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De portas abertas, e mais nada

Casa do Migrante: apoio aos recém-chegados / Foto: Fernando Piovesan
Casa do Migrante: apoio aos recém-chegados / Foto: Fernando Piovesan

Por: REGINA ABREU

Em Damasco, capital da Síria, não há água, eletricidade e metrô. Na cidade devastada pela guerra, uma bomba destruiu a casa vizinha à de Annas Najjar. Mas quando outra bomba caiu a poucos metros de sua filha de seis anos, Najjar resolveu abandonar a terra natal e emigrar para o Brasil, com os filhos e a mulher, Lubna, grávida. “Brasil bom, muito bom! Cabeça travesseiro e dorme...”, diz o refugiado, esforçando-se para expressar em português a sua nova realidade. Eletricista de profissão, e há poucos meses no país, ele ainda não conseguiu emprego, mas faz bicos na Rua Santa Ifigênia, em São Paulo. Muna Darweesh era professora de inglês na Síria. Ela e o marido, engenheiro naval, vieram para o Brasil com os quatro filhos. Aqui, Muna faz doces típicos de seu país e os vende na porta da Mesquita Brasil, enquanto o marido faz o mesmo que ela, só que nas ruas do centro da capital paulista.

Desse modo, isto é, às próprias custas, e com a ajuda de ONGs, igrejas, mesquitas, amigos e parentes, os refugiados vão vivendo. O número deles no Brasil dobrou nos últimos dois anos – hoje são 8.400 reconhecidos pela Justiça (cálculo com base em números do segundo semestre de 2015). Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), os sírios aparecem no topo da lista, mas há também afegãos, colombianos e congoleses. Foram concedidos ainda milhares de vistos humanitários para os haitianos, desde o grande terremoto de 2010, que deixou em escombros o país mais pobre da América Latina. Em novembro, o governo anunciou que iria conceder residência permanente a 43.781 imigrantes haitianos que solicitaram refúgio no Brasil de janeiro de 2011 a julho de 2015.

Para a lei brasileira, há diferença entre haitianos e demais emigrados. Os imigrantes da América Central vêm em busca de trabalho e não necessariamente correm perigo até de morte como os que pedem refúgio, que vem de países em guerra ou sofrem perseguição política, religiosa e social. O grande ponto em comum entre os refugiados e aqueles que recebem visto humanitário é a falta de abrigo e a dificuldade para conseguir emprego. Enquanto os sírios vêm de avião, os haitianos fazem uma travessia por três países, em condições de extrema vulnerabilidade, chegando ao Brasil após cruzar a fronteira com o Peru (a cidade de Brasileia, no Acre, é o ponto de chegada em território nacional). Os sírios, por sua vez, seguem até países vizinhos, como Turquia e Líbano, onde embarcam em aviões até São Paulo. A passagem aérea custa a partir de R$ 4 mil (preço de outubro do ano passado); com escalas, que podem durar até 48 horas, mas é mais barata do que cruzar o Mediterrâneo de barco a caminho da Europa.

Uma vez no destino final, a luta é arrumar trabalho. Nos últimos tempos, a crise econômica e o agravamento do desemprego no país afetaram em cheio vários setores, entre eles a construção civil, grande empregadora de imigrantes. Antes disso, no primeiro semestre de 2014, o saldo de contratações de estrangeiros no mercado formal de trabalho foi positivo em 8.165 vagas em todo o país, de acordo com levantamento feito pelo Observatório das Migrações Internacionais, da Universidade de Brasília – UnB (ObMIGRA). Saídos de uma situação precária, assim que conseguem uma oportunidade, os imigrantes se dedicam bastante.

Haitianos e senegaleses são contratados especialmente no sul do país, onde a taxa de desemprego é menor. A maioria encontra vagas no fim da cadeia produtiva do agronegócio, especialmente em frigoríficos e no abate de aves e suínos. Muçulmanos são empregados por frigoríficos que exportam para países árabes e precisam seguir os preceitos daquela religião no momento do abate. O Grupo GT Foods, baseado no estado do Paraná, está entre os dez maiores produtores de carne de frango do país, emprega 605 trabalhadores haitianos e a cooperativa Aurora, que atua há 47 anos na industrialização de carnes suínas, aves, lácteos, massas e vegetais, sediada em Chapecó, Santa Catarina, também absorve mão de obra de egressos do Haiti, empregando atualmente mais de 500 imigrantes.

