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O tempo passou, e elas se foram

O Mappin e seus anúncios desenhados à mão: fazer compras ali era chique / Foto: Reprodução
O Mappin e seus anúncios desenhados à mão: fazer compras ali era chique / Foto: Reprodução

Por: REGINA ABREU

Paredes eram implodidas, tijolos despencavam. Boquiaberta, a multidão assistia à demolição do velho e fantasmagórico prédio do Mappin, no centro da capital paulista. Na realidade, construído nos anos 1930, na Praça Ramos de Azevedo, o imponente edifício de muitos andares ainda está lá. Aquele era apenas um vídeo, projetado na fachada, durante a Virada Cultural de 2014. Mas resumia visualmente o fim da saudosa megaloja, do tempo em que ainda não havia shoppings em São Paulo e em que era chique fazer compras ali. Ironicamente, o conhecido jingle “Mappin, venha correndo! Mappin é a liquidação!” transformou-se, em 1999, ano de sua falência, em “Mappin, venha correndo! Mappin foi à liquidação!”. E não faltaram interessados em atender o convite e ficar com os despojos – como o grupo Pão de Açúcar, que ali instalou um supermercado Extra, de pouca duração.

Hoje, o prédio abriga a Casas Bahia, enquanto sua concorrente, a lojas Marabraz, detém a posse da marca Mappin – mas, por ora, não planeja reativar nem o nome comercial, nem a loja. Virando a esquina e entrando na Rua Conselheiro Crispiniano, encontra-se uma churrascaria onde antigamente funcionava outro gigante do varejo paulistano, a G. Aronson, que fechou as portas no mesmo ano do vizinho Mappin. Na realidade, por todo o centro da cidade, onde estava concentrado o comércio, grandes lojas desapareceram na virada do século. Quem já entrou na idade dos “enta” (quarenta, cinquenta, sessenta...), se lembra da Mesbla, da Buri, da Arapuã e da Pirani? Grandes empresas brasileiras, de saudosa memória, encerraram suas atividades aproximadamente na mesma época, por diferentes motivos e nas mais diversas áreas.

Na aviação, não é preciso ativar muito a memória para se lembrar, desapareceram nomes importantes como a Varig, a Vasp e a Transbrasil. Casas bancárias se interdevoraram, provocando uma contínua dança das cadeiras. O Banco da Lavoura de Minas Gerais, por exemplo, foi dividido em dois: o Banco Real – depois absorvido pelo espanhol Santander – e o Banco Bandeirantes, mais tarde fundido com o Unibanco, que por sua vez foi posteriormente adquirido pelo Itaú. E o Banco do Estado de São Paulo (Banespa), assumido pelo Santander. Centenas de indústrias também paralisaram suas atividades, como – para citar apenas seis casos – a Companhia Aeronáutica Paulista (CAP – monomotor “Paulistinha”), a Fábrica Nacional de Motores (montadora do caminhão FNM), Gurgel (carros e utilitários), Indústria Nacional de Armas (INA), Leonam (máquina de costura) e o outrora poderoso grupo Matarazzo, todos eles importantes em seu tempo para o desenvolvimento do país.

A grande pergunta é: por quê? O que teria motivado essa saída de cena? Como as pessoas, as empresas nascem, crescem e morrem. E assim como não é comum que o ser humano tenha uma vida muito longa, também é raro empresas viverem muito tempo, como observa o professor de Finanças da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), José Roberto Savoia. Organizações, como a Câmara dos Lordes, da Inglaterra, podem existir por centenas de anos, mas não é o que acontece com organizações privadas. Citando Michael E. Porter – na opinião de Savoia, o autor mais consagrado na gestão das organizações – “tudo se resume a gestão”.

Gestão terceirizada

Entre os fatores que ameaçam a existência das empresas estão alguns problemas corriqueiros, tais como, a troca de bastão, dos fundadores para os herdeiros, uma situação em que os segundos nem sempre se acham adequadamente preparados ou sequer interessados no trabalho que os espera; e as mudanças econômicas externas, aqui incluídas as interferências governamentais no mercado e as alterações do próprio mercado, em contínua evolução.

Não faltam exemplos de brigas sucessórias que colocaram ponto final na história de um sem-número de empresas. No entanto, de acordo com o professor Savoia, nos Estados Unidos as companhias familiares, mesmo em menor número, estão com visão mais avançada. É que, para prevenir desavenças na família, os fundadores confiaram a terceiros a gerência de muitas delas – profissionais qualificados que garantem a continuidade da empresa, mesmo no caso de não haver herdeiros. Caso houver, eles podem seguir sua própria vocação e ainda, se preferirem, apenas desfrutarem da fortuna que passarem a receber. Esta tem sido uma forma eficiente de driblar o velho, conhecido e inseparável trio: dinheiro, poder e brigas.

