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A capital dos negócios

São Paulo no calendário global da indústria da moda / Foto: Thiago Bernardes/Frame/Folhapress
São Paulo no calendário global da indústria da moda / Foto: Thiago Bernardes/Frame/Folhapress

Por: ANDRÉ CAMPOS

Os dias da capital paulista como “locomotiva industrial” do Brasil estão ficando definitivamente no passado. Nas últimas décadas, a cidade passou a trilhar um caminho diferente, consolidando-se cada vez mais como um importante centro de serviços e negócios – relevante não só para o Brasil, mas também em escala internacional. Nos próximos 12 anos, São Paulo será a metrópole global que mais evoluirá no mundo em termos de competitividade, segundo um relatório divulgado em junho pelo grupo britânico de mídia The Economist – o índice baseia-se na capacidade de atrair capital, empresas, talentos e visitantes. E, em 2025, a maior cidade do Brasil ocupará a 36a posição entre as cidades mais competitivas do mundo.

O status de São Paulo como uma metrópole global está umbilicalmente ligado ao crescimento do turismo como um dos mais dinâmicos segmentos de sua economia. Nos últimos sete anos, o total de visitantes, sejam eles domésticos ou internacionais, aumentou 33%. Só em 2012, de acordo com projeção do Observatório do Turismo da Cidade de São Paulo, a cidade recebeu 12,6 milhões de pessoas, um número superior à sua própria população.

O turismo em São Paulo também se destaca na comparação com outras regiões do país. Em 2012, chegaram aos aeroportos paulistas 2,1 milhões de estrangeiros, ou aproximadamente um terço do total que ingressou no país. É quase o dobro do número de viajantes internacionais que desembarcaram no segundo destino mais procurado, o Rio de Janeiro.

O crescimento desse setor vem inclusive ajudando a rechear os cofres públicos da cidade. Entre 2005 e 2012, segundo a Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico, a participação do turismo na arrecadação de impostos sobre serviços saltou de R$ 87 milhões para R$ 236 milhões. Além disso, os visitantes injetam cada vez mais dinheiro na economia local – somente no ano passado, foram R$ 10,5 bilhões, estima o Observatório do Turismo municipal.

Ao contrário de outros pontos do país, que atraem pessoas principalmente devido a opções de lazer, o turismo paulistano tem nos negócios sua principal razão de ser. A participação em feiras, convenções, congressos e outros compromissos profissionais motiva a presença de três em cada quatro dos hóspedes instalados em hotéis e flats paulistanos. “São mais de 90 mil eventos por ano, ou um a cada seis minutos”, ilustra Marcelo Rehder, presidente da São Paulo Turismo (SPTuris), empresa de turismo e eventos que tem a prefeitura como acionista majoritária.

Hospedagem, lazer, alimentação e transporte são apenas alguns exemplos de segmentos que se beneficiam com a estadia desses visitantes. “Para a realização de um único evento, o turismo de negócios envolve 56 setores econômicos”, enfatiza Marcelo Dias Calado, presidente do Conselho de Turismo e Negócios da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

No horizonte dos próximos anos, surge um cenário otimista para o setor. O Anuário Estatístico 2013 do Observatório do Turismo prevê, até 2020, um crescimento superior a 30% no número de visitantes na cidade. Já o Índice MasterCard de Destinos Globais, divulgado em maio, estabelece que, se for mantida a atual expansão, São Paulo irá superar Buenos Aires e a Cidade do México em 2017, tornando-se o principal destino latino-americano para viagens internacionais.

Segundo os especialistas ouvidos por Problemas Brasileiros, investimentos em infraestrutura e na própria qualidade de vida paulistana são urgentes e imprescindíveis para atender adequadamente essa multidão de novos visitantes. “Se a cidade não é boa para seu povo, também não será boa para o turista”, pondera Toni Sando, presidente executivo do São Paulo Convention & Visitors Bureau – entidade que atua para ampliar, através da atividade turística, o volume de negócios e o mercado de consumo na capital paulista.

