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Os chineses estão chegando

Setor automotivo atrai atenção dos asiáticos / Foto: Nacho Doce/Reuters
Setor automotivo atrai atenção dos asiáticos / Foto: Nacho Doce/Reuters

Por: CARLA SCHTRUK

De camiseta, calça jeans e tênis, ao estilo de Steve Jobs, o empresário sobe ao palco para apresentar o novo modelo de celular produzido por sua empresa. Não estamos, porém, nos Estados Unidos. A cena se passa muito longe do Vale do Silício, na Califórnia, sede da Apple, a fábrica de tecnologia imortalizada por Jobs. Trata-se de mais uma performance de Lei Jun, de 43 anos, dono da Xiaomi Technology, fabricante chinesa de smartphones com faturamento anual de cerca de US$ 2 bilhões. Declaradamente inspirado em Jobs, o empresário investe em marketing e na divulgação dos lançamentos – os novos produtos desaparecem das prateleiras das lojas em pouco tempo. Em mais um ponto Jun se parece com os empreendedores californianos do ramo da informática. Diferentemente de boa parte da indústria da China, a Xiaomi Technology destina elevadas somas a pesquisa e desenvolvimento. Ele representa a nova face da economia chinesa, que se esforça para deixar de ser fornecedora de itens baratos e de qualidade duvidosa para se tornar uma produtora de bens de alto valor agregado. “As lideranças chinesas sabem que a inovação é o futuro e a chave para o crescimento de longo prazo e há alguns anos começaram a prestar muita atenção nisso”, diz Bob Stembridge, analista de propriedade intelectual da consultoria americana Thomson Reuters.

Recentemente, o governo chinês divulgou suas novas diretrizes econômicas de curto e médio prazo, que devem ser cumpridas, em sua totalidade, até 2020. Prevê-se a concretização de algumas delas até 2015, com destaque, por exemplo, para o registro de 2 milhões anuais de novas patentes nos próximos dois anos – só em 2009, o número alcançado foi de aproximadamente 600 mil. Nos Estados Unidos, apenas para efeito de comparação, foram obtidas, naquele ano, 480 mil novas patentes e, no Brasil, somente 22.681. “O novo programa econômico chinês é ambicioso e o governo está fazendo de tudo para promover a inovação, passo que, certamente, afetará a economia global”, afirma Stembridge. Nesse campo, algumas áreas são prioritárias, como novas alternativas para geração de energia, telecomunicações, tecnologia da informação e indústria automotiva (principalmente de peças para automóveis). Políticas de incentivo já estão em curso para possibilitar esse salto de crescimento. O pacote inclui a diminuição de impostos para empresas inovadoras e bônus anual para empreendedores que criarem novos serviços e produtos. Atualmente, 2,2% do PIB da China já é aplicado em pesquisa e desenvolvimento, praticamente o dobro do investimento brasileiro.

As decisões do novo governo chinês, nas mãos de Xi Jinping desde o começo do ano, são acompanhadas de perto no mundo todo. De acordo com o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), as estratégias de desenvolvimento implementadas por Pequim poderão trazer mudanças nas relações comerciais entre os dois países. Hoje, a China, a segunda nação mais rica do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, é o maior parceiro comercial do Brasil. No ano passado, a corrente de comércio bilateral entre as duas economias somou US$ 75,4 bilhões, segundo Brasília. Até 2016, ambos os países acreditam que esse montante deverá dobrar – a projeção se justifica, segundo analistas de mercado, pelas expectativas de expansão da economia chinesa, que somente no primeiro trimestre deste ano avançou cerca de 7%.

Política agressiva

De acordo com um estudo do centro de pesquisas americano Brookings Institution, cerca de 520 milhões de pessoas devem ingressar na classe média chinesa nas próximas décadas. A renda per capita também deverá aumentar, como vem acontecendo na maioria dos países que constituem o grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Além disso, a ascensão da classe C provavelmente irá conduzir a China a novos patamares de consumo, tanto por parte de pessoas físicas como do governo, com espaço, por exemplo, para um volume maior de aquisição de automóveis e outros bens. “Seguindo os passos dos países ricos, que conquistaram um notável crescimento no passado, a China está se industrializando e se modernizando”, diz o economista Dani Rodrik, professor da Escola de Governo John F. Kennedy, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. “Como o país tem força crescente no comércio internacional, será preciso encontrar novas formas de incrementar os negócios com os chineses.”

