Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

O Brasil nas telinhas do mundo

Cenário de novela em um dos estúdios da Rede Globo no Projac / Foto: Ana Ottoni/Folhapress
Cenário de novela em um dos estúdios da Rede Globo no Projac / Foto: Ana Ottoni/Folhapress

Por: ALBERTO MAWAKDIYE

No final de maio de 2014, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) concedeu uma premiação na área de exportação de serviços que teve o dom de lançar os holofotes sobre um setor até então pouco reconhecido por suas conquistas no mercado internacional. E o troféu não foi para nenhuma empresa de softwares, banco ou construtora – como muitos, aliás, esperavam. A laureada foi a Rede Globo pelo sucesso de suas novelas no estrangeiro.

Graças aos seus melodramas, a emissora recebeu o cobiçado prêmio Destaque na Exportação de Serviços, criado há seis anos pela Secretaria de Comércio e Serviços do MDIC em conjunto com a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), para premiar as empresas que, com as vendas externas, geram oportunidades para outros setores da economia.

Uma premiação bastante justa e tardia, considerando que as novelas da Globo, além de projetarem seu nome no mercado internacional, ajudaram a abrir as portas do difícil e concorrido negócio aos seus documentários e programas esportivos, infantis e humorísticos, pavimentando o caminho para outras competidoras, como a Band, a Record e o SBT. Hoje, todas elas fornecem programas de maneira “avulsa” por meio da venda dos direitos de exibição, como são tradicionalmente comercializadas as novelas da Rede Globo, ou de formatos. Elas também mantêm uma programação fixa por intermédio, principalmente, da TV a cabo, voltada tanto para a diáspora brasileira (calcula-se que entre 2,5 milhões e 3 milhões de brasileiros vivam hoje no exterior) quanto para o público das regiões lusófonas na Europa, África e Ásia, sem esquecer o telespectador estrangeiro interessado nas coisas do Brasil e que são atendidos por programas dublados ou legendados.

Para ter uma ideia do que estamos falando, basta relatar que apenas em 2013 a Rede Globo licenciou 63 títulos para 72 países – parte significativa deles constituídos de novelas. Contabilizando todos os conteúdos vendidos, foram mais de 23 mil horas de produção, em 30 línguas. E a coisa vem de longe. Desde 1976, quando vendeu para o Uruguai os direitos de exibição de “O Bem Amado” – novela de Dias Gomes que teve um impecável Paulo Gracindo como protagonista – a emissora carioca licenciou cerca de 130 novelas para 170 países. Todos os anos, pelo menos 60 países exibem alguma novela brasileira, atraindo cerca de 60 milhões de espectadores.

A Rede Globo só perde no mercado internacional no segmento de novelas para a rede Televisa, do México, que, por causa da língua espanhola, falada em boa parte dos países do continente, teve sempre um público cativo e fiel nas Américas. No entanto, quase não dá para comparar a dramaturgia das duas redes no quesito qualidade. “As novelas mexicanas são um tanto primitivas, quando defrontadas com as nossas. De certa forma, elas ainda estão na época do rádio”, diz Maria Immacolata Vassallo de Lopes, professora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) e coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela daquela faculdade. “Já as novelas brasileiras, especialmente as da Rede Globo, são muito mais modernas, ágeis, pulsantes. Têm direção de atores bem configurada, muitas cenas externas, cuidados com o som e a imagem, com o figurino, com a maquilagem das atrizes. É um sistema de produção sofisticado, que não economiza recursos.”

Reprises no México

De fato, talvez esteja aí um dos diferenciais nas tramas da Rede Globo e um dos segredos de sua penetração em outros mercados: a produção refinada, que só perde no mundo da TV, em investimento, para algumas milionárias séries norte-americanas. A produção de uma “novela das nove” – o carro-chefe da Rede Globo no segmento –, por exemplo, custa em média R$ 45 milhões. O preço de uma novela mexicana, em contrapartida, é uma fração disso. Em compensação, o valor do licenciamento de uma novela brasileira no exterior, geralmente, também é bem mais alto.

