dos taxistas autônomos, profissionais que dirigem autos de sua propriedade e constituem a esmagadora maioria na capital paulista: 75,2%. O quarto restante é formado por taxistas de cooperativas, pelos chamados “segundos motoristas” e por aqueles que dirigem táxis de empresas especializadas (as frotas). Apenas neste último nicho ainda se veem carros de mil cilindradas e um pouco mais rodados.
No geral, os táxis paulistanos são bem equipados em termos de tecnologia embarcada: hoje, está ficando difícil pegar um táxi em São Paulo que não esteja equipado, por exemplo, com GPS (global positioning system), sistema de navegação por satélite, embora os motoristas mais tradicionalistas ou avessos às novidades eletrônicas ainda prefiram se virar com os clássicos guias de ruas. Mas não é apenas isso. Os carros de praça paulistanos estão aderindo aos smartphones dotados de aplicativos para atender os usuários do sistema, avanço técnico que já fez com que as criadoras das ferramentas registrassem crescimentos de até 100% ao mês. Mas a novidade não está agradando nem um pouco às cooperativas de táxis. Explica-se: as cooperativas oferecem como principal vantagem aos associados a central de rádio-chamadas em troca de uma mensalidade. Já as empresas detentoras dos aplicativos (os mais populares são o Easy Taxi e o 99Taxis) cobram do taxista, muitas vezes, apenas R$ 2 por corrida repassada. “Muitos profissionais deixam de atender as corridas repassadas pela cooperativa, caso elas sejam atropeladas por chamadas vindas do aplicativo”, reclama Eder Luz, secretário da Associação Brasileira das Cooperativas e Associações de Táxis (Abracomtaxi), que entrou com um pedido no Departamento de Transportes Públicos de São Paulo (DTP), para a regulamentação desses sistemas de tecnologia, com o argumento de que, se as cooperativas passam pelo crivo da fiscalização do poder público, os aplicativos também deveriam passar.
Carro grande
Um dos grandes atrativos das chamadas por smartphones é que os táxis chegam mais rápido. Dependendo da região, podem chegar em menos de cinco ou dez minutos por conta da localização via GPS, já que os aplicativos acionam o taxista que está mais perto do passageiro. Os taxistas autônomos também estão aderindo à novidade. Marcelo Antônio de Castro, que trabalha principalmente na região oeste de São Paulo, diz que passou a ter quase 50% a mais de viagens depois que adotou o aplicativo, no fim do ano passado. Agora, trabalha com dois programas. “Não dá tempo nem de voltar para o ponto que logo tem alguém chamando”, comemora.
Os usuários também festejam. A assessora de marketing Tatiana Dutra usa o sistema já há vários meses. “São muitas as vantagens”, diz. “Não é preciso esperar a chegada do rádio-táxi, que às vezes demora muito, ou sair procurando um carro de aluguel pela rua. O serviço também não tem nenhum custo adicional”.
Em geral, os taxistas de São Paulo integram uma categoria com grande experiência de vida e de volante. De acordo com a pesquisa da SPTuris, 40,6% desses profissionais têm mais de 15 anos de profissão, e a média de idade ronda os 50 anos, embora seja notório que, de uns tempos para cá, cada vez mais jovens se ufanam de ingressar no setor. Os motoristas com menos de 40 anos já perfazem 31,2% do total, segundo a entidade.
O contato quase permanente com estrangeiros ou brasileiros de outras localidades fez do taxista paulistano também um profissional mais cosmopolita e simpático. No ano passado, São Paulo recebeu 13 milhões de visitantes, número em boa parte relacionado à área de turismo de negócios ou às compras. Em linhas gerais, 25,6% dos passageiros atendidos normalmente por eles são turistas, segundo a SPTuris. Isso explica a preferência de tantos taxistas pelos carros médios ou grandes, em que o porta-malas é maior. “É muito comum os passageiros estarem carregados de compras ou de bagagens”, diz Mauro Vieira, que trabalha na região da Avenida Paulista, onde há vários hotéis, shoppings e centros de convenções. “O taxista com carro grande não fica parado. E como também ajudamos o passageiro a carregar e a descarregar, a preferência por nós é ainda maior”.
