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A questão energética
José Goldemberg é doutor em ciências físicas pela Universidade de São Paulo, da qual foi reitor. Presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Companhia Energética de São Paulo, foi secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, de Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente da Presidência da República. Foi ainda ministro da Educação do Governo Federal.
Seus trabalhos técnicos e livros sobre física nuclear, energia e meio ambiente lhe trouxeram reconhecimento internacional, como o KPCB Prize for Greentech Policy Innovators, o Blue Planet Prize, da Asahi Glass Foundation, do Japão, o Trieste Science Prize, da Academia de Ciência do Terceiro Mundo, e o Prêmio Zayed de Energia do Futuro.
Esta palestra de José Goldemberg, com o tema “A Questão Energética”, foi proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 11 de abril de 2013.
Inicialmente vou apresentar os fatos sobre a questão energética brasileira, sem opiniões e comentários, para depois discutir os problemas que enfrentamos.
Na matriz energética brasileira, a fração dominante é o petróleo, que representa 40%. Depois vem o gás natural, com 9%, pequenas contribuições de urânio, nos reatores nucleares de Angra dos Reis, e um pouco de carvão mineral. São fontes de energia não renováveis, somando 54%. As restantes são renováveis, sendo as principais a hidráulica e a energia derivada do uso de produtos de cana-de-açúcar sob duas formas, etanol e eletricidade. Temos ainda a lenha, muito usada no interior, e outras como a energia eólica e a solar.
Se compararmos o Brasil com o resto do mundo, verificamos que temos uma situação excepcional, no sentido positivo da palavra. Nos Estados Unidos, 91% é energia não renovável, que vem do petróleo, gás e carvão. No mundo todo, 78% da energia é não renovável, contra 17%, renovável.
Há uma discussão sobre a energia nuclear, se deve ser considerada como renovável ou não. Não é renovável no sentido de que depende de minerais que não vão durar para sempre. Acontece que vão durar muito tempo, diferentemente do petróleo, cujo tempo de vida esperado é de 30 a 40 anos.
No Brasil, na área de petróleo a situação não é desconfortável, embora possa ser considerada complicada. A produção normal da Petrobras nos deixa próximos da autossuficiência. E à medida que o tempo passa vão entrando outros componentes, novas descobertas que não são exatamente do pré-sal e o próprio pré-sal. Atualmente a produção de petróleo na área do pré-sal é de aproximadamente 300 mil barris por dia, um sexto da produção nacional. É uma extração complicada e cara, porque está a mais de 100 quilômetros da costa, exigindo um grande esforço logístico. Outra coisa: no Brasil, todos os poços do pré-sal até estão dentro das 200 milhas, mas já começam a surgir prospecções além desse limite, o que vai acabar criando problemas internacionais.
As pessoas costumam perguntar quanto custa um barril de petróleo do pré-sal. No mercado internacional hoje o preço do produto está próximo de US$ 100 dólares por barril, com algumas oscilações. Na Arábia Saudita, entretanto, vale menos de US$ 10. A dúvida então é saber quanto custa produzir um barril no pré-sal. Não temos experiência suficiente para responder. Outros países também fazem exploração em regiões profundas, mas não tão profundas quanto as nossas. Os técnicos da estatal não dão uma resposta muito clara, mas o valor estimado é de aproximadamente US$ 60 por barril. Portanto, é caro, e se o preço do petróleo cair no mercado internacional ficará inviável.
Os Estados Unidos importam aproximadamente 8 milhões de barris de petróleo por dia. Se deixarem de importar petróleo do Oriente Médio, por conta do gás de xisto que estão pesquisando, o preço vai despencar e pode sobrar petróleo no mundo. Isso certamente teria reflexos graves na produção brasileira. Ainda assim seríamos autossuficientes, mas com uma autossuficiência caríssima. No entanto, esse não é um problema imediato, pois as coisas estão relativamente confortáveis.
