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O impacto da falta de chuva
Alexandre Nascimento é bacharel e mestre em meteorologia pela Universidade de São Paulo, com ampla experiência em matemática, física e estatística aplicada a estudos meteorológicos. Meteorologista na empresa Climatempo, é consultor para as áreas de inteligência de mercado nos segmentos de energia elétrica, produtos sazonais e agricultura, além de atuar com atendimento, suporte ao cliente e relações públicas. Ministra ainda cursos, conferências e locuções de rádio. Esta palestra, com o tema “Cenários do Futuro Climático e Impactos no Setor Comercial”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 9 de outubro de 2014.
Vou trazer um pouco da visão da Climatempo, do que está acontecendo e o que vem pela frente, ou seja, qual o impacto da situação climática nos próximos meses, uma vez que o ponto de partida é muito ruim, em relação principalmente aos reservatórios e sob o ponto de vista energético.
Para falar de clima, o primeiro passo é entender como está a condição oceânica, sob diversos aspectos. Um deles é a situação do Pacífico, um oceano fantástico, tanto em extensão horizontal quanto em profundidade. Fenômenos como El Niño e La Niña são transferidos para a atmosfera, provocando mudanças atmosféricas no globo. Há uma definição não formal que diz o seguinte: quando temos El Niño ou La Niña, sabemos se vai chover de mais ou de menos no sul e no nordeste. Mas o tamanho do copo de água quem define é o Atlântico, que em grande parte da região está muito próximo da neutralidade. Em 2013 tivemos uma situação inédita de não chuva durante o verão. Independentemente do Pacífico, foi uma condição puramente do Atlântico. Então estamos com a água um pouco mais quente do que o normal.
O que esperar para o final de 2014? O sul do Brasil tem um sinal positivo de chuva e o nordeste será mais seco. O sudeste, que talvez seja o foco no momento, o coração econômico do país, principalmente nas matrizes energéticas, tem característica quente. O que isso quer dizer em relação à chuva? Quer dizer que chove, mas nem mais nem menos que o normal. Numa situação mais quente do que a normalidade há chance de termos chuvas em forma de pancadas de verão, que trazem problema para as grandes cidades e não são as melhores chuvas para encher os reservatórios.
No Brasil, o próximo trimestre será mais úmido no sul, mais seco no nordeste e na bacia do Tocantins e mais quente do que o normal no sudeste. Muito se fala recentemente numa tal oscilação decadal do Pacífico. É uma questão muito técnica e no curto prazo não se tem uma resposta, então vamos investigar mais no longo prazo. Uma das várias frentes de pesquisa diz que o problema na América do Sul de forma geral (e deve ser um problema também em outras localidades do mundo) está diretamente relacionado à oscilação decadal do Pacífico. Isso significa que em alguns momentos esse oceano fica mais frio ou mais quente do que o normal e isso dura mais ou menos um período de dez anos.
Na década de 1950, por exemplo, houve a primeira grande crise hídrica, também chamada crise energética na época. Passamos quatro anos com pouquíssima chuva. Na situação atual, não é um sinal tão longo, mas é um sinal de mais frio do que o normal. Mesmo na presença de um possível El Niño, muito provavelmente no ano de 2015, haverá chuva para a agricultura, para a subsistência do país, mas não para resolver o problema dos reservatórios, principalmente do sudeste e nordeste.
Em grande parte do Brasil chove, mas o solo continua extremamente seco. Vejam o exemplo de um pedaço de argila, que tem grande capacidade de reter água. Se a deixamos ao sol sem umidade durante um bom tempo, ela vai ressecando, ressecando e teremos de molhá-la bastante para que volte a ser a argila que era. Então, mesmo com as primeiras pancadas de chuva, o solo está ressecado em Minas Gerais e em boa parte de Goiás, a grande caixa-d’água energética do país. Ao longo do rio São Francisco não choveu praticamente em nenhuma região.
