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Futuro do Livro

ilustração: Marcos Garuti
ilustração: Marcos Garuti

 


O Brasil ainda está longe de ser um país de leitores. Apesar disso, o setor editorial brasileiro tem potencial de crescimento, principalmente se levarmos em conta as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de que a população em idade escolar brasileira ainda deve aumentar nos próximos anos. Nesse cenário, quais os principais desafios a serem enfrentados pelo mercado brasileiro de livros? Analisam a questão o diretor executivo da editora WMF Martins Fontes, Alexandre Martins Fontes, e o jornalista, editor e consultor de políticas públicas para o livro Felipe Lindoso.


Desafios e oportunidades
por Alexandre Martins Fontes


Somos um país continental (o maior da América Latina), com uma população estimada em mais de 200 milhões de habitantes (em área geográfica e população, somos o quinto maior do planeta). Nossa economia ocupa a sétima posição, atrás apenas dos Estados Unidos, China, Alemanha, Japão, Reino Unido e França. Em outras palavras, somos uma verdadeira potência! Ou assim somos levados a acreditar...

No início do século 21, a concentração de renda no Brasil permanece em patamares inomináveis (alguns estudos apontam que 0,9% dos mais ricos do país detêm entre 59,90% e 68,49% da riqueza dos brasileiros), uma verdadeira vergonha nacional.

São inúmeras e trágicas as consequências dessa triste realidade. Entre elas, o inquestionável fato de que a absoluta maioria da população brasileira não lê e não tem acesso ao livro. Para desgosto de todos nós, o Brasil está longe de ser um país de leitores. Ao contrário, apenas uma pequeníssima parcela da população brasileira frequenta livrarias e convive com os livros.

Editores, livreiros e agentes literários estrangeiros em visita ao Brasil se impressionam com a “qualidade” das nossas livrarias (ou com aquelas que habitualmente visitam em São Paulo e no Rio de Janeiro). Chama a atenção desses profissionais o tipo de livro exposto nas livrarias: livros para um público sofisticado, acadêmico e culto.

O que eles não sabem é que nossas livrarias apresentam essa característica porque atendem somente a uma ínfima parte da população do país: leitores sofisticados, universitários, professores, jovens de classe média-alta, profissionais liberais etc. A triste notícia é que a absoluta maioria da população não entra e nunca pensou em entrar nessas livrarias. A “qualidade” de nossas lojas (e dos livros que publicamos) é um reflexo de nossa doença.

Esse é o verdadeiro retrato do Brasil. E essa é a realidade enfrentada diariamente por editores e livreiros em nosso país. Aqui, não me refiro às vendas de livros educacionais (entre as maiores do mundo) ou às aquisições governamentais. Refiro-me tão somente ao mercado livreiro, à venda de livros através de livrarias, o que, em inglês, chamamos de trade.

Apesar desse triste quadro social, a indústria editorial e livreira do Brasil nunca foi tão produtiva, tão competente e tão profissional (em certa medida, comprovando o quão complexo e contraditório é o nosso país).

Nos últimos 55 anos, a Martins Fontes nunca deixou de se desenvolver e de investir em suas publicações e em suas livrarias. Nunca deixou de acreditar num país mais justo e mais democrático. Nunca duvidou do papel fundamental do livro e da leitura na luta por um país melhor.

Há dez anos, nossa livraria da Avenida Paulista, em São Paulo, não para de crescer (mesmo neste difícil ano de 2015, nossas vendas aumentaram em 15% no primeiro trimestre em relação ao mesmo período do ano passado). Mas estamos conscientes de que, infelizmente, continuaremos a atender somente uma pequena parcela da população enquanto o Brasil não resolver seus problemas estruturais.

Nosso país precisa urgentemente de mais livrarias. Acima de tudo, o Brasil precisa de mais livrarias independentes. Pequenas livrarias de bairro (assim como pequenos editores) oxigenam o mercado livreiro e fortalecem a indústria editorial. O leitor brasileiro (e, consequentemente, a sociedade brasileira como um todo) só tem a ganhar com o crescimento e o fortalecimento dos livreiros independentes. Atualmente, mais de 80% do mercado é dominado por livrarias de rede.

É importante frisar que não tenho nada contra livrarias de rede. Muito pelo contrário, apoio com emoção e entusiasmo toda e qualquer empresa que tenha como objetivo valorizar e fortalecer o livro em nosso país. No entanto, acredito que o fortalecimento do pequeno livreiro independente, como acontece atualmente nos Estados Unidos, só enriquecerá ainda mais o mercado de livros no Brasil. Livrarias pequenas, saudáveis e independentes, espalhadas por este país continental, farão do Brasil um local mais humano, mais democrático, mais justo e mais culto.