Consumo de energia x PIB
Quanto à eletricidade, a situação é bem mais complexa. O planejamento do sistema elétrico brasileiro é feito com base em uma hipótese que é considerada como uma coisa religiosa. Fui presidente da Cesp [Companhia Energética de São Paulo] e os engenheiros de lá me diziam: o Produto Interno Bruto cresce junto com o consumo de eletricidade e ponto final. Ou seja, existe uma relação linear entre o consumo de eletricidade e o PIB, uma ideia intuitiva. Mas há um monte de ideias intuitivas que estão erradas. Por exemplo, o argumento de que se você tiver um automóvel vai gastar certa quantidade de energia, se tiver dois automóveis gastará o dobro não é verdadeiro. Se uma pessoa tem dois automóveis, não usa necessariamente ambos com a mesma intensidade. Mas essa é uma consideração de caráter religioso dentro do sistema de planejamento brasileiro.
Em geral o horizonte de planejamento é de 20 anos. Em 2010 fez-se um plano de curto alcance para 2020 e outro para 2030. O de 2030 é o Plano Nacional de Energia (PNE), que está enfrentando tantas dificuldades que deixou de ser publicado, está encalhado no Ministério de Minas e Energia (MME), porque creio que bateu nos técnicos a noção de que planejar para o longo prazo é difícil e fazer isso com hipóteses simplistas é mais difícil ainda. O único planejamento sério que existe no Brasil é decenal, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Ela faz um projeto para os dez anos seguintes, ou seja, em 2010 saiu o plano para 2020, em 2011, para 2021, e assim por diante. É um trabalho muito importante porque mobiliza os empreiteiros. Mesmo assim, a hipótese da linearidade entre PIB e consumo de energia é altamente questionável, mas infelizmente ainda é base para o planejamento energético brasileiro.
Vejamos a situação que estamos enfrentando concretamente. Em 2011, a quantidade de eletricidade que foi produzida correspondia mais ou menos ao consumo per capita de 2.500 kWh. Como temos 200 milhões de habitantes, isso dá uns 532 mil gigawatts/hora. A fonte hidráulica oferece 80,4% desse montante, com contribuições pequenas de gás natural, derivados de petróleo, carvão, energia nuclear, biomassa etc. Em dezembro de 2011, a hidreletricidade cobriu 86%, as térmicas a gás 3%, a biomassa 1%, a energia nuclear 3%, o carvão mineral 1% e a eólica 1%. Um ano depois, em dezembro de 2012, a participação hidráulica caiu para 73%, enquanto a térmica a gás subiu para 11% e depois vieram as outras. Então em 2012 alguma coisa dramática ocorreu, pois a matriz mudou. Isso aconteceu porque a energia hidrelétrica depende de reservatórios. Até 1990 eles eram planejados para guardar água, mesmo com um regime muito irregular de chuvas, durante dois anos. Acontece que quando há períodos muito secos falta água nos reservatórios. E foi o que aconteceu em nosso país.
O Brasil usa aproximadamente 25% de seu potencial hidrelétrico. Na Europa foram aproveitados 53%, na América do Norte 39%, na América Latina 26% e no mundo, como um todo, 25%. Isso significa que o sistema brasileiro ainda pode crescer muito. É claro que a construção de barragens cria problemas de natureza ambiental e social. Enfrentamos esse problema no passado, mas tudo acabou equacionado de uma maneira que pode ser considerada com muito sucesso. Itaipu, por exemplo, está funcionando há quase 25 anos, com um enorme reservatório em que nunca faltou água. Inundou certas regiões, é certo, mas nada de muito desastroso.
Com o passar dos anos, a potência instalada foi crescendo, mas a capacidade de armazenamento em metros cúbicos de água nos reservatórios parou de crescer em 1990. A partir de então, os reservatórios foram minimizados, devido a problemas sociais e ambientais. As represas estão cada vez menores e agora começaram a criar usinas sem reservatório, usando simplesmente o fluxo da água, como é o caso de Belo Monte. Se ali fosse construído um reservatório, poderíamos gerar quase tanto quanto Itaipu, 10 mil MW, mas ela vai produzir apenas 4 mil MW.