Diga-se que esse bom tratamento à clientela está sendo levado ainda mais longe pelo fato de que muitos táxis da cidade são atualmente dirigidos por mulheres que, neste tipo de serviço, costumam ser naturalmente mais refinadas, prontas e prestativas. De acordo com o DTP, a entrada das mulheres no mercado de táxis cresceu mais de 160% nos últimos cinco anos, alcançando 7% do total. E a tendência é de que essa participação aumente.
Os préstimos, porém, não se limitam ao “pacote básico” de um serviço de táxi. Apesar de apenas 0,2% dos taxistas de São Paulo darem um atendimento realmente de luxo – com direito, além de melhores acomodações e ar-condicionado, a geladeira com água, DVDs, celular e carregador de notebook – a maioria tenta oferecer algum passatempo aos clientes com o claro objetivo de distraí-los enquanto enfrentam trajetos muitas vezes irritantemente morosos. De acordo com a SPTuris, 54,4% dos táxis paulistanos oferecem revistas para leitura, 17,2% dispõem de TV e 15,9%, de DVDs.
A única grande falha detectada pela pesquisa da SPTuris é o “monoglotismo”, na realidade um aleijão que afeta o trabalho de taxistas de todo o país. Falar língua estrangeira não é o forte dos motoristas de táxi em São Paulo. A chance de um turista que fala inglês conseguir se comunicar no idioma de seu país de origem com o taxista na cidade é de 14,7%. É por uma razão bastante simples: 71,2% dos motoristas não falam nenhuma língua estrangeira. Mas com o visível rejuvenescimento da categoria, é provável que o problema seja gradualmente equacionado já que é crescente o número de jovens que procuram as escolas de idiomas.
Não é fácil explicar como o serviço de táxi de São Paulo chegou a esse padrão de qualidade, embora seja espantoso como este upgrade foi rápido. E pensar que ainda na década de 1980, o serviço era, na média, bastante medíocre, com muitos carros caindo aos pedaços, motoristas mal preparados (notadamente os de frotas) e poucos pontos de embarque disponíveis – hoje, eles somam 2.300 em toda a cidade.
Ponto de bairro
A virada começou quando o poder público decidiu subsidiar os taxistas na compra de carros novos. Uma lei federal promulgada em 1995 isentou do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a compra de veículos pelos profissionais autônomos para transporte de passageiros. Depois, os taxistas gozariam também da isenção do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS) – enfim, de todos aqueles tributos que incidem sobre a compra de um modelo zero, existindo, ainda, a possibilidade de isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Resultado: hoje, o desconto pode chegar a 30% do valor do carro e há milhares de taxistas autônomos que trocam de veículo a cada dois anos, como Sérgio de Freitas, que opera a partir de um ponto nas imediações da estação Santa Cruz do metrô, na Vila Mariana, zona sul da cidade, e, recentemente, substituiu o veículo. “Compensa trocar o carro. Consegue-se maior valor de revenda e, com o veículo sempre novo, se gasta muito menos com a manutenção”, realça Freitas.
Obviamente, os taxistas não iriam investir tanto em carros novos e se esmerar em atender cada vez melhor se o retorno financeiro não fosse convidativo. Segundo o estudo da SPTuris, a renda mensal de um taxista em São Paulo gira entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, o correspondente a 12,4 corridas diárias (o equivalente ao atendimento de 13,6 passageiros). Mas há quem ganhe muito mais, como os privilegiados taxistas que atendem centros de compras luxuosos, como o Shopping Iguatemi, ou o Aeroporto de Congonhas, ambos na zona sul da cidade. Em alguns períodos – como no final do ano – o faturamento pode ser multiplicado por dois, ou até mesmo por três.
“Para quem aceita trabalhar pesado, a profissão de taxista vale mesmo a pena”, garante Fernando Rocha Roque, português de nascimento, no Brasil desde criança, e que trabalha há mais de 30 anos – hoje está na casa dos 60 – em um ponto no bairro do Tremembé, bolsão de classe média localizado no extremo norte da cidade.
