Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Eu Vi um Brasil na TV

foto: Arquivo Pessoal
foto: Arquivo Pessoal




Diretor-geral e um dos criadores do Canal Brasil, Paulo Mendonça é também roteirista e compositor. Na década de 1970, foi autor de músicas como Sangue Latino, composta em parceria com João Ricardo e gravada pelo grupo Secos & Molhados em 1973.

Com formação em administração e especialização em informática, trabalhou por 20 anos no mercado financeiro, em funções como superintendente-geral da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) e chefe do Departamento de Sistemas da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Em 1998, integrou o grupo responsável por criar o Canal Brasil, do qual está à frente desde 2004.


A seguir, os melhores trechos do depoimento de Paulo, no qual fala sobre televisão, cinema e música no Brasil.


TV com inteligência


Não é fácil fazer um canal de cultura. A tendência é que a cultura seja tratada de uma maneira oficial. A gente procurou buscar essa linha tênue entre o que é oficial e o que pode ser independente. É lógico que existe muito preconceito. O cinema brasileiro não tem pouca bilheteria apenas por seus deméritos, mas também por uma questão cultural.


Ao criar o Canal Brasil, a gente procurou buscar uma linha que fosse diferenciada daquilo que o padrão televisivo impunha. Procuramos trazer inteligência, que estava faltando na televisão naquela época e falta ainda hoje. Até agora temos procurado manter isso como padrão, ser um ponto fora da curva, pensar fora da caixa.


Nós temos um orçamento pequeno. O nosso desafio não é a publicidade, é ser uma televisão por assinatura na essência. Se você não tem uma linha editorial definida, a escolha é muito pelo sentimento. Se tiver uma vocação para o experimentalismo, a gente olha de uma maneira distinta.


Temos uma janela de representação do cinema brasileiro em todas as suas possibilidades, inclusive com as pornochanchadas. Como cultura, a gente precisa correr riscos, e é esse o nosso objetivo: correr riscos. Até porque, entre erros e acertos, tudo vale.


Parceria entre cinema e televisão


Glauber Rocha dizia que o caminho para o cinema brasileiro é o casamento com a televisão. A Globo Filmes vem fazendo isso. É uma pena que não exista uma Record filmes, uma SBT filmes. No caso do Canal Brasil, está na nossa gênese.

Hoje, basicamente só nós e os Telecines estamos fazendo isso, mas acho que é um caminho natural você encontrar parcerias na televisão para o desenvolvimento de produções. É claro que não se faz um filme com um recurso de uma televisão, exceto pontualmente um ou outro telefilme, mas você tem a possibilidade de iniciar ou finalizar filmes com recursos televisivos.


Audiência


Não somos muito pautados pela audiência. Lógico que olhamos como tendência. Houve coisas que foram muito características e nos levaram a algumas decisões, como o fato de que tínhamos uma audiência com tempo de permanência muito grande, de 19 minutos. O que não tínhamos era alcance. Isso nos levou, por exemplo, a desenvolver, além da programação linear, uma programação de intervalo, buscando chamadas que fossem minimamente atraentes e originais.


Ou seja, quando a pessoa chega ao canal no intervalo, encontra uma identidade que dá a certeza de que ali é o Canal Brasil. Isso surtiu efeito e temos mantido ainda hoje. Se tivéssemos nos subordinado à audiência, não teríamos no canal as pessoas que a gente tem. Acreditamos no conceito de segmentação e que um canal com esse propósito desperta um mínimo de interesse para um determinado tipo de pessoa.


Faceta de compositor


Continuo compondo, mas estive muito tempo afastado. Antes eu tinha um horário comercial e o resto do tempo para os meus devaneios. Agora não. Você pensa a televisão 24 horas por dia, é muito mais solicitado, então prejudica, mas se tiver tesão para fazer você vai fazer.


O Secos & Molhados foi fruto de um tesão de juventude. O grupo tinha uma intenção de expressão eminentemente política e o nosso componente político era uma preocupação permanente em um país muito aprisionado pelo rigor da ditadura.

Ao mesmo tempo, era um momento muito rico, porque foi necessário desenvolver uma poética própria em um momento em que a expressão de ideias não era permitida. O Secos & Molhados estava dentro desse contexto. Era uma transição de um processo político mais convencional para uma revolução de costumes que acontecia latentemente dentro do país por força da repressão que se vivia.



“Ao criar o Canal Brasil, a gente procurou buscar uma linha que fosse diferenciada daquilo que o padrão televisivo impunha. Procuramos trazer inteligência, que estava faltando na televisão naquela época e falta ainda hoje”