Assim, apesar das vantagens do sistema hidrelétrico, cuja engenharia foi amplamente dominada pelo país, ele está enfrentando esses problemas. E se houver perturbações climáticas importantes, correremos o risco de sofrer falta de energia, como ocorreu em 2001. O racionamento só foi evitado porque finalmente as pessoas acordaram para o fato de que podemos usar energia de uma maneira mais eficiente, a começar pela troca das lâmpadas, que antes eram incandescentes. Ou seja, a partir do ano 2001 a ideia de usar energia de uma maneira mais inteligente começou a entrar na história. No final do governo Fernando Henrique Cardoso, foi feito um grande esforço para instalar usinas termelétricas a gás. Elas foram utilizadas pouquíssimo durante dez anos, mas são elas que estão nos salvando hoje da falta de eletricidade.
Começamos o ano de 2013 com reservatórios muito baixos e como já passou a época das chuvas é pouco provável que consigam recuperar esses níveis. Isso aconteceu em todas as regiões, a que está melhor é a região norte. O consumo está se mantendo constante, com a contribuição hidrelétrica caindo e a participação do gás subindo. O problema é que gás custa caro, três vezes mais que nos Estados Unidos. Se isso continuar durante o ano todo, não conseguiremos suprir o sistema com hidreletricidade, e a eletricidade vai ficar mais cara.
Queda ilusória
Vejamos o que aconteceu recentemente com o sistema gerador de energia. É uma coisa parecida com o que ocorre com outros setores da economia, em que são feitas tentativas de ajustar aqui e acolá. Parece o controle remoto da televisão, com um monte de botões. Apertando todos ao mesmo tempo não se consegue enxergar a imagem direito. No começo do ano, o governo resolveu baixar o custo da eletricidade em aproximadamente 18%. Mas fez isso de uma maneira complicada, porque a grande maioria das hidrelétricas pertence à União e sua exploração é liberada sob concessão. Antigamente não era feito um leilão, como agora, mas, em suma, o poder concedente é do Governo Federal e três anos atrás ele concedeu o direito de exploração. Em 2015 e 2016 terminam algumas concessões e o governo tem duas opções. Uma delas, defendida pela Fiesp, é muito interessante: encerrada a concessão, a usina volta para o governo e se faz nova licitação. Para rejeitar essa ideia, foi usado o argumento de que provavelmente empresários estrangeiros se habilitariam a administrar essas usinas. O governo preferiu então adotar uma opção um pouco mais complicada: como faltam dois ou três anos para renovar a concessão, baixamos o preço da eletricidade em 18% e tornamos mais fácil a renovação da concessão. Foi uma forma de atrair as empresas.
É evidente que o resultado da oferta reduziu o valor das empresas na Bolsa em 30% a 40% imediatamente. Minas Gerais e Paraná não aceitaram o esquema, mas as empresas federais tiveram de aceitar. Com isso, a Eletrobras vai perder toda a capacidade de investimento e de captar empréstimos, porque as hidrelétricas ou usinas de qualquer tipo exigem um grande investimento de capital, a ser recuperado ao longo do tempo. O juro tem de ser baixo, senão a eletricidade fica muito cara.
Mas essa queda de tarifa é ilusória, porque as usinas a gás estão funcionando o tempo todo, quando deveriam apenas suprir a falta de água no sistema hídrico. Se não chover até o fim do ano em quantidade adequada elas não serão suficientes. A pior consequência disso é a queda nos investimentos, pois deixou de ser atraente investir no setor elétrico.
Aparentemente, no afã de baixar as tarifas, o que é considerado por grupos políticos como uma manobra eleitoral, o governo vai acabar tornando a eletricidade mais cara para todo mundo, inclusive para os setores industrial e comercial. O estado de São Paulo tentou utilizar bagaço de cana para gerar eletricidade. Todas as usinas de álcool e açúcar produzem sua própria eletricidade, pois o bagaço está lá mesmo. Mas queimam em equipamentos antigos ineficientes, que poderiam ser melhorados. O governo de São Paulo tentou viabilizar com a União mudanças na legislação, que encorajassem os usineiros a fazer isso, mas não conseguiu, por mil probleminhas que não quero descrever. Além disso, os usineiros frequentemente estão distantes das linhas de transmissão. Quem vai instalar tantos quilômetros de linha?