A Rede Globo não gosta muito de falar sobre o assunto, todavia, no começo do ano passado o jornal “La Voz del lnterior”, que circula na província de Córdoba e pertence ao Grupo Clarín, um dos maiores conglomerados de informação da Argentina, vazou a possível cifra que a Telefe, emissora daquele país, teria desembolsado para a Rede Globo pelos direitos de “Avenida Brasil”, estrelada por Adriana Esteves no papel da maligna e conspiratória Carminha: pouco mais de US$ 1,4 milhão – no câmbio médio do primeiro semestre deste ano, algo assim como R$ 4,5 milhões. Uma grana e tanto.

“Avenida Brasil”, aliás, é tida como a novela mais lucrativa de toda a história da teledramaturgia do Brasil e da América Latina. Apenas em nosso país, nos sete meses em que ficou no ar, em 2012, a trama de João Emanuel Carneiro arrecadou para a emissora dos Marinho R$ 2 bilhões, correspondentes a todo o faturamento anual da Rede Record, uma das principais concorrentes domésticas da Rede Globo. Na América Latina, superou até mesmo as novelas clássicas da Televisa, como “Maria do Bairro” e “A Usurpadora”.

A ótima qualidade das novelas brasileiras já foi reconhecida até pelos norte-americanos, considerados os grandes mestres das artes audiovisuais voltadas para o público de massa. Das 11 estatuetas do Emmy Internacional – uma espécie de Oscar da TV – que a Rede Globo já recebeu, várias foram dadas às novelas que produziu, como “Caminho das Índias” (2009) e o incrível tricampeonato obtido com “O Astro” (2012), “Lado a Lado” (2013) e “Joia Rara”, de Duca Rachid e Thelma Guedes, em 2014.

“É uma emoção muito grande ter esse reconhecimento”, festejou Thelma ao receber o troféu na cerimônia de premiação no final de 2014, em Nova York. “Escrevemos essa história com o coração, pensando em levar uma mensagem de paz e compaixão. Saber que a mensagem foi tão bem recebida é muito importante.” Obviamente, o sucesso de crítica das novelas brasileiras no exterior de nada adiantaria se não fosse complementado pela espantosa receptividade do público, embora muitas vezes as aberturas e os tamanhos das tramas sejam adaptados aos gostos locais, e muito do charme dos personagens acaba se perdendo nas dublagens. “Falando francês, acho que eles ficam totalmente sem sal”, critica a advogada aposentada Maria José do Prado, que tem amigos na França e de vez em quando passa umas temporadas lá. “Parece que os franceses não conseguem pegar o tom.”

De qualquer forma, a língua não tem atrapalhado a expansão da dramaturgia brasileira mundo afora. Embora não tenha levado o Prêmio Emmy, “Avenida Brasil”, por exemplo, já conseguiu o feito de ser a novela brasileira mais licenciada no exterior, tendo seus direitos de emissão vendidos para 125 países até o ano passado. Ela já foi dublada em 19 línguas, como espanhol, inglês, francês, russo, grego e polonês. Antes, a novela recordista de licenciamentos era “Da Cor do Pecado” (2004), também de João Emanuel Carneiro, que teve seus direitos de exibição adquiridos por cem países.

A TV Azteca, do México, a casa da Televisa, está reprisando, desde março último, “Avenida Brasil”, apenas cinco meses após ela ter sido exibida pela primeira vez no país, entre fevereiro e outubro de 2014.

Uma curiosidade: nesse pequeno espaço de tempo entre as duas apresentações, a Azteca levou ao ar “Salve Jorge”, outra das novelas da Globo que fazem sucesso no exterior.

Essa caminhada pelo mercado internacional não é recente. A trama “Escrava Isaura”, com Rubens de Falco e Lucélia Santos, exibida pela emissora entre 1976 e 1977, também bateu recordes de exibições lá fora (em alguns países, como na Rússia, ela chegou a ser exibida duas décadas depois da transmissão original no Brasil). “Terra Nostra” (1999), de Benedito Ruy Barbosa, e “O Clone” (2001), de Glória Perez, também foram negociadas para quase cem países em todos os continentes.