História de terror

Grupos religiosos acolhem os milhares de imigrantes e refugiados que chegam ao Brasil, país que facilita a entrada mas que não oferece qualquer política pública: as facilidades oficiais se resumem às portas abertas na entrada. Acolhida pela Missão Paz, na igreja católica Nossa Senhora da Paz, em São Paulo, a angolana Julia Maria, 34 anos, fugiu para o Brasil com os três filhos, a menor com pouco mais de um ano. Viveu uma história de terror em sua terra, pior que qualquer pesadelo. Nunca mais soube do marido, que era policial, e desapareceu – ele conseguiu despistar os bandidos; estes, por vingança, mataram o filho mais velho do casal, de 12 anos.

Também sem os maridos e sem conhecer ninguém, estavam na Missão Paz, no final de outubro passado, outras duas angolanas: Carina Kedelu Mawete, 36 anos, dois filhos de 3 e 6 anos, e Estela Caninda, 38 anos, três filhos, o mais velho com 8 anos. Queriam trabalho, uma casa e creche para os filhos. Ali recebiam abrigo e orientação para regularizar a documentação e procurar moradia. Coordenada pelo padre Paolo Parise, a organização é uma das várias instituições religiosas espalhadas pelo país que têm estendido a mão para os estrangeiros recém-chegados, e que deixaram em seus países trabalho, tradições e muitas vezes família, na esperança de recomeçar, dar outro sentido a suas vidas.

Parise, da ordem dos padres scalabrinianos (dedicados a acompanhar os refugiados onde quer que estejam em todo o mundo), é italiano – ele mesmo, portanto, um imigrante. A igreja foi fundada nos anos 1930, sempre com a ideia de acolher os imigrantes. No início, recebia italianos, mas logo estendeu o acolhimento a todos que a procuravam: 80 nacionalidades já passaram pela Missão Paz. Na ocasião da entrevista, havia naturais de Angola, do Congo, da Guiné-Bissau, do Haiti, da Síria e do Togo.

Todos ficam instalados na Casa do Migrante, onde há 110 vagas/dia, com casa, comida, sala de TV, aulas de português, cursos profissionalizantes nas empresas parceiras e oportunidades de emprego, graças à intermediação entre os atendidos e potenciais empregadores. Ali trabalham 34 funcionários e 15 estagiários. Aos hóspedes é fornecida assistência jurídica, educacional, social e também assistência à saúde, inclusive psicológica e fisioterápica, graças à ação de mais de 60 voluntários.

“Em 2014 a Missão Paz conseguiu documentação para 5 mil imigrantes e contratos de trabalho para 2.730”, relata padre Parise. Para esclarecer sobre os direitos, deveres, benefícios e demais detalhes da legislação trabalhista brasileira, é feito, semanalmente, uma palestra para os imigrantes, em francês, inglês e espanhol. Isso se faz necessário: já houve casos de trabalhadores estrangeiros que abandonaram o emprego por acharem que estavam sendo lesados pelo empregador por causa dos descontos previstos em lei. Também as empresas interessadas em contratar imigrantes – entre elas grandes redes de supermercados – assistem a duas palestras semanais, ocasião em que são informadas que aquelas pessoas têm os mesmos direitos dos trabalhadores brasileiros.

Os empresários Valter e Aparecida, que preferem o anonimato, são donos de uma pequena indústria de plásticos, com 30 funcionários. Eles foram até a Missão Paz oferecer trabalho a dois haitianos; estavam animados porque amigos seus, também empresários, haviam elogiado aquela mão de obra. Um deles, por exemplo, começou com um funcionário haitiano e hoje já tem 40 daquela nacionalidade. E justificam com o argumento de que os brasileiros reclamam de desemprego, muitos fazem corpo mole e não são poucos os que se negam a carregar peso. Dizem que os haitianos, em contrapartida, são esforçados, estão aqui para trabalhar e sobreviver, e, de quebra mandar dinheiro para a família. Os empresários fazem questão de esclarecer que registram em carteira, pagam o salário-mínimo das respectivas profissões ou cargos, e respeitam seus direitos. A grande dificuldade dos refugiados é atestar a formação profissional, já que, na maior parte das vezes, saíram às pressas de seus países e não trouxeram documentos comprobatórios.

Entre agosto de 2014 e agosto de 2015, houve queda de 62% no número de postos de trabalho preenchidos com a ajuda da Missão Paz. Mesmo assim, os haitianos têm conseguido emprego no setor de serviços, principalmente em empresas do ramo de hotelaria e do comércio. Um ponto pouco divulgado é o fato de que, só em São Paulo, residem 300 mil bolivianos, 130 mil chineses e 50 mil paraguaios, de acordo com padre Parise. Ele acha muito pouco: é menos de 1% da população total, enquanto que em 1900 este índice era de 10%. Para piorar, calcula-se que 200 mil deles estejam sem documentos não podendo, por isso, ter conta em banco, alugar imóvel ou ser contratados por empresas. Ou seja, oficialmente, não existem.