O estado de São Paulo, como tem muita cana-de-açúcar, produz com bagaço aproximadamente tanto quanto os reatores de Angra dos Reis. Isso poderia ser multiplicado por quatro ou cinco, mas exigiria mudanças importantes.
Outra opção é a energia eólica, que começa a entrar no sistema. Nos leilões que o governo faz, ela está ficando atraente por uma razão perversa: enfrenta sérias dificuldades em se expandir na Europa por causa da crise econômica. As empresas estão com grandes estoques e o preço caiu. É ótimo, é uma oportunidade que o Brasil pode aproveitar. Só que os lugares que têm ventos bons estão na região norte, não tanto no nordeste, locais distantes que precisam de linhas de transmissão. Aí vejam o que acontece: há parques eólicos instalados, mas a linha de transmissão não ficou pronta.
A situação, portanto, não é boa e está se complicando cada vez mais. As ações das empresas hidrelétricas estão caindo e a Bolsa é um bom indicador. O que nos espera para o futuro é que os investimentos nessa área possam se tornar mais problemáticos. Pode-se gerar energia elétrica com petróleo, mas é mais caro e ambientalmente pior. De fato, o movimento ambientalista, que criou tantos problemas em Belo Monte, ainda vai se arrepender de ter feito isso na escala em que fez. Construir hidrelétricas sem reservatórios é tecnicamente um absurdo. Elas diminuem os problemas de meio ambiente, mas ficam reféns de variações no clima e falta de chuva.
O tamanho do reservatório pode ser negociado. Se uma tribo indígena vive no lugar, é preciso tomar alguma providência. Na China esses cuidados não existem, inundam tudo. Na Índia, a construção de hidrelétricas foi praticamente sustada por causa do movimento ambientalista, mas o país tem uma densidade populacional muito grande, e qualquer inundação cria problemas sérios. Mas nossa densidade populacional é baixa.
Para concluir, digo que há o perigo ainda de haver desabastecimento e a maneira de evitá-lo será produzir mais e mais energia com usinas a gás. As nossas já estão operando na capacidade máxima. A saída seria utilizar grandes barcos geradores. Outra possibilidade seria produzir mais gás de xisto, como nos Estados Unidos. Esse gás está salvando o setor energético americano, mas é uma solução mais complicada do que parece.
Debate
PAULO LUDMER – Em adição a sua apresentação, lembro que os reservatórios de acumulação, que não são construídos desde 1986, estão assoreados. Com isso, seu volume útil é desconhecido. Não se fez levantamento batimétrico ao longo dos anos, e o próximo, que deveria ter sido feito em 2002, ocorrerá em 2014. Vale dizer que a situação é mais dramática, infelizmente, do que mostram os dados oficiais.
Quanto ao pré-sal, os desafios tecnológicos ainda não estão totalmente superados para operar naquela profundidade, com tubos de sete quilômetros. Há muitos desafios tecnológicos a superar. Mas gostaria de ouvi-lo sobre a questão do xisto, que traz preocupações ambientais da maior gravidade, já que os produtos químicos injetados para quebrar as rochas podem ameaçar o lençol freático.
OZIRES SILVA – O palestrante colocou bem a eletricidade como foco principal da energia, porque é a forma mais eficiente que conhecemos, extremamente flexível. Mas evitou o uso de uma palavra que parece generalizada hoje na administração pública, que é gerenciamento. Gerenciamento insuficiente e fraco é o que está acontecendo em praticamente todos os setores. A qualidade do planejamento do governo federal baixou dramaticamente nos últimos anos e agora está caindo com uma velocidade espantosa. Penso que o debate central deveria ser esse, porque o crescimento do PIB em relação à necessidade de energia é razoavelmente proporcional. Podemos discutir a proporção, mas o crescimento mundial obriga necessariamente a termos um planejamento de longo prazo de muito melhor qualidade, já que tudo isso é consequência do gerenciamento.