Nesse novo cenário, a pauta de exportações brasileiras para a China deverá passar por modificações. Hoje, ela é dominada por commodities, como minério de ferro, alimentos e petróleo, itens de menor valor agregado e fortemente sujeitos a oscilações do mercado internacional. No ano passado, a China absorveu quase a metade dos embarques de minério de ferro brasileiros e uma parcela similar de soja. Segundo projeções mundiais do banco HSBC divulgadas no início do ano, deverá haver uma demanda crescente na China por produtos dos setores de máquinas industriais, ferro, aço, equipamentos de transporte e veículos. O crescimento da construção civil, a necessidade de obras de infraestrutura e o aumento do parque industrial chinês dão embasamento a essa previsão. O governo brasileiro vem incentivando a participação de fabricantes nacionais em feiras de negócios naquele país, especialmente aqueles que produzem artigos que podem agradar à nova classe média chinesa, como chocolate e bebidas alcoólicas. De acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), há oportunidades para exportadores dos mais variados setores.

O desafio que está lançado, na visão de analistas de mercado e economistas, é como vender para essa nova China. Segundo o economista Roberto Dumas, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), de São Paulo, as empresas brasileiras precisarão levar cada vez mais em conta o mercado chinês para continuar crescendo. “A força mundial do país no mundo tende a aumentar, cabendo estudar, portanto, meios para fazer a ponte do comércio com os chineses”, diz. Atualmente, apenas 57 empresas brasileiras têm investimentos na China, de acordo com um levantamento do Conselho Empresarial Brasil-China. Dessas, 21% são representantes de companhias de mineração e energia; 51%, prestadoras de serviços e 28% estão fisicamente presentes com unidades de produção. É pouco. De acordo com o estudo, a China é o destino de apenas 0,06% dos investimentos diretos do Brasil no exterior. Pouco conhecimento do mercado chinês e dificuldades para lidar com a cultura e a burocracia locais seriam as principais explicações para esse desempenho tímido.

A China, por sua vez, não esconde sua política agressiva de investimentos no Brasil, tanto que já foram anunciadas aplicações aqui que ascendem a dezenas de bilhões de dólares. Esse gigante econômico, que abriga uma população de quase 1,4 bilhão de pessoas e amedronta empresas comerciais e industriais de todos os continentes, dada a voracidade com que tem ido às compras no exterior, vem atuando com desenvoltura na instalação, fusão e aquisição de linhas de produção em solo brasileiro. Notícias recentes dão conta de que, de 2009 a 2012, a China investiu US$ 21,5 bilhões no Brasil com esses objetivos, o equivalente a 16,1% do total das transações registradas no período e um salto fenomenal ante a participação de somente 0,1% entre os anos de 2005 e 2008.

Interesse das montadoras

Estimativa do CEBC reporta a aplicação de US$ 12,6 bilhões apenas em 2010, dinheiro que foi destinado, em parte, à aquisição das unidades brasileiras da espanhola Repsol, da norueguesa Statoil e de sete concessionárias de energia de capital espanhol que passaram para o comando da State Grid Corporation of China. Na realidade, os negócios dessa estatal chinesa no país vão além, incluindo a construção de subestações e o firme desejo de participar da geração, transmissão e distribuição de eletricidade, áreas em que está decidida a investir US$ 5 bilhões até 2015.

A lista é longa. A fabricante de produtos de telecomunicações Huawei, que atua na área de banda larga fixa e móvel, comunicou que pretende construir um centro de pesquisa em Campinas, no interior paulista, mediante um aporte de US$ 300 milhões. A montadora Chana Motors (Changan), a terceira maior da China e que há anos vende seus veículos em território brasileiro, também deverá se instalar industrialmente no país, a exemplo da Chery Automobile, da JAC Motors e da Shacman, três outras importantes montadoras chinesas. Em atividade no Brasil desde 2009 e com sede administrativa em Salto, no interior de São Paulo, a Chery investe no momento na construção de uma linha de produção no município paulista de Jacareí, no vale do Paraíba. O plano da empresa é montar, anualmente, de 150 mil a 170 mil unidades de alguns dos sete modelos que a marca comercializa no mercado interno.