O desafio do idioma

Nasser Fares, presidente da Sociedade Beneficente Muçulmana (SBM), é da mesma opinião: o Brasil poderia receber muito mais refugiados. Ele é enfático: “O governo brasileiro deveria direcionar navios e aviões da Marinha e da Aeronáutica para trazer esse pessoal. Afinal, estamos tratando de uma questão humanitária”. Para Fares, como na Segunda Grande Guerra, assistimos a um verdadeiro holocausto, só que desta vez envolvendo o povo sírio. Os campos de refugiados são campos de concentração e o Brasil, que já facilita a entrada e não estabelece cota para estrangeiros, deveria dar um exemplo para o mundo.

Enquanto isso não acontece, a Mesquita Brasil e a SBM têm intensificado o trabalho social de acolhida aos refugiados que chegam a São Paulo, às vezes apenas com a roupa do corpo, vindos de Bangladesh, do Egito, da Líbia, da Síria, de Moçambique, do Marrocos, da Palestina, do Saara Ocidental, da Somália e do Sudão, só para citar alguns países. Diariamente, a entidade distribui refeições aos cadastrados. Toda semana também são entregues calçados, milhares de cestas básicas, cobertores, remédios e roupas. Como o principal desafio para quem chega é o idioma, também se ministram cursos de português. Alguns, que falam o inglês, ainda estão um pouco melhor, porque pelo menos têm alguma familiaridade com o alfabeto ocidental. Além disso, recebem orientação para se recolocar no mercado de trabalho, providenciar moradia e se ambientar ao país.

Annas Nabhan, de 27 anos, solteiro, é um dos muitos refugiados que conseguiu apoio na Mesquita Brasil. No país há oito meses, traz na mão um caderno em que anota as aulas de português, e relata, ainda com dificuldade, que deixou pai, mãe e um irmão na Síria. Perdeu vários parentes na guerra, outros ficaram feridos e acabaram sem nada. Aqui, demorou três ou quatro meses para achar trabalho, e vai sobrevivendo com o emprego de pizzaiolo.

“As pessoas chegam trazendo consigo histórias de vida marcadas pela guerra, pela destruição, pela calamidade e pelo sofrimento. A orientação psicológica e espiritual para terem paciência, esperança e fé é outra ferramenta que utilizamos para confortá-las”, explica o presidente da SBM. Todos são atendidos, não importando a religião que professam, pois, lembra Nasser, como muçulmanos, seguimos os ensinamentos do Alcorão, de caridade e amor ao próximo. Aliás, para ele, o Estado Islâmico (EI), o grupo que aterroriza o Oriente e o Ocidente, é formado não por muçulmanos, mas por psicopatas.

Estão cadastrados perto de 3 mil imigrantes e refugiados, mas o número não para de crescer. Chegam ao Brasil e acabam, na maioria das vezes e literalmente, no olho da rua. Estão numa terra estranha, com outros costumes, idioma diferente. Não adianta apenas dar cestas básicas para quem não tem onde cozinhar. A prioridade é conseguir-lhes um teto, seja através da locação de casas ou do custeio de hospedagem em pensões. Apesar de o Brasil ter assinado a Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e de ter instituído sua própria lei do refúgio, em 1997, que garante documentos básicos como carteira de identidade e de trabalho e acesso a todas as políticas sociais, muitos refugiados desembarcam no país à mercê da própria sorte ou com apoios ocasionais como o Bolsa Família, programa criado em 2003 para contribuir no combate à pobreza e à desigualdade no país. Para moradia e trabalho, não há um programa concreto.

Recentemente, Brasília reafirmou o compromisso do Brasil com a acolhida dessa população, e, em 2013, o Conare aprovou facilidades para a chegada de sírios ao país por razões humanitárias. Com a medida, recentemente prorrogada, não é mais preciso a apresentação de documentos que comprovem emprego fixo ou condições financeiras para permanecer no Brasil.

Balas de chumbinho

Ainda assim, haja coragem para enfrentar o enorme desafio que o imigrante tem pela frente. Um grupo de haitianos, formado por Claudine Joseph, 52 anos, Obilien Felismnou, 50, Willian Ossi, 37 – que deixou quatro filhos no Haiti –, e Luc Eloi, 32, contam que vieram para o Brasil “para trabalhar”. Gesticulando e falando em francês e crioulo (idiomas oficiais do Haiti) e muito pouco português, eles explicam que pegam o que aparece, não escolhem. Um deles desabafa: “Chega os problemas que eu já tem”.

