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Onde a crise não chegou
Por: CARLA CAMARGO
Com previsão de queda do Produto Interno Bruto (PIB), aumento do desemprego e da inflação, o ano de 2015 não foi dos melhores para grande parte dos setores produtivos, segundo especialistas. A previsão é de que o conjunto de riquezas produzido pelo país amargue uma retração de 2% este ano, de acordo com informações do respeitado boletim Focus, do Banco Central, feito com base em pesquisas realizadas com mais de cem bancos brasileiros. Para 2016, a expectativa é de uma redução de cerca de 0,2% no PIB, também segundo projeções do mesmo relatório. A previsão para a taxa de inflação segue a mesma tendência: o aumento dos preços deve prosseguir, alcançando um percentual de cerca de 9,3% este ano. Com a economia em queda, a indústria, comércio e serviços como um todo têm sentido um impacto negativo, e alguns segmentos estão sendo mais afetados. A construção civil registra o pior exercício desde 2003 – segundo estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse mercado deverá encolher 5,5% em 2015. Na mesma trilha, e com uma quantidade menor de bens sendo comercializada, o setor de transportes e armazenamento de mercadorias poderá experimentar uma queda de 7% em seu PIB. “De modo geral, os setores que exigem um maior gasto do consumidor, como o de bens duráveis, imóveis e automóveis, são os que estão sendo mais afligidos pela desaceleração”, diz João Luiz Paschoal, consultor da Euromonitor International, uma das maiores consultorias do mundo, com escritório no Brasil e em mais de 80 países.
Nem tudo são trevas, no entanto. Alguns segmentos devem continuar crescendo, despontado entre eles alimentos e bebidas, beleza, bem-estar e saúde. Segundo um estudo da Mintel Group, uma das maiores agências internacionais de inteligência de mercado, o ritmo de incremento do consumo, fenômeno que vem acontecendo devido aos aumentos no salário mínimo, à ampliação do crédito e ao maior nível de emprego registrado em anos anteriores, entre outros fatores, não deverá simplesmente estagnar neste ano ou em 2016. “Houve uma grande expansão da classe média, com mais gente consumindo, e, apesar da queda no poder aquisitivo das famílias no momento, o brasileiro não deve simplesmente deixar de comprar certas categorias de produtos”, diz Renata Moura, analista da Mintel. A expectativa é que até 2019, os gastos dos brasileiros evoluam cerca de 7% ao ano – entre 2010 e 2014, esse avanço girou ao redor de 11% a cada exercício – principalmente com itens menos dispendiosos, usados no dia a dia, como artigos de higiene e pessoal e alimentos, aos quais o brasileiro já se acostumou. “Provavelmente, vai ocorrer uma diminuição do ritmo de expansão do consumo, principalmente em relação a itens mais caros, mas o mercado interno continuará se expandindo, mesmo porque ele esteve retraído por muitos anos”, afirma Renata.
Em 2019, os brasileiros deverão desembolsar cerca de R$ 4,5 trilhões em compras, 37% a mais do que em 2014, de acordo com previsões da Mintel. Esse montante poderia ser consideravelmente maior, não fosse a retração econômica. “A inflação, o real mais fraco, o crédito mais difícil e o aumento do desemprego sem dúvida afetam a renda dos consumidores”, diz Renata. Não há consenso sobre quais serão os reflexos da economia, em 2015 ou 2016, para a renda média do brasileiro. De acordo com projeções do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, os rendimentos das famílias deverão terminar o ano estáveis. Para alguns economistas, no entanto, poderá haver uma queda de até 5% na renda média. “Sem crescimento econômico e com aumento da inflação, a consequência natural é uma diminuição no rendimento, principalmente no caso de famílias que ganham pouco e dependem do salário mínimo”, enfatiza Claudio Dedecca, economista da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Consumo crescente
Para consultorias e agências de inteligência de mercado como a Euromonitor e Mintel Group, novos hábitos de consumo, baseados em um estilo de vida saudável, devem impulsionar o consumo nos próximos anos. Um estudo recente aponta que alimentos à base de produtos naturais, cosméticos com componentes sem químicos e bebidas funcionais, feitas com frutas e ingredientes como água de coco, são alguns dos produtos que serão cada vez mais consumidos no Brasil. Os gastos com saúde, incluindo programas de qualidade de vida e prevenção a doenças, também devem seguir um caminho ascendente.