Abaixo da média
Janeiro é o mês mais importante de chuvas para o sudeste, porque é o volume de água maior de todos na região. São Paulo, centro-sul do estado de Minas Gerais, Rio de Janeiro, sul de Goiás, Mato Grosso e o norte do Paraná com chuva acima do normal. Então em dezembro deve haver uma boa compensação para essa não chuva, mas não o suficiente para reverter por completo o quadro de estiagem. Mais uma vez, todo o médio e o baixo São Francisco com chuva inferior à média. O Tocantins com chuva abaixo do normal e o sul com chuva próxima à normalidade, com a exceção do extremo sul gaúcho. Em praticamente toda a bacia do rio Grande e em boa parte da bacia do Paranaíba deixou de chover 300 milímetros na região. Em relação à temperatura, um sinal sempre positivo, que é uma das características de El Niño. O ano passado também já foi bastante quente. Depois de um janeiro extremamente úmido, possivelmente esperava-se que fevereiro também fosse úmido no sudeste, mas a chuva se espalha em outras áreas do país e nós temos uma compensação negativa em relação ao que foi positivo no mês passado. Essa é uma característica de El Niño no sudeste: quente.
Em relação à chuva no trimestre é normal. Então, se chove demais num mês, existe uma compensação negativa no outro mês, de tal forma que o trimestre fique dentro da normalidade. Nós teremos, depois de meses consecutivos, uma chuva acima da média no nordeste do Brasil, no Tocantins e também no norte de Mato Grosso. Em fevereiro desse ano a chuva continuou muito abaixo do normal. Em relação à temperatura, sempre foi mais quente do que o normal. Em março a chuva acaba. Uma das características de El Niño: a chuva no Brasil central volta na hora certa, mas a chance de ela parar antes do normal é bastante grande. Eu não gosto muito dessa afirmação, mas tenho de me render a ela. Não gosto porque, para fazer essa estatística e chegar a essa conclusão, o horizonte é muito pequeno em relação a ocorrências do fenômeno, mas toda vez que acontece terminamos observando e os modelos estão indicando que possivelmente a chuva pare ou diminua muito sobre o Brasil central, a partir de março. Em relação à temperatura, para de chover e esquenta. Fica até muito mais quente do que no mês de março de 2014.
Copo vazio
Poderíamos pensar que a chuva que não veio virá depois. Os modelos não indicam isso sobre o sudeste e no sul grande parte do tempo é sempre com chuva acima da média. Em relação à temperatura, em boa parte do Brasil, com a exceção do mês de maio, é sempre mais quente do que o normal. De forma geral, pergunta-se se a chuva que está sendo esperada para o sudeste é ruim, como no ano passado. A resposta é não. Mas será suficiente? Também não, principalmente em relação aos reservatórios, porque estamos partindo de uma situação igual a um copo vazio. É preciso primeiro molhar o solo para depois começar a pensar em armazenar a água. Essa condição realmente é muito preocupante. Se pensarmos em reservatórios, de forma geral no sudeste, saímos do mês de março de 2013 com o nível dos reservatórios mais ou menos compatível com a época. Em seguida o nível caiu, lentamente, porque tínhamos um racionamento de energia. Em 2014 tivemos sorte, pois choveu um pouco entre março e abril. Os níveis dos reservatórios do sudeste subiram e foram caindo, aos poucos, porque em maio, junho e julho choveu muito no sul. Em julho e agosto choveu bastante e se utilizou a geração energética do norte, poupando os reservatórios do sudeste e aproveitando outros subsistemas para atender ao mercado, além das térmicas.
Estamos basicamente há um ano e meio com chuva abaixo do normal. No subsistema Paranaíba temos em torno de 20% da capacidade total, sendo que algumas represas, como a de Furnas, estão abaixo disso. Em Furnas até reapareceu uma cidade alagada 30 anos atrás. Na sub-bacia do Paranaíba, que fica entre a região do Triângulo Mineiro e o sul de Goiás, a situação também é bastante semelhante, 21,5%, e possui uma representatividade um pouco maior do que a da sub-bacia do rio Grande. Na bacia do São Francisco, com a exceção de dezembro de 2013, a situação está muito ruim mesmo. O que salvou um pouquinho foi a chuva em Três Marias, que fica dentro do estado de Minas Gerais, bem no meio do estado, mas na região do médio e baixo São Francisco a situação está muito ruim.