Problemas às pencas, na realidade, e o preconceito e a xenofobia são dois bons exemplos. Ambos aparecem quando o imigrante passa a concorrer no mercado de trabalho, ou é apontado como contraventor ou transmissor de doenças. De fato, a sociedade brasileira tem fama de povo caloroso e acolhedor – mas, na prática, não é bem assim. Alguns fatos recentes desmentem a famosa cordialidade do brasileiro. No dia 8 de agosto passado, seis haitianos foram atingidos por balas de chumbinho em frente à Missão Paz. Na mesma época, vários haitianos que se encontravam em um cyber café, na região central de São Paulo, ficaram na mira de tiros desferidos por uma pessoa motorizada. Entre outros episódios de preconceito e xenofobia, às vezes misturados com racismo e homofobia, houve ainda o assassinato do haitiano Fetiere Sterlin, em Navegantes, no litoral norte catarinense. Os agressores – pelo menos dez – gritavam macici (homossexual em crioulo) e “voltem pra terra de vocês”, conforme relato feito para a polícia pela esposa da vítima. Ainda de Santa Catarina vem a notícia de que um grupo de haitianos faz programa de rádio falado em francês e crioulo. “É muito legal para fazer uma ligação das duas culturas”, disse um dos participantes.

É bom lembrar que, no Brasil, à exceção dos índios, somos todos estrangeiros ou descendentes, imigrantes que vieram de todas as partes do mundo. Foi assim que se formou a grande nação brasileira, um caldeirão de tantas raças, cores, ascendências, culturas, todos juntos e misturados. Fomos colonizados pelos portugueses, e o vergonhoso tráfico de escravos trouxe para cá milhões de africanos. Ainda hoje não é difícil encontrar no Nordeste, descendentes de holandeses com vistosos olhos azuis. Está em São Paulo a maior comunidade japonesa fora do Japão. Aliás, em São Paulo, há bairros inteiros que foram habitados, no início de suas fundações, por diferentes comunidades de italianos, judeus, coreanos, sírios e tantas outras.

Testemunha de parte dessa bela história de formação do país é o Museu da Imigração, em São Paulo. Mais de 2,5 milhões de pessoas, vindas de 70 nações, passaram pela antiga Hospedaria de Imigrantes do Brás, hoje sede do Museu. Inaugurada em 1887, tornou-se o principal abrigo de estrangeiros e nacionais recém-chegados à cidade. Ao longo de 91 anos, acolheu e encaminhou aquelas pessoas a novos empregos, na quase totalidade das vezes a razão de terem trocado a terra natal pelo território paulista. Para isso, o prédio contava com a Agência Oficial de Colonização e Trabalho e oferecia, além de alojamentos, serviços representados por uma central médica – com farmácia e laboratório de análises –, assistência odontológica, correio e telégrafo, posto policial, lavanderia, cozinha e refeitório. Em 1982, o edifício da Hospedaria foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat) e, em 1991, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).

Entre aqueles primeiros imigrantes de fins do século 19, início do século 20, e os de hoje, há uma grande diferença: aqueles vinham em busca de um futuro; os refugiados de hoje procuram uma chance melhor para viver. A museóloga e historiadora Marília Bonas Conte, diretora executiva do Museu da Imigração, explica que os arquivos da instituição foram fundamentais para a compreensão da história de nosso país. “O Brasil oferecia uma infraestrutura para receber os estrangeiros, e tanto nosso país quanto os Estados Unidos desejavam essa mão de obra. Na verdade, a imigração interessava tanto à Itália, por exemplo, em pleno processo de unificação, quanto ao país que recebia os imigrantes”, detalha.

“Ao deus-dará”

Naquele tempo não havia a figura do “gato”, o conhecido operador clandestino de mão de obra. O estrangeiro, simplesmente, tinha que aceitar postos oficiais. Era recebido, alojado, medicado, e, documentos em ordem, transportado para a lavoura de café no interior do estado, onde, eventualmente, recebia um pedaço de terra. O governo pagava para os imigrantes trabalharem nas propriedades rurais dedicadas ao cultivo do grão. Nos anos 1930, esclarece Marília, a Hospedaria – que funcionou como tal até por volta de 1970 – passou a receber nordestinos e brasileiros de várias regiões do país, e também refugiados. Havia assistência social. Na década de 1990, metade das instalações virou museu e metade albergue, o Arsenal da Esperança, que funciona até hoje acolhendo 1.200 moradores de rua por dia, 20% deles imigrantes.