No mundo todo, e também no Brasil, nota-se uma preocupação crescente com o bem-estar e a saúde. A expectativa de vida do brasileiro aumentou, tendo passado de 62,5 anos, em 1980, para 74,9 anos, em 2014, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isto aliado ao fato de que ganha força a importância de se manter hábitos saudáveis para uma melhor qualidade de vida, principalmente durante o envelhecimento. O mercado de consumo tem registrado positivamente a tendência de investir mais em produtos que podem colaborar para um estilo de vida saudável. Uma pesquisa recente realizada pela consultoria Dunnhumby, especializada em comportamento de compra, apontou que 73% dos brasileiros estão mais preocupados com a qualidade dos alimentos que ingerem do que com o preço dos produtos. E afirmam que concordariam em experimentar alimentos mais saudáveis.
Dados da Organics Brasil, programa internacional de promoção de produtores orgânicos fomentado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), mostram que vem aumentando o consumo de orgânicos no país. O setor de produção de alimentos cultivados sem agrotóxicos faturou cerca de R$ 2 bilhões em 2014 e deve alcançar R$ 2,5 bilhões em 2015, segundo o programa. Nos próximos anos, o segmento deverá experimentar um crescimento de 30% a 40% anuais. “Um dos motivos que explicam esse crescimento, mesmo em um ano de crise, é o fato de a regulamentação de produtos orgânicos ter saído do papel apenas em 2011. Hoje, há basicamente uma forte oferta de frutas, legumes e verduras plantados sem agrotóxicos, mas cadeias como a da carne, lácteos e processados ainda estão em formação e faltam produtos para o consumidor, portanto existe uma demanda reprimida”, diz Ming Liu, coordenador executivo da Organics Brasil. Outra razão para o aumento do consumo de orgânicos é uma mudança de hábito da população. “A sociedade está mais exigente e criteriosa com suas escolhas, com as pessoas buscando produtos cada vez mais saudáveis em nome do bem-estar”, observa Liu.
As empresas que já perceberam essa tendência e entraram em campo, vêm colhendo bons frutos. Uma delas é a Mãe Terra, uma das pioneiras no filão de alimentos naturais, que produz sopas, biscoitos, massas integrais e produtos como aveia, linhaça, quinoa e açúcar mascavo. No total, a Mãe Terra fabrica 120 itens diferentes. A empresa, criada em 1979, em São Paulo, por um vegetariano, Inácio Zurita, que pretendia disseminar o conceito da alimentação natural. Hoje, a Mãe Terra é administrada pelo executivo Alexandre Borges, que assumiu o controle do negócio em 2007. “Nosso objetivo é colocar produtos orgânicos nas prateleiras de grandes redes do varejo maiores, e, assim, conquistar mais consumidores, para que os alimentos naturais não fiquem restritos a um nicho de mercado”, diz.
Em agosto deste ano, a Mãe Terra, que tem crescido cerca de 40% ao ano, desde 2012, fez uma parceria com a GOL para que biscoitos naturais da marca sejam distribuídos a todos os passageiros daquela companhia nos voos nacionais (estão sendo oferecidos cerca de 2,5 milhões de pacotinhos do snack por mês). Outra empresa que vem crescendo por ter apostado na alimentação natural é a Greenpeople, do Rio de Janeiro. Criada em 2013 pela economista Bianca Laufer, ela fabrica sucos feitos com frutas orgânicas a partir de uma técnica que chegou recentemente ao país, a prensagem a frio, em que uma prensa hidráulica espreme as frutas e outros ingredientes, que tanto podem ser verduras e legumes.