O reservatório de Sobradinho hoje está em 18,8%. O problema do Sistema Cantareira é mais ou menos semelhante ao da bacia do rio Grande. Se chover 100% daqui até abril, o que acho que não vai ocorrer, na melhor das hipóteses vai recuperar 40%. Então, com toda a sorte do mundo, sairemos do verão muito pior, por vários motivos. Primeiro, não vai chover 100%. Segundo, estamos com um horizonte de temperaturas mais altas do que o normal. Terceiro, nunca se usou o volume morto ou a reserva técnica. Ninguém sabe o que pode acontecer com isso. Desconfiamos que vai ter de chover mais do que a normalidade para umedecer o solo, para depois essa água começar a aparecer na superfície.
Debate
PAULO NATHANAEL PEREIRA DE SOUZA– Tenho uma dúvida a respeito do papel dos chamados aquíferos, esses continentes líquidos no subsolo. Como poderiam atuar como parte da solução para uma eventual seca genérica, sobretudo no sudeste?
ALEXANDRE – Em princípio seria uma grande fonte de umidade, que poderíamos extrair para compensar a falta de chuva. Não sei até que ponto existem pesquisas em relação a isso. Uma preocupação é que essa água está como que dentro de uma esponja, matéria porosa. Então, se retirássemos essa água, qual seria o efeito? A cidade poderia desabar? Mas é uma fonte que poderíamos estudar, os radares que enxergam o subsolo poderiam extrair essa informação.
NATHANAEL – Outra questão: a transposição de águas do São Francisco terá viabilidade?
ALEXANDRE – Hoje no rio São Francisco, coitado, não há o que transpor. Sua vazão há muito tempo está entre 40% e 50% do normal. Com 40%, penso que hoje é uma obra completamente inviável. Enfim, boa parte desse trabalho já foi executada. Mas vai transpor o quê?
NEY FIGUEIREDO – Na campanha para o governo de São Paulo o problema hídrico foi muito explorado e a oposição dizia que o uso do volume morto seria criminoso, porque essa água não seria de boa qualidade. A questão é saber se a água que está sendo retirada do volume morto é de boa qualidade e pode ser consumida. Segundo, se esse processo tecnológico é normal e não vai comprometer o futuro. O governador diz que essa foi a maior crise de chuvas dos últimos 70 anos. A Climatempo confirma isso? Em terceiro lugar, queria saber se nossos vizinhos da costa atlântica estão com o mesmo problema.
ALEXANDRE – Em relação à crise, nunca tinha visto algo semelhante. Foi uma situação inédita, mas num horizonte de 70 anos. Existem relatos de que já aconteceu isso na década de 1950, situação que talvez não tenha sido tão preocupante, porque eram outros tempos.
Não sou tão ambientalista, mas onde vamos construir outros reservatórios na Grande São Paulo? Impossível. Precisamos de alternativas, isso já deveria ter sido pensado. Nenhuma obra vai nos salvar neste momento, porque a construção leva no mínimo um ano ou um ano e meio.
NEY FIGUEIREDO – E a qualidade da água do volume morto?
NEY PRADO – Sem prejuízo das suas perguntas, quero fazer a defesa da Sabesp. Qualquer investimento para o futuro, não havendo fundamento histórico, em não acontecendo a seca seria um investimento totalmente improdutivo.
ALEXANDRE – Discordo. Não tivemos uma situação tão crítica, mas o consumo hoje é muito maior, de tal forma que a compensação justificaria o investimento. Em relação à qualidade da água, talvez a palavra volume morto tenha assustado bastante. Poderiam falar em reserva técnica. Na realidade, trata-se de uma água naturalmente mais barrenta. Nada mais é do que o nível onde o cano não consegue levar a água por gravidade para o próximo reservatório, então colocam bombas. Ao puxar a água, que já é mais barrenta, provoca-se um turbilhão que deixa o líquido ainda mais barrento.
EDUARDO SILVA – Sempre ouvi que tratar o esgoto era de uma responsabilidade tão grande quanto abastecer de água potável. Nunca mais se falou nisso, a não ser nos últimos anos. O esgoto também muda o clima, com consequências sérias. Será possível que nunca se pensou nas coisas fundamentais? Agora não adianta chorar, está tudo pavimentado, não temos mais garoa nem chuva suficiente. Tudo isso é consequência de algo muito visível, não é invenção de ninguém.