No Brasil, muitas empresas grandes e poderosas não conseguiram evitar seu próprio fim, vítimas exatamente da guerra sucessória. O caso do Grupo Matarazzo é emblemático. Após 40 anos de atividade à frente da holding, Francisco Matarazzo, o Conde Chiquinho, morreu, deixando o controle do maior conglomerado empresarial do país para a filha caçula Maria Pia, em detrimento dos filhos homens que trabalhavam com ele há muitos anos. A herdeira colocou em prática uma completa reforma administrativa, visando concentrar a atividade nos principais ramos da companhia: papel, químico e álcool. Ao mesmo tempo, desativou antigas unidades deficitárias e vendeu todo o setor têxtil. Enquanto isso, como a vida imita as novelas, Maria Pia passou a enfrentar acirrada disputa com os irmãos pelo controle da holding. Como se fosse pouco, a economia brasileira, na oportunidade, sofria as consequências de duas maxidesvalorizações cambiais, em 1981 e 1983. E assim, após duas concordatas – uma delas para 27 empresas –, Maria Pia abriu mão, em 1986, do controle das principais empresas do conglomerado: a Cerâmica Matarazzo, a Matarazzo Papéis e a Matarazzo Embalagens.

Quem viveu e conviveu de perto com o nascimento, vida e morte de muitas empresas – no caso específico das lojas de São Paulo – foi o economista Marcel Solimeo, superintendente da Associação Comercial de São Paulo (aquela que criou o impostômetro, ferramenta que contabiliza os tributos arrecadados no Brasil, pela União, Estados e Municípios, segundo a segundo). Há 52 anos na entidade, Solimeo conta que seu primeiro emprego foi na Casas Pirani, “a gigante do Brás”, como ela se vendia, na Avenida Celso Garcia. Era 1954, ano em que a capital comemorava 400 anos de fundação. Natural de Duartina, cidade perto de Bauru, e, então com 17 anos, o rapazinho passava para ir ao trabalho, obrigatoriamente, defronte as lojas Paschoal Bianco (móveis) e Eletroradiobraz (eletrodomésticos), entre a Rua Bresser e o Largo da Concórdia. Ele se recorda que a Pirani vendia de tudo, de móveis a eletrodomésticos e com filial na Avenida São João, a unidade destruída pelo incêndio que consumiu os 29 andares do Edifício Andraus, em 24 de fevereiro de 1972.

Solimeo até acha graça ao lembrar-se do modus operandi do varejo daquele tempo: já havia crediário, mas o cliente precisava fazer ficha cadastral e ainda levar seu fiador – que também tinha de cumprir a mesma exigência. Um informante checava as informações e finalmente, depois de uma semana, o cliente conseguia o crédito. Só que o problema de levar para casa o produto que havia adquirido era dele – ele que se virasse com o carreto. E ai dele se não pagasse as prestações; sem a menor cerimônia, funcionários da loja rumavam até a residência do cliente e levavam embora o bem comprado.

As pessoas iam “à cidade”, como era chamado o centro. O Mappin era referência e chegou a ser considerado o ponto comercial mais valioso da América Latina. Seu elegante salão de chá era frequentado por moças e senhoras de tailleur, assim como cavalheiros de ternos impecáveis (aliás, terno era obrigatório até para assistir a jogos de futebol nos estádios).

Havia também muitas outras lojas chiques: a Casas Eduardo, a Mesbla da Rua 24 de Maio, a Casa José Silva, a Ducal, a Camisaria Kosmos (que oferecia camisas semiprontas), a Marcel Modas, a loja Cisne...

Avenida dos camelôs

Para Solimeo, uma pessoa daqueles tempos que deixou muita saudade foi Girz Aronson, dono da G. Aronson. “Era uma figura”, ele destaca. “Começou vendendo perucas e depois eletrodomésticos. Chamava todo mundo de menino e abriu várias lojas. Fazia questão de atender ele mesmo os clientes, e tinha uma política de preços agressiva, que obrigava os concorrentes a dançarem miudinho para competir.” Solimeo acentua que outra lenda do comércio foi Samuel Klein, da Casas Bahia, varejo que atualmente faz parte do grupo Pão de Açúcar. “Seu diferencial era a flexibilidade para conceder crédito”, diz.