Já no âmbito do mercado de bebidas não alcoólicas, que está em ascensão, o segmento de sucos naturais e de funcionais, com ingredientes como água de coco e frutas orgânicas, é um dos que mais se expandem hoje no Brasil, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir). Em 2010, a participação de mercado dos chamados néctares cravou em 2,5% e, em 2014, em 3,5%, de acordo com aquela entidade. A tendência é de crescimento. O segmento de refrigerantes, por outro lado, vem caindo: tinha 56,1% das vendas totais do mercado de bebidas não alcoólicas, em 2010, e despencou para 44,7%, em 2014. A expectativa é que o nicho de sucos naturais e bebidas funcionais cresça cerca de 14% este ano e em 2016.
Boca a boca
“O volume de venda dos chamados néctares tem avançado ano a ano”, relata Igor Castro, diretor técnico da Abir. “Esse crescimento revela também uma preferência por produtos práticos e fáceis de serem consumidos porque não demandam nenhum tipo de preparo”, realça Castro. Para a analista Renata Moura, os consumidores também estão mais atentos a técnicas de produção e a utilização de ingredientes que possam fazer bem à saúde. “Nesse aspecto, empresas como a Greenpeople têm mantido os olhos bem abertos a essas importantes tendências de consumo”, diz a analista.
Nos Estados Unidos e na Europa, onde a alimentação natural e novos métodos de produção de bebidas já conquistaram uma maior quantidade de consumidores, considera-se que a tecnologia de prensagem a frio permite uma maior preservação das vitaminas e demais nutrientes. “Além disso, não se usa água, conservantes, açúcar, lactose ou glúten, ao menos na Greenpeople”, destaca a economista Bianca. Para garantir que sejam adotados apenas itens orgânicos nas bebidas, a empresa mantém um sítio na Serra Fluminense, próximo ao Rio de Janeiro, onde agrotóxicos não entram. São produzidos 16 sabores de sucos, como o Santo Suco, à base de couve, espinafre, maçã, gengibre e limão, o Snow, com banana, leite de amêndoa, lichia, canela e maca peruana – um tubérculo originário dos Andes que, segundo nutricionistas, protege a saúde cardiovascular por conter ômega 3 e é importante no tratamento da anemia –, e o Curcumox, que leva abacaxi, cenoura, semente de girassol e tamarindo.
“Nosso público é formado por consumidores com a atenção voltada à saúde e que estão dispostos a experimentar coisas novas”, conclui Bianca. A ideia de criar a empresa surgiu depois que a empresária passou alguns anos morando em Nova York, onde trabalhou no mercado financeiro. “Lá já havia essa tendência de produtos naturais e especialmente de sucos feitos com prensagem a frio”, recorda-se. “Eu tomava muito esse tipo de bebida. Era muito gostoso e sentia que ficava bem alimentada”. Em 2009, quando retornou ao Brasil, Bianca ficou um período sem trabalhar, cuidando dos filhos, até que, em 2013, retomou um velho projeto de lançar uma empresa de sucos feitos com ingredientes naturais e prensados a frio. A empreendedora importou o maquinário, customizou alguns equipamentos e desenvolveu uma metodologia própria para criar as bebidas, feitas com receitas simpáticas ao paladar brasileiro.
A divulgação começou no boca a boca, o que impulsionou a venda dos produtos. A Greenpeople vende hoje mais de 30 mil garrafinhas de sucos por mês, no sistema de assinaturas mensais de pacotes para clientes fixos e em quiosques da marca em shoppings do Rio de Janeiro. Até o final de 2015, a empresa já deverá estar presente em São Paulo, no modelo de quiosques em shoppings. “A demanda por bebidas funcionais feitas com cuidado e ingredientes especiais é significativa e devemos continuar alavancando nosso crescimento nos próximos anos”, diz a empresária.
No Brasil, até pouco tempo atrás havia um gap de mercado de produtos de beleza, segundo consultores e agências de pesquisa do comportamento do consumidor. “Faltavam produtos, como xampus e condicionadores, feitos com ingredientes naturais, que trouxessem bons resultados e tivessem um preço conveniente para a classe média”, diz Renata Moura. O crescimento do mercado de beleza como um todo, vem se expandindo pelo menos desde 1996, continuamente, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). O faturamento líquido e livre de impostos sobre vendas desse ramo empresarial pulou de R$ 4,9 bilhões, em 1996, para R$ 43,2 bilhões, em 2014.