ALEXANDRE – Por que o brasileiro desperdiça água? Porque pensa que é um bem durável, entre aspas, pois estamos vendo que não é tão durável assim. E a água é muito barata, devido ao fato de que em qualquer lugar que se fure ela aparece.
JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA – Quanto de água é realmente para o uso humano? Não é mais gasta na agricultura e na indústria?
ALEXANDRE – Sem dúvida. Uma vez me disseram: num feriado ou num domingo, principalmente, o consumo de água diminui em torno de 30% a 40%, na cidade de São Paulo. Isso significa que o grande vilão é a indústria, com seu consumo, seus inúmeros vasos sanitários, enquanto em nossa casa se usa um ou dois.
ÁLVARO MORTARI – Nos edifícios e casas também se usa muito a válvula Hydra, que desperdiça água. E não vejo o governo procurando criar novas regras para evitar isso nem uma conscientização da população. No Oriente, em Dubai, por exemplo, não existe água potável suficiente e é utilizada a água do mar. Pergunto: na eventualidade de passarmos por uma crise muito grande, como está sendo esperada, haveria condições de empregar equipamentos para tornar a água do mar potável? Outra questão: como seria a utilização daquele gelo que se joga nas nuvens para provocar a precipitação da chuva? Existe alguma tecnologia mais moderna?
ALEXANDRE – Quanto ao aproveitamento da água do mar, acredito que sim. Em relação ao bombardeamento das nuvens, hoje em dia jogam sais e a nuvem cresce. Isso é veiculado como se fosse a salvação para aquela região, mas o resultado são minutos de chuva. Fazer isso numa fazenda é plausível e vai resolver o problema do produtor. Mas não numa crise hídrica como a de São Paulo.
PAULO NATHANAEL – Quem desenvolveu a tecnologia de bombardeio de nuvem no Brasil foi um físico chamado Frederico de Marco, que também era médico. Morava em Araraquara, onde a Faculdade de Filosofia tem seu nome. A intenção dele era trazer uma solução local para fazendas. É impossível pensar nisso em termos macro.
NEY PRADO – E a solução local através dos poços?
ALEXANDRE – Localmente também é uma boa saída. Aliás, muitos prédios em São Paulo já usam. Voltando à questão das válvulas de descarga, temos de nos reeducar, inclusive pensando em reúso. Num primeiro momento, trocar por um sistema mais inteligente e econômico é uma saída. Mas temos de pensar no reúso da água. Muita gente toma banho de uma hora, duas vezes por dia. Por que não reutilizar a água no vaso sanitário, no quintal, no pátio de uma escola?
JOSEF BARAT – Há controvérsias quanto à mudança climática em escala global. No entanto, quando os efeitos são locais é muito clara a definição das causas, como a impermeabilização, ocupação predatória, devastação de florestas. Isso é bem perceptível. O que considero estranho é que, quando se fala em política ambiental, entra-se na questão da mudança climática em termos globais, mas não se tem algo direcionado para grandes metrópoles como São Paulo, onde isso é mais perceptível. Há a questão, obviamente, de educação ambiental, mas ela deveria ser feita para os dirigentes. É possível caminhar para uma organização urbana menos predatória, mais capaz de conservar os recursos hídricos?
ALEXANDRE – São Paulo não tem como voltar atrás. Nos últimos 15 anos, por exemplo, a mata avançava pelo estado de Mato Grosso, hoje a floresta é de soja. Esse é um exemplo de que muita coisa precisa mudar e não é com educação ambiental para crianças, mas de cima para baixo. Olhando a história mais recente do Brasil e tentando projetar no futuro, não vejo solução.
BARAT – O discurso ambientalista se tornou muito abstrato, um modismo que explica os 20% de votos dados a Marina Silva, em 2014. Uma razão antropogênica para o aquecimento global ainda é objeto de dúvidas, mas há a certeza de que esse tipo de ocupação urbana acaba com o potencial hídrico do país. No entanto, ninguém fala disso, as prefeituras das regiões metropolitanas não se manifestam e há até conflitos sérios, como no caso do rio Tietê, onde o município de Guarulhos, ao lado de São Paulo, joga seu esgoto, já que não dispõe de rede. Não há nenhum tipo de coordenação.