Você coloca que apenas 25% do potencial hidráulico que temos está sendo utilizado e que é o melhor que temos. Penso que deveríamos centrar nossa discussão não nos detalhes, mas no gerenciamento. Sabemos que a política econômica de subvencionar o consumo não deu certo em lugar nenhum do mundo, e teremos de pagar essa conta no futuro.
Gostaria de saber também se você teve conhecimento de uma descoberta excepcional, nos Estados Unidos, de que é possível retirar do carvão uma quantidade expressiva de energia maior do que através do sistema de combustão. Fiquei impressionado porque isso mudaria o mundo. As reservas de carvão são muito maiores do que as de petróleo. Se pudermos efetivamente encontrar outra forma de produzir energia do carvão, chegando aos 80%, como foi anunciado – hoje estamos tirando de 25% a 30% –, imagine a revolução tecnológica que poderíamos alcançar.
MÁRIO ERNESTO HUMBERG – Minha pergunta inclui dois tópicos. O primeiro é a questão do carvão. A proporção do uso de carvão na geração de energia no mundo é de cerca de 30% e no Brasil é de 1%. É verdade que nosso carvão é de má qualidade, mas temos o produto no sul do país que não tem sido usado como fonte de energia, com poucas exceções. Minha pergunta é sobre a viabilidade dessas usinas. A segunda questão refere-se a um estudo que fiz de que é possível reduzir em 20% a 30% o consumo de energia com medidas relativamente simples de economia. Essa porcentagem equivale à produção de uma usina maior do que Belo Monte.
GOLDEMBERG – Quanto ao assoreamento, é verdade, é reflexo do fato de que tem se investido cada vez menos nas atividades de produção e de manutenção. É por isso que há os apagões, que o governo chama de interrupções. Elas são muito frequentes e se devem a uma combinação de incompetências. O que tem ocorrido em todas as empresas, com exceção talvez da Cemig [Companhia Energética de Minas Gerais], é que, como o dinheiro está ficando curto e o valor das empresas está caindo, investem cada vez menos em manutenção. Então não temos dados confiáveis sobre a quantidade de água armazenada.
Em relação ao carvão, ele virou um vilão por causa das emissões de carbono. É claro que se queimarmos carvão com eficiência de 60%, em vez de 30%, vamos emitir metade do carbono para a mesma quantidade de energia gerada. No Japão a eficiência média das usinas térmicas é de 42%, na Índia e na China, de 28%. Então chineses e indianos estão usando muito mais carbono do que realmente precisariam. A tecnologia que elevaria para 60% a 80% está em fase piloto, sobretudo nos Estados Unidos. No primeiro período da presidência de Barack Obama, havia um secretário de energia muito bom, de origem chinesa, Steven Chu, ex-professor na Universidade de Stanford, na Califórnia, e Prêmio Nobel de Física em 1977, que deu grande ênfase à pesquisa, levando a essa revolução do xisto. Acredito que haverá o renascimento do carvão, isso vai implicar em captura e armazenamento de carbono, que é uma tecnologia conhecida, só que essas coisas são caras. Temos de nos preparar para uma era de energia um pouco mais dispendiosa.
Em relação a gerenciamento fraco, penso que não é só nessa área que ocorre. No setor de energia não há no Brasil grupos que tenham feito planejamento fora do governo, o que é lamentável. Na USP ou no ITA, ninguém fez planejamento energético alternativo.
Finalmente, a questão da eficiência energética é de fato muito importante, mas faço uma consideração. O consumo energético brasileiro per capita ainda é pequeno, bem menor do que o da Europa. A grande ênfase em eficiência energética é um conceito eurocentrista. No Brasil há o problema de desperdício de energia. Por exemplo, na Vila Olímpia e na Avenida Paulista estão encapsulando edifícios em estufas de vidro. Com isso vão gastar muito dinheiro com ar-condicionado. Deveriam colocar painéis solares nesses vidros, gerando a energia necessária, mas os arquitetos ainda não acordaram para essa questão.