Algumas dessas novelas se tornaram marcos de audiência nos canais de televisão que as exibiram. Em Portugal, a GFK, empresa de pesquisa de opinião pública local, avaliou que o último capítulo de “Avenida Brasil” chegou a 16,1 pontos – o que representa 1,5 milhão de telespectadores –, tornando-se um dos programas mais assistidos até hoje naquele país. A novela “Gabriela”, que entrou no ar em 1975, foi tão aplaudida e levou tantos lusitanos à frente da telinha que os atores portugueses fizeram até manifestações, temendo uma redução no mercado de trabalho.

Fenômenos sociais

Na Argentina, “Senhora do Destino” estreou com 25,5 pontos de audiência e foi o programa mais assistido naquele país em 2005. No mesmo ano, “Da Cor do Pecado” também seria sistematicamente sintonizada por milhões de telespectadores.

“Os argentinos simplesmente adoram as novelas brasileiras”, diz Amanda Julianelli Whitaker, uma jovem paulistana que estuda medicina na Universidad de Buenos Aires (UBA). “Muita gente na rua, quando sabe que sou brasileira, questiona sobre a trama, querem saber o que vai acontecer com os personagens da novela que está sendo exibida.” Também fã do gênero, Amanda acompanhava, naquele momento, a novela das 21 horas, “Império”, por um programa de computador – a produção da Globo que já saiu do ar, mas, na oportunidade, fazia muito sucesso no Brasil, ainda não estava passando no país vizinho. Algumas novelas se tornaram verdadeiros fenômenos sociais. O drama da personagem Camila (Carolina Dieckmann), de “Laços de Família”, que tinha leucemia, gerou uma campanha pela doação de órgãos em toda a América Latina e nos Estados Unidos. Quando a novela “Páginas da Vida” foi exibida no Equador, a história da menina Clara (Joana Mocarzel), que tinha síndrome de Down, fez com que a TV Ecuavisa criasse uma campanha para defender os direitos dos portadores da doença. Já em Angola, o maior mercado a céu aberto do país passou a se chamar “Roque Santeiro”, por causa da novela homônima.

Em Cuba, o próprio Fidel Castro suspendeu o racionamento de energia em 1984 para que a população pudesse assistir “Escrava Isaura”. Os horários dos jogos de vários esportes também tiveram de ser alterados, já que a população cubana preferia ficar em casa vendo a novela do que ir aos estádios.

Houve casos de novelas que afetaram até a economia de onde foram exibidas. Quando “O Clone” estreou no canal Telemundo, destinado aos latinos que moram nos Estados Unidos, em 2002, as fábricas de bijuterias tiveram de reproduzir à exaustão as joias usadas por Jade (Giovanna Antonelli). Já em Portugal, cabeleireiros passaram a ministrar cursos para as interessadas em fazer as maquilagens usadas na novela. Além disso, a procura portuguesa por viagens ao Marrocos e por cursos de dança do ventre aumentou consideravelmente.

Os atores da Rede Globo, claro, ganham mais do que as porcentagens dos direitos de imagem referentes a essa exposição internacional – porém, histórias de conflitos sobre essa verba de vez em quando ganham as páginas dos jornais, como a que envolveu a atriz Sônia Braga, em “Gabriela”.

No exterior, alguns atores viram astros hollywoodianos ou são confundidos na vida real com os personagens que interpretam. “Escrava Isaura” fez tanto sucesso na China, quando foi exibida em 1985, que a atriz Lucélia Santos ganhou o prêmio Águia de Ouro, o maior da televisão no país. Ela foi a primeira atriz estrangeira a receber a honraria. Cerca de 450 milhões de chineses acompanharam a novela, que marcou também a carreira do falecido ator Rubens de Falco. No hotel em que ficou hospedado, em Nova York, Stênio Garcia era chamado de tio Ali, seu papel em “O Clone”, por ascensoristas e camareiras de origem latina. Já Priscila Fantin teve de pagar alguns micos em Portugal, quando a novela “Chocolate com Pimenta” passou naquele país. Muitos a confundiram com a sua personagem Olga, uma bela e mimada vilã, e ela chegou a ser hostilizada – o que, aliás, também acontece no Brasil com quem interpreta o “bandido” da trama.