Tudo passa, infelizmente. A cidade cresceu e até a movimentada Avenida Celso Garcia, mudou: virou mão única, deixou de ser polo comercial e hoje só abriga camelôs. O número de consultas ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), considerado um indicador das maiores lojas de varejo, retrata essas transformações. Lembra Solimeo que, da lista dos 25 maiores estabelecimentos citados em 1965, não existe mais nenhum. E que na lista de 1985 sobrevivem menos da metade, se tanto. “Uma das explicações para tantas falências e fechamentos encontra resposta em fatores externos, tais como inflação alta e choques econômicos; e internos, consubstanciados no envelhecimento dos donos e na falta de planejamento”, sugere Solimeo.

O executivo da Associação Comercial de São Paulo afirma que o varejo evoluiu, modernizou-se. Tem competência em nível internacional e ficou extremamente complexo. O crédito deslanchou depois do Plano Real, mas o comércio, assim como todas as áreas, continua sofrendo intervenções econômicas de todo tipo. Por isso, empresas médias não sobrevivem – não têm a flexibilidade das pequenas, nem as possibilidades das grandes.

O fato é que as empresas, grandes ou pequenas, estão sujeitas às leis do mercado, cada vez mais dinâmico e exigente. Para ilustrar, pode ser citado o caso da indústria de chapéus, que, ou foi produzir outra coisa, ou fechou as portas para sempre por absoluta falta de demanda. Isso aconteceu também com as fábricas de fraldas de pano e as de máquinas de escrever. É que, na lei da oferta e da procura, quem manda é a procura. Por isso, mesmo que no começo os produtos inovadores tivessem um preço alto, logo demonstravam para o consumidor que a relação custo/benefício compensava. Assim, com a grande procura, a oferta aumentou e o preço baixou.

Fraldas descartáveis ilustram bem o que aconteceu: no início dos anos 1980 o preço era proibitivo e só as mães da classe média e alta podiam adquiri-las. Mesmo assim, eram usadas apenas para sair, ir ao médico, fazer uma visita. Em casa, os bebês usavam as fraldas de pano mesmo, que eram trabalhosamente lavadas, fervidas e passadas a ferro. Com o tempo, as descartáveis foram se popularizando e hoje nem a mais pobre das mães pensa em dispensá-las – a tal ponto que estão se transformando em problema ambiental.

Também as vantagens do computador logo demonstraram ser muito maiores que as da máquina de escrever, mesmo antes do advento da internet. Corrigir um texto escrito a máquina dava um trabalho danado: além de rabiscar, riscar e puxar setas com novas frases, muitas vezes o papel acabava no lixo. Tudo mudou: agora, o editor de texto do computador permite a economia de tempo, facilitando infinitas correções, tipos e tamanhos de letras e configurações.

Tudo faz parte da dinâmica dos mercados em que as empresas estão inseridas. Por isso, diz o professor Savoia, elas devem acompanhar as mudanças tecnológicas para não serem pegas de surpresa e despreparadas, serem engolidas pelas concorrentes habituadas a acompanhar o tempo. Ele aconselha aos gestores seguir de perto os fatores externos – dizendo que isto é mais importante do que se imagina. Como exemplo do que o despreparo pode provocar, ele lembra o que aconteceu quando o presidente Fernando Collor fez a abertura de mercado. O Brasil, até então um país fechado para o exterior, e acomodado à tranquilidade do mercado interno e leis de proteção ao produto local, viu-se de repente sujeito à acirrada concorrência internacional. Deu no que deu: muitas empresas brasileiras não conseguiram responder ao desafio e foram à falência. Outras, sacudidas pelo balde de água fria, correram atrás do prejuízo e trataram de se adequar às novas circunstâncias.

Barrinhas de cereal

Foi assim que entrou em ação a palavra mágica: inovação. “Inovação é fundamental na vida das empresas, na sua relação com o consumidor e no desenvolvimento de produtos e processos”, ensina o professor Savoia. É necessário ver o mundo, refletir sobre qual rumo a empresa deve tomar, e como se posicionar em relação aos concorrentes e às mudanças de mercado – que estão cada vez mais velozes. E decidir também qual sua estratégia: seu produto deve durar ou ser de consumo rápido? Por exemplo, resolver se sua linha de roupas deve ser a clássica, que nunca sai de moda, ou a fast-fashion, de giro rápido e descartável.

Por essas e outras, as histórias de algumas empresas tradicionais que ficaram pelo caminho merecem ser contadas. Decididamente, duas das maiores lojas de varejo que sobrevivem na memória dos brasileiros, especialmente dos habitantes do sudeste, atendiam pelos nomes Mappin e Mesbla. O Mappin havia sido inaugurado em São Paulo no começo do século 20. No início da década de 1950 foi adquirido pelo empresário cafeeiro Alberto Alves Filho, que fez dela uma empresa inovadora, aumentou o número de unidades, aperfeiçoou o sistema de crediário, montou financeira própria e depois o crédito automático. Com a sua morte, em 1982, a rede de magazines passou a ser comandada por Cosette Alves, que continuou a expansão da empresa, oferecendo uma grande variedade de produtos e abrindo várias lojas.