Antes de ser taxista, Roque foi lojista em uma casa de materiais de construção, um trabalho menos cansativo, mas que também remunerava bem menos. A despeito da jornada de trabalho estafante – praticamente 12 horas por dia –, ele não se queixa. “Trabalhar em um ponto de bairro tem as suas vantagens”, diz. “Os trajetos são geralmente mais curtos, quase sempre até uma estação de metrô, o trânsito não é tão ruim e atendemos quase sempre as mesmas pessoas, que acabam ficando nossas clientes”.
Naturalmente, trata-se de uma profissão que, hoje, em São Paulo, atrai uma legião de interessados – mesmo com o risco permanente de assaltos (uma verdadeira praga neste segmento), do trabalho exaustivo e das colisões e atropelamentos, eventos nem sempre evitáveis no trânsito da pauliceia desvairada. Tornar-se um taxista na grande metrópole, contudo, está longe de ser uma tarefa simples. Caso queira se tornar um profissional autônomo, o candidato tem, antes de qualquer coisa, obter um alvará da prefeitura, que há anos não são concedidos porque a municipalidade entende que o número de táxis na cidade é suficiente.
Para piorar, quem tem o alvará raramente abre mão dele, a não ser passando-o adiante a preço de ouro. Tem mais: as licenças são renovadas automaticamente pela prefeitura, e não mediante licitação, como seria o mais lógico, considerando que o serviço de táxi é uma concessão pública. As tentativas de derrubar esse privilégio na Justiça dão em nada. Amplamente favorável à renovação automática, o presidente do Sindicato dos Taxistas Autônomos de São Paulo, Natalício Bezerra, vai além, defendendo, inclusive, a liberdade de comercialização desses alvarás. “Sempre houve essa transação entre terceiros e o setor tem funcionado bem assim”. Acabar com esse modo de operação, segundo Bezerra, “criaria um verdadeiro tumulto”, justifica. A única maneira de ingressar de imediato nesse mercado é acertar a divisão do trabalho com um taxista autônomo estabelecido (tornando-se o “segundo motorista”), usar o carro de um taxista aposentado ou trabalhar em uma empresa de frota.
Subsídio é estendido aos passageiros
O subsídio dado pelas várias instâncias governamentais aos taxistas acaba beneficiando indiretamente os usuários deste serviço, que de maneira geral são pessoas de renda média ou alta. A advertência é do engenheiro e sociólogo Eduardo Alcântara de Vasconcellos, consultor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Um estudo realizado pelo Instituto Movimento para o caso de São Paulo mostrou que os descontos fornecidos aos taxistas em impostos para a aquisição de veículos novos representam cerca de R$ 134 milhões por ano. Isto implicaria num subsídio médio anual de R$ 4.771 para cada táxi com direito aos descontos (cujo proprietário é uma pessoa física) e a um subsídio de 20% de cada tarifa paga pelo usuário do táxi paulistano, que é a pessoa com renda mais alta na cidade.
“Ou seja, uma das consequências das isenções é que elas permitem a redução do custo deste transporte para quem não necessita de tal favorecimento”, observa Vasconcellos, acrescentando que uma pesquisa de 2007, realizada pela Companhia do Metrô, apontou que a renda familiar do usuário de táxi na cidade era 2,5 vezes superior à dos usuários de trem, o dobro da dos usuários de ônibus, 50% superior à dos usuários de metrô e 5% superior à dos usuários de automóvel.
Em 2010, este subsídio “operacional” servia a 180 mil passageiros por dia (R$ 2,4 por usuário) ao passo que o subsídio para os ônibus da cidade (R$ 800 milhões) servia a 6,2 milhões de passageiros (R$ 0,41 por usuário). Quer dizer, o subsídio ao passageiro do táxi era na oportunidade seis vezes superior ao subsídio concedido ao passageiro do ônibus.
Vasconcellos diz ainda que, adicionalmente, o subsídio representado pelo estacionamento grátis permanente nas vias públicas (em pontos localizados) pode ser estimado em R$ 86 milhões, elevando o subsídio anual a R$ 220 milhões (caso em que o subsídio para os usuários se torna superior em dez vezes). “Assim, se considerarmos que a renda média dos usuários de táxi é o dobro da renda dos usuários de ônibus, a relação ‘subsídio por reais de renda’ chegará a vinte, mostrando a enorme iniquidade da política pública para o setor”, conclui o especialista.