ALEXANDRE – A política ambiental tem de sair do papel e dos bate-papos informais. Imagine São Paulo sem água para abastecer as indústrias. Elas vão sair de São Paulo. A população ainda compra água, mas a indústria não pode comprar garrafinha para manter a máquina funcionando.
NEY PRADO – Estamos todos lamentando esta fase crítica, mas ela é extremamente valiosa. Num país que não planeja a médio nem a longo prazo, a falta do produto faz com que se mude o comportamento em relação ao valor da água. Há também a questão do preço. Na medida em que o custo sobe, o consumidor vai poupar as suas reservas. Tenho uma visão otimista do problema brasileiro. Precisamos ensinar e ao mesmo tempo criar normas punitivas para que o indivíduo sinta na pele o desejo e a necessidade de poupar seus recursos.
FARIA LIMA – O homem faz as coisas por três motivos: amor, temor ou convicção. O problema é a falta de perspectiva e de visão dos nossos governantes. Um país que tem uma matriz energética basicamente hídrica precisa assumir essas preocupações.
Pergunto se você já tem participado de algum tipo de organização para discutir essa temática mais profundamente. Dizem que as placas tectônicas, que estão se chocando no Japão, provocam uma modificação do eixo da Terra e com isso está havendo uma mudança no clima. Países mais desenvolvidos já estudam a possibilidade de utilizar áreas do Ártico para fazer plantações. Os Estados Unidos, depois do que aconteceu com o Katrina e com Nova York, já estão se preocupando com todas as suas cidades litorâneas. No Brasil, a não ser Eduardo Jorge, ninguém mais fala sobre o assunto.
ALEXANDRE – Existem várias linhas de pesquisas, algumas delas sobre o ciclo de tempestades solares. Estamos passando por um nível máximo dessas tempestades e isso interfere na formação das nuvens em algumas áreas do globo terrestre, inclusive na América do Sul. Outra linha fala sobre a mudança do eixo magnético da Terra. Mas nesse tipo de discussão sou apenas espectador.
O processo de mudança ocorre em todos os planetas, astros e estrelas. Uma vez nascido um planeta, ele começa a morrer, assim como nós. Os efeitos já podem ser observados, o que se discute é a velocidade. Não sou especialista no assunto, mas creio que existem os efeitos. Por exemplo, desmatar a Amazônia contribui para o aquecimento. Se modificarmos uma corrente atmosférica, por algum motivo, a própria atmosfera vai restabelecer o equilíbrio. Deixando o clima mais instável, então chove para resfriar uma área que aqueceu muito, isso é reequilíbrio atmosférico. Se não chover sistematicamente sobre uma região não quer dizer que ela vai ficar cada vez mais seca, existe uma compensação atmosférica. Agora, os paulistanos devem esperar essa compensação atmosférica? Não, temos de recorrer à inteligência para achar uma solução.
MARIA PAULA PUGLISI – Trabalho no Conselho de Desenvolvimento Local da Fecomercio, que visa o aumento da participação da comunidade nas políticas públicas. Acreditamos em mudança comportamental, em especial na ponta do consumo, ainda que a comunidade não tenha o uso tão efetivo da água. No bairro da Bela Vista há uma ocupação de cortiços com o uso da água totalmente descontrolado. Não estou recriminando, porque a comunidade tem necessidades imediatas de sobrevivência. A impressão que tenho é que a falta de informação é o grande influenciador. Minha fala é no sentido de que havendo mudança comportamental, somada a descobertas tecnológicas, a pressão política positiva e a responsabilidade política, o contexto vai mudar ao longo do tempo.
NEY FIGUEIREDO – O senhor dá alguma importância às previsões feitas pela Fundação Cacique Cobra Coral, que foi contratada por vários governos?
ALEXANDRE – Não, em alguns momentos tenho vergonha de ser brasileiro. Um governante contratar um espírito não é uma coisa séria.
NEY FIGUEIREDO – O pior é que às vezes ele acerta. No Rio acertou, tinha previsto aquele desmoronamento em Petrópolis e depois cobraram do governo por não ter ouvido a Cacique Coral.