A JAC Motors, por sua vez, estaria desembolsando R$ 900 milhões na construção de uma fábrica no Polo Industrial de Camaçari, na Bahia, em área total de 5 milhões de metros quadrados, planta que terá capacidade anual de produção da ordem de 100 mil veículos. Já a Shacman, conforme notícia publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, vai destinar R$ 400 milhões à edificação de uma linha de montagem de caminhões em Tatuí, a 140 quilômetros da capital paulista, unidade fabril que terá a participação acionária do grupo brasileiro Metro-Shacman e será capacitada a fabricar, anualmente, 10 mil veículos pesados.

Na área eletrônica os investimentos chineses também têm se revelado substanciais. Um bom exemplo está em Jundiaí, a 60 quilômetros de São Paulo, onde a Foxconn produz iPhones e iPads para a Apple e já emprega cerca de 3 mil pessoas. Incentivos fiscais, que chegam a 80% de desconto nos impostos, de acordo com o governo brasileiro, contribuíram para que a empresa se estabelecesse naquele município. Além disso, é dada preferência à mão de obra pouco qualificada, de chão de fábrica, que ganha salário de R$ 1,15 mil, particularidade que ajuda a manter os custos baixos. Os operários da unidade de Jundiaí fabricam produtos que abastecem o mercado nacional e também são exportados para a Argentina.

Segundo o economista Rodrik, a vinda de empresas chinesas para o Brasil e outros países emergentes vai além da necessidade de baixar custos ao obter gordos incentivos fiscais. Faria parte do planejamento estratégico do governo chinês a intenção de utilizar as condições favoráveis atuais à instalação de suas indústrias no Brasil para que seus produtos possam ser aperfeiçoados aqui. O objetivo é que eles atinjam um padrão de qualidade maior, comparável ao obtido pela indústria de países como Estados Unidos e Alemanha. “Os chineses começaram a sonhar em competir de igual para igual com as nações mais ricas e industrializadas”, sugere Rodrik. Mesmo na China, a indústria tem muitos pontos a seu favor. Ela é beneficiada com empréstimos a taxas de juros baixas e aceita, ao menos inicialmente, retornos financeiros pouco atraentes como parte da política de crescimento do país, explica o professor da Escola de Governo John F. Kennedy.

“É preciso acordar”

“Competir com um modelo de negócios como esse não é fácil. Agora, além de lutar contra a pirataria e a concorrência calcada no preço mais baixo, os parceiros comerciais da China vão precisar se tornar mais produtivos”, diz Rodrik. De acordo com estudiosos do tema, se não superar problemas como logística pouco eficiente, baixa escolaridade dos trabalhadores e uma legislação tributária complexa, o Brasil terá de redobrar esforços para participar do novo cenário econômico global, especialmente no que diz respeito à China. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a produtividade brasileira não tem crescido. Os anos 1980 foram os mais dramáticos – naquela década, o índice caiu cerca de 1,35% a cada exercício. Na década de 1990, apenas diminuiu o ritmo de queda, que ficou em 1% ao ano. De lá para cá, o crescimento da produtividade tem sido de 0,9% ao ano. E tem sido pouco representativo inclusive na expansão do PIB brasileiro, cujo ritmo de aumento de 3,7% em média ao ano, de 2001 a 2011, é atribuído em grande parte à geração de emprego – e de renda – e ao aumento da população ativa. No caso chinês, acontece o oposto – o incremento da produtividade, que cresce a uma taxa média de 9% ao ano, foi responsável por quase a totalidade (93%) do desenvolvimento econômico. O país tem feito investimentos em capacitação de mão de obra e em educação, maquinário e aquisição de tecnologia.