A situação, porém, começou a mudar quando, em 1995, a empresa comunicou ao mercado o maior prejuízo de sua história: R$ 19,46 milhões. Cosette não pretendia vender o Mappin, mas o empresário Ricardo Mansur insistiu. Depois de uma infinidade de conversas, em 1996, a primeira vendeu e o segundo adquiriu um dos mais charmosos varejos paulistanos por R$ 25 milhões. O projeto de Mansur para o Mappin era transformá-lo em uma rede de franquias. Mas nenhum plano deu certo e a empresa teve a sua falência decretada em 1999. É que a união de suas operações com a Mesbla prejudicou o Mappin, pois seu controlador apenas implantou crises sem conseguir resolvê-las (conta-se que as lojas eram esvaziadas para abastecer a Mesbla).

Pouco antes da falência, a situação da Mesbla-Mappin era desesperadora: faltava dinheiro no caixa e o atraso no pagamento de fornecedores era crônico. Por isso mesmo, surgiram inúmeros pedidos de falência, além de ameaças de despejo em todos os shoppings onde as lojas estavam estabelecidas.

Em 1980, a Mesbla ocupava o primeiro lugar entre as “Maiores e Melhores” da revista “Exame”, e detinha a liderança do comércio varejista de não alimentos do país. Nesta época, ela operava com quase 140 pontos de venda, empregava 28 mil pessoas, e raras eram suas unidades que ocupavam áreas comerciais inferiores a 3 mil metros quadrados. Em suas lojas compravam-se sapatos, perfumes, televisores, joias, lanchas e até automóveis pelo crediário.

A Mesbla atuou também no comércio internacional, com filial em Nova York. Dentre os vários negócios realizados pela Mesbla Comércio Internacional S.A., uma das integrantes do grupo, um se destacou: a venda de 60 mil caminhões à China, no valor de US$ 900 milhões. Na década de 1990, os problemas começaram. A empresa sofria de gigantismo, era lenta ao tomar decisões e não conseguia acompanhar as mudanças – como a vinda de grandes empresas estrangeiras para o Brasil intensificando a concorrência –, já acirrada pelos shoppings centers e hipermercados, situados nos bairros e mais próximos do consumidor. Em 1997, com dívidas superiores a R$ 1 bilhão, a Mesbla pediu concordata. No mesmo ano, seu controle acionário foi vendido ao empresário Ricardo Mansur, que nove meses antes havia comprado as lojas do Mappin.

A falência também rondou muitas outras áreas. A da aviação, por exemplo, foi uma delas, no caso provocada pelo represamento dos preços das passagens, aumento do custo do combustível, pela alta do dólar e desvalorização da moeda e, principalmente, pelo alto endividamento. Em 2002, a Transbrasil desapareceu logo seguida pela Vasp (2005) e pela Varig (2006). Todas deixaram saudade, especialmente a Varig.

Tanto isso é verdade que a nostalgia é a aposta de um musical que estreou no último mês de agosto, em São Paulo: Constellation – Uma Viagem Musical pelos Anos 50, que retrata a época em que a Varig adquiriu o Super Constellation G. A luxuosa aeronave reduziu o tempo de voo entre Rio de Janeiro e Nova York, de mais de 70 horas (com escalas) para cerca de 20 (direto). Fundada em 1927, a Viação Aérea Rio-grandense (era seu nome) tornou-se, entre as décadas de 1950 e 1970, uma das maiores e mais conhecidas companhias aéreas privadas do mundo, concorrendo até mesmo com a gigante americana Pan Am, hoje também desativada (saiu de cena em 1991).

A empresa era conhecida, entre outros diferenciais, pelo requintado serviço de bordo nas três classes, um luxo ante as barrinhas de cereal atuais. Entre outros agrados, eram servidos jantares preparados por chefs, regados a vinhos finíssimos. Naquela época, além de cobrir todo o Brasil, a Varig operava rotas internacionais para a América, Europa, África e Ásia. Mas, como dizem, era bom demais para durar. Em 2006, após ter entrado em processo de recuperação judicial, sua parte estrutural e financeiramente boa foi isolada e vendida para a Varig Logística S.A., que, no ano seguinte foi cedida para a Gol Linhas Aéreas.