Novos espaços

De acordo com a SPTuris, São Paulo responde por 70% do mercado atual de feiras de negócios no país. A demanda aquecida impulsiona investimentos no setor, incluindo obras de ampliação em alguns dos principais espaços privados da cidade – entre eles os centros de convenções Frei Caneca e Rebouças. Também o Centro de Exposições Imigrantes almeja voos mais altos. Em 2013, o governo do estado iniciou licitação para escolher um novo concessionário para o local, e o vencedor terá de viabilizar investimentos de R$ 320 milhões na ampliação e modernização das instalações.

Apesar dessas iniciativas, a escassez de espaços vem se colocando como um problema crescente para os promotores de eventos na cidade. A agenda lotada dos pavilhões paulistanos estimula inclusive a migração de novas feiras e exposições para outras localidades brasileiras, como o Rio de Janeiro e Curitiba. “Chegamos ao nosso limite”, avalia Calado. “É preciso criar um novo centro de eventos do porte que a cidade merece.”

A construção do Expo São Paulo, no bairro de Pirituba, é, sem dúvida, a mais ambiciosa proposta nesse sentido. Encampado pela prefeitura desde 2010, o projeto – apelidado de “Piritubão” – prevê a abertura de um megacomplexo na zona norte da cidade, concebido para ocupar área de 5 milhões de metros quadrados. O empreendimento supera em quatro vezes o tamanho do Parque Anhembi, hoje o maior centro de exposições não só de São Paulo mas de toda a América Latina. O novo centro de exposições da capital paulista vai sair do papel graças a aportes de capital dos governos federal, estadual e municipal e da iniciativa privada.

A viabilização dessa obra faraônica faz parte das contrapartidas oferecidas pela municipalidade paulistana para que a cidade de São Paulo seja a sede da Exposição Universal de 2020 (Expo 2020). Com duração de seis meses, a Exposição Universal é considerada o terceiro maior evento internacional em número de visitantes e impacto econômico, atrás apenas da Copa do Mundo e das Olimpíadas. A eleição da cidade-sede acontecerá em novembro, e a capital paulista está concorrendo com Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, Izmir, na Turquia, e Iekaterinburg, na Rússia.

“Os megaeventos sinalizam para quem trabalha com infraestrutura o pretexto para estabelecer cronogramas e entregar obras dentro dos prazos”, lembra Sando. Mas, ainda que o “Piritubão” não fique pronto até 2020, Rehder destaca que há alternativas a considerar. “Uma delas é a ampliação do próprio Anhembi”, diz ele. Inaugurado em 1970 e atualmente com 400 mil metros quadrados de área total e estacionamento para 8,5 mil veículos, o Anhembi é resultado do sonho do publicitário Caio de Alcântara Machado, pioneiro das grandes feiras no país e o responsável pela construção do enorme espaço de exposição. Transformado numa autarquia da prefeitura em 1975, o Anhembi sedia 30% dos principais eventos realizados no Brasil, recebendo anualmente 11 milhões de pessoas.

Além de viabilizar novos espaços, melhorar as condições dos aeroportos é outra necessidade prioritária destacada pelo Plano de Turismo Municipal 2011-2014, elaborado pela SPTuris. “Para alcançar o padrão de qualidade internacional, é preciso aumentar o índice de conforto aos usuários, com mais salas, mais balcões de atendimento, e investimentos em tecnologias como sistemas de biometria e leitores óticos de passaporte”, recomenda o documento.

O governo federal pôs em prática uma política de privatização dos aeroportos brasileiros que culminou, em fevereiro de 2012, com a concessão à iniciativa privada do Aeroporto Internacional de Guarulhos, o maior entre os que servem a cidade. Ele foi arrematado por R$ 16 bilhões pelo consórcio Grupar, que inclui fundos de pensão brasileiros e a sul-africana Airports Company South Africa (Acsa). Estão previstos investimentos de R$ 6 bilhões – metade deles até a Copa de 2014 – na modernização do local, achando-se já em andamento as obras de um novo terminal, projetado para atender 12 milhões de passageiros anuais.

Também está sendo ampliado o Aeroporto de Cumbica, mas, apesar das melhorias, que incluem reformas nos banheiros e estacionamentos, Calado acredita que as obras não resolverão os problemas do turismo na cidade. “É um projeto que já nasce saturado”, avalia. Em 2007, o Planalto chegou a anunciar a intenção de erguer um terceiro aeroporto na Grande São Paulo. “Foi uma promessa que não se concretizou”, lamenta o representante da FecomercioSP.