Na visão dos especialistas, o Brasil ainda está longe de alcançar a mesma competitividade. Segundo estudos da Organização Internacional do Trabalho, um brasileiro precisa trabalhar um número de horas quatro ou cinco vezes maior que um americano ou alemão para produzir a mesma coisa, e a baixa escolaridade estaria entre os principais motivos desse atraso. No país do futebol e do carnaval, um terço da população com idade entre 15 e 64 anos é constituído por analfabetos funcionais – pessoas que não conseguem interpretar um texto ou fazer cálculos matemáticos simples –, de acordo com dados do Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf), do Instituto Paulo Montenegro, vinculado ao Ibope.

Na China, onde o analfabetismo caiu de 18% em 1982 para menos de 1% em 2009, têm sido realizados esforços visíveis para o aperfeiçoamento da qualidade do ensino. Em 2009, a China obteve o primeiro lugar no teste do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), que mede o grau de conhecimento de alunos de todo o planeta em áreas como matemática e linguagem. O Brasil ocupou, no mesmo ano, a 54ª posição. Segundo a pesquisadora Fernanda de Negri, do Ipea, um dos maiores desafios atuais do país é a qualificação da mão de obra, capaz de melhorar os indicadores de produtividade e levar o país a novos patamares de desenvolvimento, inclusive no que diz respeito à concorrência com a China e outros países.

De acordo com um estudo do economista Otaviano Canuto, vice-presidente da Rede de Redução da Pobreza e Gerenciamento Econômico, ligada ao Banco Mundial, o Brasil já foi ultrapassado pelos demais países do grupo dos Brics no que respeita à exportação de produtos de alta tecnologia. Hoje, o país responde por 2,6% da produção científica global, segundo um levantamento da agência Thomson Reuters, enquanto a China já é responsável por 11%. “É preciso acordar para a necessidade premente de resolver problemas estruturais e criar um ambiente de inovação para fazer negócios com os chineses”, diz Stembridge.

Se as grandes indústrias chinesas estão lançando âncoras na direção do mercado brasileiro, é natural que as instituições bancárias do país asiático façam o mesmo. O maior banco chinês, o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC), por exemplo, já aterrissou em São Paulo. Com ativos de US$ 2,7 trilhões (dados de 2012), um valor maior até que o PIB brasileiro (US$ 2,42 trilhões, em janeiro passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o ICBC está iniciando sua caminhada no Brasil como banco comercial e de investimentos, além de realizar operações no mercado de câmbio. “Temos interesse em participar de qualquer área que ajude a desenvolver a relação entre a China e o Brasil”, disse em depoimento à imprensa o presidente do ICBC Brasil, Zhao Guicai.

 


 

Brasileiros aprendem mandarim

A importância crescente das relações comerciais com a China está fazendo com que mais brasileiros estudem mandarim. Desde 2011, todos os novos diplomatas que ingressam no Instituto Rio Branco são orientados a cursar pelo menos três semestres do idioma chinês.

A tendência é que mais brasileiros se inscrevam em cursos de mandarim no país, segundo Luís Antonio Paulino, diretor no Brasil do Instituto Confúcio, escola ligada ao governo chinês. Somente no ano passado, cinco empresas chinesas com filiais no Brasil procuraram o Instituto Confúcio na tentativa de recrutar alunos para vagas recém-abertas, relata Paulino. Diversas agências de intercâmbio e a Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Econômico (CBCDE) também já oferecem programas na China para quem pretende estudar a língua local. A maioria dos cursos, com duração média de um mês, é realizada em Pequim ou Xangai. No ano passado, cerca de 750 brasileiros passaram temporadas estudando mandarim em terras chinesas.

Segundo institutos de ensino e órgãos do governo chinês, a procura pelo estudo do idioma no Brasil tem sido crescente. Em São Paulo, colégios tradicionais, como Dante Alighieri e São Bento, já oferecem cursos optativos do idioma. O objetivo é habilitar a criança a assimilar a fonética e a gramática chinesas, difíceis para os padrões ocidentais e que no mandarim são representadas por cerca de 60 mil símbolos. Sem o mínimo de conhecimento, é praticamente impossível a comunicação. “Falar ao menos um pouco da língua ajuda no momento de fechar um negócio”, diz Liang Yan, do Centro de Língua e Cultura Chinesa (Chinbra).