“O Brasil, hoje, diferentemente dos primeiros tempos, não tem política de imigração, não tem ação positiva ou negativa. O grande desafio no momento é a questão da infraestrutura que deve ser oferecida e a dos refugiados, que ficam ao deus-dará, no mais absoluto desamparo”, sintetiza a diretora do museu. Entretanto, na América Latina, o Brasil é o que mais concedeu asilo aos refugiados da guerra civil na Síria, concentrados em São Paulo. De 2013 para cá, mais de 5 mil sírios chegaram ao país via capital paulista.

Na realidade, a cidade convive com essa comunidade desde o fim do século 19: segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo de 1920 havia mais de 50 mil sírio-libaneses no Brasil, quase a metade deles na maior metrópole brasileira. A maioria começou a trabalhar como caixeiro-viajante e se instalou na hoje afamada Rua 25 de Março, no centro velho da cidade de São Paulo. Excelentes varejistas, eles estimularam a prática das liquidações e vendas a prazo, sistemas de vendas que transformaram aquela região em um importante comércio popular. Os sírios também se destacaram na advocacia, na medicina e na política, e muitos são hoje nomes de rua. Foram também responsáveis pela fundação do Hospital Sírio-Libanês e do Hospital do Coração, que começou como Sanatório Sírio de Campos do Jordão. Criaram ainda instituições de auxílio a idosos e crianças.

Já os portugueses “têm vocação para emigrar”, opina o lusitano João de Deus Gonçalves, gerente da padaria San Marino, na Vila Mariana, em São Paulo. Ele veio para o Brasil em 1978, mas, antes disso, assim que atingiu a maioridade, foi para Angola a fim de cumprir suas obrigações com o serviço militar. Voltou para Portugal em plena Revolução dos Cravos (movimento deflagrado em 1974 que derrubou o regime salazarista naquele país) e achou melhor deixar sua terra natal. Tinha a opção de ir para a Espanha, França ou Alemanha, mas preferiu o Brasil porque tinha família aqui. Foi morar com os parentes e por isso não estranhou tanto, porque “aqui é tudo diferente, os hábitos são outros e o modo de vida também”. Se João de Deus, nascido em Portugal, que fala a nossa língua, estranhou, imagine o que sentiu a coreana Chang Sung Shin, quando aqui chegou, em 1954, conforme conta seu filho Samuel Shin, de 37 anos, personal trainer, casado com uma brasileira de olhos e cabelos claros. Shin e seus dois irmãos, na realidade, foram os primeiros filhos de coreanos nascidos no Brasil.

“Aos 12 anos de idade, minha mãe atravessou a Coreia a pé, em direção ao sul, em plena guerra (conflito em que a Coreia do Sul, apoiada pelos americanos, guerreou com a Coreia do Norte, assistida pelos então soviéticos)”, relata o filho de Chang. Ele frisa que só os mais jovens sobreviveram, e que os mais velhos ficaram pelo caminho. Entre tantas lembranças, a mais forte é a de que Chang teve de atravessar um rio, mas não sabia nadar. Um soldado então a colocou nos ombros e começou a travessia. Uma bala o atingiu e a menina começou a afundar junto com ele, quando outro soldado a resgatou, semimorta, e conseguiu salvá-la.

Depois da guerra, descreve Shin, a Coreia transformou-se numa favela: não havia saneamento, emprego, comida. Chang Sung ficou com a roupa do corpo – não podia ir para os Estados Unidos, que exigiam elevado investimento para ser aceito no país. Toda a família, com exceção de uma irmã e de um irmão, havia morrido. O governo brasileiro ofereceu emprego e moradia, por isso ela veio para cá, e aqui, no princípio, trabalhou de faxineira. Mais tarde, com casamento arranjado, como é costume em sua cultura, uniu-se a Shin Jun Yeol, já falecido. Ele era comandante do exército na Coreia do Sul, e perdeu toda a sua tropa. Durante sete meses fugiu durante a noite; de dia, para se esconder, ficava enterrado.

Para Samuel Shin, todo o medo e a ansiedade para enfrentar a mudança levaram os coreanos a formarem uma comunidade muito unida e fechada no Brasil. Alguns descendentes mal falam o português e preferem continuar seguindo os rígidos costumes dos pais, que, talvez por terem vivido em meio a tanta miséria, priorizam a carreira e o sucesso profissional, e desejam ver um filho aceito na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, um centro de ensino de fama mundial. Mas Shin, cujo prato predileto é feijoada, é categórico: “Sou brasileiro, e, como tal, só quero ser feliz”.

 


 

Como ajudar

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