Hospedagem

Na realidade, os problemas de infraestrutura aeroportuária não se resumem ao que ocorre dentro dos terminais. Alternativas para o deslocamento dos turistas, dos aeroportos até o centro da capital, são outra necessidade urgente identificada pelo Plano de Turismo Municipal. O Aeroporto de Congonhas já está sendo atendido pela implantação de um monotrilho que o ligará ao metrô – o trecho deve ser concluído pelo governo estadual no segundo semestre de 2014. Em relação ao terminal de Guarulhos, no entanto, as ideias permanecem no papel.

Em maio de 2013, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou o abandono da proposta de criar o Expresso Aeroporto – trem projetado para interligar Cumbica, em poucos minutos e sem estações intermediárias, ao centro da capital paulista. Decidiu, em compensação, ampliar a futura Linha 13 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Com a mudança, ela passará a ter 11 quilômetros, conectando o bairro do Brás ao Aeroporto de Guarulhos. Da Avenida Paulista, por exemplo, o passageiro será obrigado a passar por três linhas do Metrô e duas da CPTM antes de chegar ao aeroporto. O trajeto total, nesse contexto, deverá durar mais que uma hora.

A mudança não agradou ao presidente executivo do São Paulo Convention & Visitors Bureau. “É uma visão míope do que é necessário para nossa cidade”, queixa-se Sando. De acordo com o governo estadual, os investidores perderam o interesse no Expresso Aeroporto devido ao projeto federal para a criação de um “trem-bala” ligando o Rio de Janeiro a São Paulo. A iniciativa, de realização ainda incerta, prevê conexões com os aeroportos de Guarulhos e de Viracopos, em Campinas, além do Campo de Marte, na zona norte da capital. A licitação do “trem-bala” já foi adiada algumas vezes e, atualmente, está prevista para setembro de 2013.

“A mobilidade urbana é o grande desafio que temos hoje”, avalia Calado. Ele lembra que o custo de logística é um dos fatores que encarecem o turismo de negócios em São Paulo. “Pouco contamos com o transporte público. O setor é obrigado a adotar opções mais caras, que dão mais fluência no deslocamento.” Armando Campos Mello, diretor superintendente do Sindicato de Empresas de Promoção, Organização e Montagem de Feiras, Congressos e Eventos do Estado de São Paulo (Sindiprom/SP), lembra que os problemas de locomoção na cidade demandam esforços redobrados na gestão inteligente do calendário paulistano. “Temos praticamente uma feira por dia. Caso ocorram outros grandes eventos simultaneamente, em especial em dias de chuva, será o caos”, exemplifica.

Além da logística, o custo da estadia é outro problema que tira a competitividade do turismo paulistano. “Temos uma oferta de hospedagem em todas as faixas de valor, mas, para as necessidades de acomodação maciça por ocasião de feiras, a cidade ainda está um pouco cara”, avalia Mello. Em abril de 2012, o governo federal anunciou a inclusão da hotelaria no Plano Brasil Maior, através do qual foram adotadas medidas de incentivo a cadeias produtivas consideradas estratégicas. Os empreendimentos do ramo foram isentados da contribuição patronal ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 20% sobre a folha de pagamentos. Ela foi substituída por uma alíquota de 2% sobre o faturamento das empresas. “Acreditamos que essa medida é um passo importante, mas estamos acompanhando de perto para que se reflita em preços mais competitivos para o cliente final”, afirma Calado. De acordo com Bruno Hideo Omori, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Estado de São Paulo (Abih-SP), já está havendo uma significativa redução das tarifas por conta da desoneração. “Além disso, é uma medida importante para alavancar investimentos em reformas e melhorias”, observa.

“Fique mais um dia”

Em 2013, a nova gestão da prefeitura de São Paulo deu início a uma rodada de reuniões públicas para a revisão do Plano Diretor Estratégico, aprovado há mais de dez anos. Omori espera que esse processo resulte em regras mais claras sobre uso e ocupação do solo na cidade, capazes de beneficiar a instalação de novos hotéis. “O zoneamento da cidade é muito confuso, e isso inibe investimentos”, diz ele. “Muitas vezes, temos normas diversas em diferentes pontos de mesma rua.”