Apoio a proposta da senadora Fátima Bezerra (PT-RN) e seu projeto de lei que tem por finalidade instituir uma Política de Regulação de Preços (como já acontece, com grande sucesso, em países como França, Alemanha, Espanha, Portugal e Argentina), e fico feliz em ver o crescente apoio das entidades de classe do setor do livro a essa iniciativa.

Ao garantir igualdade de condições ao livreiro, a lei de regulação de preços garantirá uma pluralidade de pontos de vendas e uma maior disponibilidade do livro em todo o território nacional. Os desafios do Brasil são gigantescos. Por isso mesmo, as oportunidades também são infinitas. Em todos os sentidos, estamos construindo um país.

Recuso-me a acreditar que o Brasil não seja capaz de enfrentar suas contradições, suas injustiças e sua iniquidade. Recuso-me a acreditar que nosso país não consiga oferecer às suas crianças escolas públicas de qualidade e acesso universal à leitura e à educação. Recuso-me a acreditar que o Brasil esteja satisfeito com o estado atual das coisas.

Estamos longe de ser um país de leitores. Estamos longe de ser um país em que a educação é verdadeiramente uma prioridade. Estamos longe... Mas, sinceramente, acredito que um dia chegaremos lá.



Alexandre Martins Fontes é diretor executivo da editora WMF Martins Fontes, além de publisher da Martins Fontes. Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), já trabalhou como designer gráficoe ilustrador no Brasil e nos Estados Unidos.

“Nosso país precisa urgentemente de mais livrarias. Acima de tudo, o Brasil precisa de mais livrarias independentes. Pequenas livrarias de bairro (assim como pequenos editores) oxigenam o mercado livreiro e fortalecem a indústria editorial”



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Estagnado, mas com perspectivas?
por Felipe Lindoso



O mercado editorial brasileiro está estagnado há vários anos, com vendas que nem mesmo acompanham a inflação – ou o crescimento populacional. Os números são imprecisos, já que realmente não existem estatísticas confiáveis, mas os poucos dados disponíveis e a avaliação de editores e livreiros são coincidentes. Por essas razões, vou simplesmente informar as fontes disponíveis.

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) há anos encomendam à Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) uma pesquisa sobre produção e vendas do setor. Os dados de compras do governo federal são confiáveis, posto que informados diretamente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que os adquire (ver em cbl.org.br/telas/cbl/downloads.aspx os últimos dados disponíveis).

Recentemente o SNEL apresentou, em parceria com a Nielsen/Bookscan, seu levantamento de dados obtidos diretamente dos pontos de vendas de alguns grandes livreiros e do comércio eletrônico (ver aqui os dados do painel: snel.org.br/wp-content/themes/snel/docs/paineldasvendasdelivrosnobrasil.pdf e uma análise de seu significado: oxisdoproblema.com.br/?p=2669).

Entretanto, o potencial de crescimento é imenso. Em primeiro lugar, temos uma enorme população em idade escolar – do fundamental ao universitário –, cujo crescimento será constante pelo menos até meados do século, segundo as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em todo o mundo, o mercado escolar é um dos segmentos mais dinâmicos da indústria editorial. O aumento – lento, mas progressivo – dos índices de educação também permite uma projeção otimista. Os indicadores sempre mostram que o grau de instrução possui uma correlação mais forte que o nível de renda nos índices de leitura.

Esses pontos positivos, entretanto, são contrabalançados por vários outros. O mercado de livros escolares para o ensino fundamental é extremamente dependente das aquisições do governo federal, que chega a comprar várias centenas de milhares de exemplares de livros para seus vários programas: Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio – PNLM, Biblioteca na Escola, Biblioteca do Professor e livros para o Ensino de Jovens Adultos (EJA). Vários governos estaduais e municipais também possuem compras de livros para distribuição nos respectivos sistemas escolares.

No ensino superior a situação é mais complicada. O principal investimento é feito pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na aquisição de assinaturas eletrônicas das principais revistas científicas do mundo, disponibilizadas para professores e alunos das universidades federais. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) faz o mesmo para as universidades paulistas.

Em maior ou menor grau, programas semelhantes existem em outras fundações estaduais (no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, principalmente). Embora não haja possibilidade de extinção desses programas, sua execução depende dos recursos orçamentários disponíveis, e a situação econômica pode forçar algum nível de redução a curto prazo. Essa redução, entretanto, só pode ser feita levando em consideração que existe o compromisso e a expectativa de que os estudantes recebam o material didático em tempo.

Os problemas reais surgem para os eventuais leitores depois da idade escolar. E podem ser resumidos em dois fatores.
O primeiro é a precariedade da rede de livrarias. Pesquisa encomendada pela Associação Nacional de Livrarias (ANL) enviou 3.403 formulários para livrarias de todo o país (o que se supõe ser o maior universo possível), obtendo 716 respostas, entre as enviadas por cadeias e livrarias independentes (ver o estudo aqui: anl.org.br/web/pdf/diagnostico_setor_livreiro_2012.pdf).