A eficiência energética é possível, já foi introduzida aqui em iluminação, mas em outras áreas é muito incipiente. Há programas do governo e uma maneira boa de fazer é etiquetar os produtos elétricos, como fazem nas geladeiras. Mas a etiquetagem que temos é informativa, diz apenas quanto aquele eletrodoméstico gasta de energia.
EDUARDO SILVA – Trabalhei com as estatais de energia e pude perceber que elas eram muito fechadas, não ofereciam oportunidade para a participação nem informavam um pouco mais sobre o que estavam fazendo. Será que a produção de energia não foi prejudicada por essa falta de transparência? Se trabalhamos com energia, temos de saber expandi-la, distribuí-la, colocá-la à disposição de todos.
LENINA POMERANZ – Já que se fala de eficiência administrativa, o senhor fez referência aos problemas das empresas, como a Cesp. Na distribuição o senhor já deu a ideia de que são ineficientes mesmo, mas estou interessada em saber se, vinculada à queda da tarifa de energia que o governo quis fazer, essa taxa de retorno que a empresa considera viável tem alguma coisa a ver com o nível de eficiência das empresas.
LUIZ GORNSTEIN – A oposição critica o governo porque não aumenta o preço da gasolina para não ter inflação. O senhor considera a política do governo razoável? A Petrobras é a empresa mais lucrativa do Brasil. O país está andando e o consumidor, lá na bomba de combustível, é o maior acionista da Petrobras.
ÁLVARO MORTARI – A respeito das usinas hidrelétricas, meia dúzia de índios estão atrapalhando completamente a nova política energética. Até onde essa proteção do meio ambiente e dos índios é válida com relação ao grande problema que vai surgir com a falta de energia elétrica?
FRANCISCO BARBOSA – Utilizando um pouco de ironia, será que para não ter problemas com a deficiência de sua estrutura, inclusive de energia elétrica, o governo impede o país de crescer para os problemas não aflorarem? No governo Dilma, vai crescer menos que 2% ao ano, o que é a continuidade do que acontece desde 1980, com média anual composta de 2,5%.
GOLDEMBERG – Na questão da transparência, levantada pelo Eduardo, há um problema cultural. Na época gloriosa das grandes estatais, sobretudo a partir de 1964 com o período militar, a norma era não ter transparência mesmo. Prevalecia o governo tecnocrático, no sentido de que ele tinha as pessoas teoricamente competentes etc. Acontece que, de fato, havia gente competente nesse período. A Eletrobras foi uma empresa extraordinariamente competente, conduzida durante muitos anos por Mário Bhering. Como o regime era fechado, o problema da transparência não se colocava. Hoje a sociedade não aceita mais isso, o que está ligado à questão indígena em Belo Monte.
Tipicamente, uma hidrelétrica grande atinge 10 a 20 mil pessoas no máximo, às vezes são índios. Nesse caso é um pouco mais complicado por causa das leis que os protegem. Mas qualquer uma dessas hidrelétricas vai produzir eletricidade para 4 a 5 milhões de pessoas, ou seja, o quanto aqueles 20 mil serão prejudicados é questionável, porque talvez sejam até beneficiados. Os movimentos populares foram muito politizados e usados como moeda eleitoral. Aí realmente seria preciso um pouco mais de coragem do governo. Se o problema de Belo Monte fosse explicado com todas as letras para a população, as pessoas acabariam entendendo.
Quanto ao PIB e ao preço da gasolina, só posso falar como cidadão, não como técnico. É demagogia. Na Venezuela a gasolina é baratíssima. Mas estão jogando a conta para o futuro, no curto prazo é demagogia. Fixar o preço da gasolina é de fato absurdo, inclusive está asfixiando o programa do álcool, que é muito bom.
Quanto à Cesp, o governo paulista há anos está tentando vender a empresa inteira, e vários pedaços da Cesp já foram vendidos. Haverá mais uma rodada, à medida que as concessões forem terminando. O governo não conseguiu privatizar a empresa por causa do movimento sindical, então fica adiando.