Além dos problemas de infraestrutura, pesquisas do Observatório do Turismo de São Paulo colocam a violência urbana entre os principais fatores que afastam os turistas. Essa é uma realidade preocupante, dado o aumento, nos últimos dois anos, de alguns dos principais índices de criminalidade da capital. No primeiro trimestre de 2013, houve um crescimento de 17% na taxa de homicídios e de 48% na de latrocínios – roubos seguidos de morte –, na comparação com o mesmo período de 2011. Os registros desses dois tipos de crime haviam caído sistematicamente durante a primeira década do século.

A capital paulista possui, atualmente, cinco delegacias especializadas no atendimento ao turista. “Nós precisamos de mais”, cobra Sando. “Maior segurança para turistas inclui, além do policiamento ostensivo e preventivo, iluminação e intervenções urbanísticas”, lembra o Plano de Turismo Municipal.

Divulgada em dezembro de 2012, uma pesquisa do Observatório do Turismo mostra que os estrangeiros são apenas uma minoria (15%) dos turistas que se hospedam na capital paulista. “Muitos deles são microempresários ou autônomos, que chegam do interior de carro e vão procurar hotéis simples no centro da cidade”, explica Débora Cordeiro Braga, pesquisadora do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Apesar da importância desse segmento, diz ela, faltam políticas públicas voltadas à qualidade no atendimento desses visitantes. “O turista de negócios não é só aquele que se hospeda nos cinco estrelas”, argumenta.

Outra deficiência, segundo Débora Braga, é a falta de incentivos para que o turista que vem a trabalho aproveite as opções culturais e de lazer oferecidas pela cidade. “Existe uma ideia de que ele não teria tempo ou interesse nesse tipo de coisa, o que não é verdade”, avalia. De acordo com a pesquisadora, há necessidade da presença mais efetiva das agências de turismo receptivo em locais como feiras e lobbys de hotéis, visando oferecer opções de roteiros a esses visitantes.

Tal lacuna também é identificada pela SPTuris, que promove atualmente o programa São Paulo – Fique Mais um Dia. Através dele, a empresa da prefeitura fornece guias, roteiros e outros materiais informativos para os promotores de eventos da capital. A ideia é que, em feiras e outros espaços, sejam divulgadas aos turistas de negócios as opções de passeios existentes na região. Nos últimos anos, a SPTuris também aumentou o investimento em ferramentas virtuais de divulgação, incluindo a criação de um aplicativo para celular – o SPMobile – que reúne dados da oferta turística, cultural e de serviços paulistana.

De acordo com cálculos da entidade, se cada um desses visitantes permanecesse mais um dia na capital, aproveitando as diversas opções de lazer e entretenimento, haveria a entrada de mais R$ 1,5 bilhão na economia de São Paulo. Isso representaria ao menos R$ 15 milhões a mais em impostos e, potencialmente, 97 mil novos postos de trabalho.

Outras prioridades recentes da SPTuris foram a abertura de novas Centrais de Informação Turística – em locais como o Mercado Municipal – e a capacitação da mão de obra paulistana para melhor atender o visitante. Trata-se de uma iniciativa realizada, desde 2008, por meio do projeto CapaCidade. “Já treinamos cerca de 4 mil pessoas, entre taxistas, agentes de viagens, guias turísticos, policiais militares e guardas civis metropolitanos”, informa Rehder.

De olho na Copa do Mundo, também o governo federal, em parceria com as entidades do Sistema S (expressão que designa conjuntamente entidades sociais e de aprendizagem administradas pelos empresários de indústria, comércio e transporte, como Sesc, Sesi , Senac, Senai e Senat), se mobilizou para promover a qualificação turística na cidade. O Pronatec Copa, cujas matrículas tiveram início no primeiro semestre de 2013, tem como objetivo capacitar 240 mil pessoas em nível nacional – o programa abrange, além de São Paulo, aproximadamente outras 120 cidades. Serão ministrados cursos presenciais e gratuitos, visando dar formação aos trabalhadores locais para atuar durante o evento.

Passada a euforia da Copa, o desafio será manter – e ampliar – esse tipo de ação na agenda permanente das políticas para o turismo paulistano. “Capacitação é um processo contínuo, não é algo a ser feito só de vez em quando”, lembra Mello, do Sindiprom/SP.