ALEXANDRE – Após o ocorrido, eles vêm a público dizendo que acertaram e só aconteceu porque não contrataram. Já ouvi várias vezes isso.
PAULO LUDMER – Sobre esse assunto, há três vertentes. Uma delas é o clima, sobre o qual não se pode fazer muita coisa, a outra são as obras e a última, o mercado ou o consumo. Minha sensação, considerando que se trata da Climatempo, é a seguinte: vamos começar o ano de 2015 com a agricultura mediocremente atendida, mas atendida em termos de água, vamos estar com algumas bacias em péssima situação e vamos ter um atraso nas chuvas de 2015 para 2016. Confirma isso?
ALEXANDRE – Sim.
LUDMER – Portanto, temos um drama agudo e real, que é começar mal o ano e ainda sofrer com o atraso das chuvas. É uma situação muito dramática e gostaria de ouvir um pouco mais a respeito.
ALEXANDRE – Fui convidado a fazer uma palestra sob o ponto de vista energético no começo de 2012 e o assunto era uma previsão para 2016. A primeira pergunta foi para definir esse horizonte. Falei: preocupação. Nossa perspectiva lá atrás era de chuva abaixo da normalidade e calor em excesso. Uma das nossas expectativas era de que chovesse menos do que o normal. Só para que os senhores saibam, nós vendemos previsão, não acerto. Então previmos que choveria menos que o normal e choveu muito menos do que previmos.
Existe um problema climático? Sim. Ele já foi pensado? Obviamente que não. Foi apontado? Sim. A solução tem de ser emergencial. Hoje o mais emergencial seria trazer o rio Paraíba do Sul para dentro do Sistema Cantareira. Mas aí há uma briga política entre estados. Além disso, a obra demoraria 18 meses e estamos sofrendo para amanhã. Imaginem se não tivermos água em Furnas. Se a indústria tiver água para utilizar, de onde virá a energia?
LUDMER – Para desmineralizar a água do mar, ou seja, torná-la utilizável, a Austrália usa usinas a carvão. O fato é que a crise da água agrava a crise da energia e as duas agravam a crise da inflação.
JOÃO TOMAS DO AMARAL – O céu fala, a gente entende, mas o grosso da população ignora. A questão da água não é nova, há muito tempo alguns grandes conglomerados internacionais foram adquirindo minas, fontes de água em várias localidades do mundo para vender. Por outro lado, vender previsão, utilizar modelos estatísticos e de matemática aplicada são tentativas de observar o fenômeno e tentar trazer para o âmbito da matemática uma explicação com a ideia de planejar num país que tem poucos históricos sobre planejamento de ações.
Ney Figueiredo comentou a questão da qualidade da água e o palestrante afirmou que não há problema em mexer na reserva técnica. Comentando com um amigo da universidade, especialista em hidráulica e hidrologia, ele disse que temos materiais pesados nessa água. Não conseguimos extraí-los. Esse é um problema talvez menor para os mais velhos, mas maior para os jovens, porque esse material fica depositado no organismo.
Alguém comentou sobre o custo da água e se falou que nossa água é barata. Infelizmente não é. É uma das mais caras do mundo, como ocorre na telefonia e na energia elétrica. Pagamos caro até porque temos de suportar as perdas físicas e financeiras. A Sabesp não consegue controlar isso.
O professor Nathanael falou sobre os aquíferos. Mas pouca gente discute a contaminação desses aquíferos, proveniente do mau trato do lixo. Por outro lado, em algumas regiões do estado de São Paulo o lençol freático está muito próximo, lembrando que a capital é pulverizada por vários córregos, que foram muito mal administrados pela prefeitura da cidade e alguns até canalizados.
ALEXANDRE – Falamos muito em educação e reeducação. Num país onde há tantos miseráveis de cultura, não só de dinheiro, ouvimos dos governantes que está tudo certo e precisamos consumir. Resultado: em 2013 batemos o recorde de vendas de aparelhos de ar-condicionado. O que é utilizar ar-condicionado? É acabar ainda mais com o meio ambiente e usar um recurso que está em falta, a energia elétrica.