“A Aracy Balabanian, por sua vez, é considerada uma verdadeira deusa pelos armênios”, conta o guia turístico Marcelo Bezerra, que mora no Canadá, mas passa alguns meses por ano na Rússia (com incursões pelas regiões da ex-União Soviética) para estudar a língua do país em Moscou. Aracy é filha de armênios e ficou mundialmente famosa por seu papel em “Rainha da Sucata”, produzida em 1990, em que ela interpretava a célebre dona Armênia.

Produção independente

Tanto sucesso e eficiência, é óbvio, acabariam influenciando as televisões estrangeiras. Hoje, vários países já produzem suas próprias novelas, reduzindo a importância da Rede Globo em suas grades. Portugal e Rússia são dois bons exemplos dessa reviravolta. O resultado é que, até o início dos anos 2000, as negociações de suas tramas representavam 90% de todo o faturamento da Rede Globo Internacional. Atualmente, esse índice é de pouco mais de 50%. “Continuamos vendendo novelas em quantidade até maior do que antes”, explica Ricardo Scalamandré, diretor da Central Globo de Negócios Internacionais. “Só que as receitas mantiveram-se estáveis por causa da nova valorização desse produto. Como muitos países já produzem suas próprias novelas, eles compram as nossas para colocar em outras faixas de horário, o que altera a valorização.”

Essa concorrência está sendo compensada pela penetração da emissora em outros segmentos televisivos no exterior. Atualmente, a Rede Globo Internacional está presente em cerca de 80 países, com mais de 500 mil assinantes, e investe continuamente em coproduções – que começaram, aliás, na área das novelas. A emissora conta com parceiras e afiliadas em Portugal e no Japão, por exemplo.

Nesse campo mais geral, entretanto, a presença das outras redes brasileiras, quase insignificante na área de teledramaturgia, é bem mais forte e tende a aumentar. Vale lembrar que a novela “Pantanal”, produzida pela TV Manchete, em 1990, foi a única fora da Rede Globo a fazer realmente sucesso no exterior, principalmente na América Latina e em alguns países europeus, como Portugal e Itália.

A Rede Record, por exemplo, já pode ser considerada uma “pequena gigante”. A emissora hoje está ativa nos cinco continentes. Para espalhar sua programação pelo mundo, a Record Internacional dispõe de 9 canais exclusivos de distribuição de sinal digital via satélite e 17 emissoras. A rede é bastante assistida, principalmente nos Estados Unidos e no Japão, onde os destaques são os programas noticiosos ou de variedades como o “Domingo Espetacular”, “Hora do Faro”, “Programa do Gugu” e o “Fala Brasil”, e esportivos como o “Esporte Fantástico”.

Desde 2010, a Band também tem feito investimentos no mercado internacional, com um catálogo que inclui programas prontos e formatos que podem ser adaptados em outros países, com destaque para as áreas esportiva e noticiosa. Já a ênfase do SBT está na venda de programas de auditório, como os dos apresentadores Ratinho e Silvio Santos (que, como todo mundo sabe, é o dono da emissora).

De porte menor, a Rede TV não quer ficar atrás e já está desenvolvendo uma programação de cunho variado principalmente para as regiões lusófonas do planeta. Até a TV Cultura, canal público de São Paulo sem muitos recursos, está fornecendo programas ao exterior, especialmente aqueles destinados ao público infantil, como “Castelo Rá-Tim-Bum” e “Cocoricó”.

Na verdade, a Rede Globo vem sofrendo concorrência no exterior até de produtores independentes, que neste caso contam com a ajuda da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), através do programa Brazilian TV Producers.

De acordo com Raquel do Valle, gerente executiva da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de TV (ABPI-TV), que reúne 525 produtoras brasileiras, os principais produtos comercializados fora do Brasil são documentários e animações. A executiva diz que algumas animações conseguiram obter enorme sucesso no exterior, como “Peixonautas”, da TV PinGuim, e “Princesas do Mar”, uma coprodução da brasileira Flamma Films com a espanhola Neptuno Films. “Esta última foi exibida em 120 países”, conta.

A exigência de uma cota mínima de veiculação de produção nacional na TV a cabo do país também tem ajudado os produtores independentes. Essa regra estimula a feitura de trabalhos em regime de coprodução principalmente com franceses e canadenses. Vários desses programas acabam sendo exibidos também no exterior. É o Brasil ocupando as telinhas do mundo até por vias transversas.