Potes de sorvete
São vários os motivos que explicam esse crescimento, destacando-se, entre eles, segundo a Abihpec, a expansão das classes C e D, o crescente consumo por parte da classe média de produtos de beleza com maior valor agregado, o aumento da expectativa de vida e o desejo de manter uma boa aparência por mais tempo, e a maior participação da mulher no mercado de trabalho (que estaria impulsionando as vendas de cosméticos, por exemplo). Hoje, o Brasil representa o terceiro maior mercado mundial de itens de beleza, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. A expectativa é que o setor cresça cerca de 10% entre 2015 e 2019, segundo a Mintel. A expansão prevista é menor do que a de anos anteriores, de acordo com especialistas do setor. “Mesmo assim, o mercado de beleza segue em ascensão e representa boas oportunidades no Brasil”, diz Luis Malandrino, diretor da Beauty Fair, uma das maiores feiras de beleza do país. A última edição do evento, que aconteceu em setembro deste ano, em São Paulo, gerou negócios da ordem de R$ 500 milhões. “Novas marcas estão surgindo, assim como novas tendências de consumo”, comenta Malandrino. Um dos nichos que mais vêm atraindo o mercado é o de itens de higiene com formulações especiais, sem parabenos (compostos químicos utilizados como conservantes) e outros produtos químicos. “Nos Estados Unidos, na Europa e em alguns outros mercados, produtos com essas características já têm público certo. Aqui, estão surgindo as primeiras empresas do ramo”, diz Renata Moura, da Mintel.
Uma das empresas presentes na Beauty Fair foi a Lola Cosmetics, do Rio de Janeiro, que produz condicionadores, tonalizantes, xampus e outros itens para o cabelo à base de óleos, sem parabenos e silicones. A maioria dos produtos custa em média R$ 30 e é comprada por consumidoras da classe média. Os tonalizantes agradam aos mais jovens: com nomes como “amarelou”, “laranja mecânica” e “o pecado mora ao lado”, os produtos vêm em cores como roxo, azul e abóbora. Os itens da Lola Cosmetics são vendidos em e-commerces e em lojas multimarcas de cosméticos, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades. A empresa foi criada, em 2011, pela empreendedora carioca Dione Vasconcellos em parceria com sua irmã Jaqueline Vasconcellos e o arquiteto Milton Taguchi. Dione morou alguns anos em Portugal, onde teve lojas de roupas. Com a crise financeira de 2008, ela voltou ao Brasil. Em território lusitano, a empresária comprava cosméticos sem tantos químicos e se acostumou aos produtos. “Aqui, era difícil encontrar o mesmo tipo de formulação”, diz o diretor da marca, Vandré Gustavo. Sócios, eles enxergaram nessa carência de mercado uma oportunidade. E começaram a fazer testes de formulações para cabelo na casa de Dione. Logo contrataram especialistas em química para ajudar na empreitada. Depois de um ano e meio de tentativas, chegaram ao resultado desejado e lançaram a Lola Cosmetics. Não só os produtos são diferentes, com composições criadas a partir das misturas de óleos naturais. As embalagens também chamam a atenção. A maioria é de potes de sorvetes. “Competimos com as sorveterias na aquisição de potinhos”, diz Gustavo. “Esse é outro diferencial da marca, que se posiciona como moderna e atenta a tendências”.
Segundo o executivo, a ideia tem funcionado: a empresa praticamente dobra de tamanho a cada seis meses. Este ano, a Lola Cosmetics realizou 12 lançamentos de produtos para o cabelo e criou uma linha de cosméticos, com itens como batom, lápis para olho e pós, com 200 produtos diferentes. A expectativa é que em 2016 os cosméticos respondam por 30% das vendas. “Trouxemos tendências de cores e texturas que estão fazendo muito sucesso no exterior e ainda não haviam chegado ao mercado nacional”, diz Gustavo. “A empresa trabalha em um segmento, o de produtos com alto valor agregado e preço acessível, que agora começa a ser descoberto no país e ainda tem muito a crescer”.