O estudo não apenas mostra dados da concentração das livrarias na região Sudeste e a menor presença na região Norte, mas, sobretudo, permite inferir que boa parte dos quase 6 mil municípios brasileiros não possui nem mesmo uma livraria, o que demonstra a precariedade da rede.

Uma parte dessa precariedade é compensada pelo desenvolvimento do mercado eletrônico, tanto de livros físicos quanto de e-books. Entretanto, não se dispõe de informações sobre a dispersão dessas compras. Acrescente-se a isso as dificuldades logísticas, como o custo dos correios. Outra parte da precariedade da rede de livrarias é compensada pela ação agressiva dos chamados vendedores do porta a porta.

Esse segmento, que regrediu no período de alta da inflação, está em crescimento acelerado (embora, mais uma vez, os dados sejam precários, a Associação Brasileira de Difusão do Livro também faz sua pesquisa, por amostragem: abdl.com.br/UserFiles/ABDL2010.pdf). Essa enorme infantaria – calculada em mais de 20 mil vendedores espalhados pelo Brasil – tem uma capilaridade maior que as livrarias.
Uma grande deficiência estrutural, entretanto, é a precariedade da rede de bibliotecas públicas.

As bibliotecas públicas são o grande instrumento de acesso ao livro, em todo o mundo. Nominalmente, existem bibliotecas públicas em quase todos os municípios brasileiros. No entanto, a esmagadora maioria possui acervos precários, desatualizados; as bibliotecas abrem em horário comercial (quando abrem todos os dias), e quem trabalha não consegue frequentá-las; não estão constituídas em rede, não trocam informações entre si nem fazem empréstimos interbibliotecas. Em resumo, uma situação catastrófica.

As bibliotecas são de responsabilidade do Ministério da Cultura, dos estados e dos municípios. As limitações orçamentárias são ainda mais graves que as da educação e não existem ações sistemáticas para superar essa situação, ainda que existam casos – sempre comoventes – de empenho, imaginação e dedicação dos seus encarregados.

Vale uma última palavra sobre o livro digital. O setor dos livros digitais (e-books) vem crescendo nos últimos três anos, mas sua base ainda é muito reduzida. São poucos os leitores dedicados (Kindle e Kobo), mas a rede de tablets e celulares smartphone permite estimar um número maior de leitores. Estima-se que não mais de 3,5% da venda de livros seja feita por esse meio (contra cerca de 25% nos Estados Unidos e um pouco menos na Europa Ocidental).

O lançamento dos e-books no Brasil começou em dezembro de 2012 (apesar de já haver uma quantidade de detentores do Kindle que compravam direto da Amazon dos Estados Unidos), com o lançamento simultâneo das lojas da Amazon, Google e da Kobo, antecipadas em alguns meses pela Apple e pela Livraria Saraiva, que experimentava o digital desde 2011 (hoje tem seu próprio leitor, o LEV, fabricado por um consórcio alemão).

Carlo Carrenho, diretor do blog PublishNews, publicou uma coluna no site da Publishers Weekly no dia 14 de março de 2015 (em inglês) apontando as perspectivas para o livro digital no Brasil. Apesar das dificuldades iniciais, existe o desenvolvimento de bibliotecas digitais e de assinaturas, como uma iniciativa da Telefônica e do portal Terra, o Nuvem de Livros (nuvemdelivros.com.br), e outra da Árvore de Livros (arvoredelivros.com.br). O futuro desses programas ainda é incerto.

Existe correntemente uma discussão extremamente viva sobre a questão da chamada Lei do Preço Fixo, adotada já há décadas na França (Loi Lang) e defendida ardorosamente pela ANL e livreiros independentes. A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) apresentou projeto de lei nesse sentido.

Na minha opinião, a Lei do Preço Fixo é uma medida importante de regulação do mercado e proteção das livrarias independentes, mas não uma panaceia. Em resumo, apesar das dificuldades atuais e dos impasses a curto prazo, as perspectivas de crescimento são boas, e serão melhores se houver uma combinação correta de medidas de política pública e ações mais proativas de editores e livreiros para o desenvolvimento do mercado de livros no Brasil.



Felipe Lindoso é graduado em antropologia pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos (Lima-Peru) e mestre em antropologia social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (Museu Nacional). É jornalista, foi sócio fundador da Editora Marco Zero e assessor da Câmara Brasileira do Livro. Mantém o blog oxisdoproblema.com.br, no qual analisa questões do mercado editorial.



“Uma grande deficiência estrutural é a precariedade da rede ¿de bibliotecas públicas, que são o grande instrumento de acesso ao livro. Existem bibliotecas públicas em quase todos os municípios brasileiros, ¿mas a maioria possui acervos precários, desatualizados”