LENINA – Mas por que fechar a Cesp?
GOLDEMBERG – Porque ela deixou de ser viável há muito tempo, perdeu a capacidade de investimento. É simples.
CLÁUDIO CONTADOR – A transposição do rio São Francisco é um dos projetos considerados a menina dos olhos do governo, apesar de toda a polêmica sobre custo-benefício. Recentemente assisti a um debate na televisão em que falaram do custo energético de bombeamento de água, que até esse momento ninguém havia citado. O custo é tão grande assim?
GOLDEMBERG – Sim, esse problema foi muito discutido há uns seis ou sete anos. Estive envolvido nisso, mas não me lembro bem dos números. Há necessidade de bombear a água uns 200 metros acima, por causa da topografia. A ex-União Soviética fez isso com o mar de Aral. Se algo deu origem ao movimento ambientalista no mundo foi o que aconteceu com o mar de Aral. Era o maior lago de água doce do mundo. Por volta de 1930, os soviéticos importavam muito algodão e o governo resolveu desviar a água dos rios que alimentavam o mar de Aral e supriam a União Soviética toda de peixe, para os campos de algodão. Tornaram-se autossuficientes em algodão, mas a produção de peixes caiu extraordinariamente. Hoje o mar de Aral está praticamente seco, já não tem água suficiente para a irrigação.
Grandes projetos precisam de planejamento a longo prazo, o que é muito difícil de fazer. Isso é válido para o São Francisco também. O rio, como está agora, já tem deficiências em suprimento de água, sobretudo por causa da usina de Paulo Afonso. Com o desvio de grandes quantidades de água, haverá sérios problemas no futuro.
MALCOLM FOREST – Pelo que pude abstrair de alguns momentos de sua apresentação, o mapa do potencial energético renovável brasileiro situa-se muito na região norte do Brasil. Isso pode ser um vetor de um novo modelo de desenvolvimento econômico para a região? Ou seja, hoje estamos produzindo mais no sul e sudeste com energia escassa, enquanto no nordeste, além da energia, também há outros fatores até logísticos, como a proximidade maior da Europa, América do Norte e Canal do Panamá. Isso pode mudar o mapa econômico brasileiro?
GOLDEMBERG – Penso que sim. Já mudou, aliás. A produção de alumínio fica no Maranhão porque a usina de Tucuruí produz eletricidade barata e abundante. Há claramente um redirecionamento para essa região.
MALCOLM – Como o senhor vê a questão do desmatamento ou, colocando de forma mais positiva, do reflorestamento, também como um vetor para melhorar tanto a situação do aquecimento global como também para termos mais água para reservatórios?
GOLDEMBERG – O desmatamento que estava ocorrendo na Amazônia era tão irracional que acabou caindo, pois foram tomadas as providências. Não era nem uma questão de ser ambientalista ou não, era irracionalidade mesmo. Está havendo agora um fenômeno importante, que é o rebrotamento. A biomassa tem uma característica extremamente interessante, pois absorve energia solar e a guarda. A recuperação da Floresta Amazônica é o melhor método de captar carbono.
JOÃO TOMAS DO AMARAL – O senhor comentou que o consumo per capita brasileiro é menor que o europeu. Na Europa, vou pegar o exemplo português, nas pequenas aldeias todo habitante tem acesso à energia elétrica, praticamente os 12 milhões de portugueses têm acesso à energia elétrica. No Brasil não temos a população toda com acesso a essa energia. Então vamos ter realmente um coeficiente menor.
O senhor também comentou a respeito dos prédios encapsulados por vidros, enquanto na Europa estão sendo utilizadas a energia eólica e a solar de maneira muito efetiva. As construções já são aparelhadas com painéis solares, e o excesso que uma residência produz pode ser vendido para o sistema. Nós também pagamos por um gás dos mais caros do mundo. Como vê essas questões?
GOLDEMBERG – O grosso da energia elétrica no Brasil deverá ser produzido em grandes unidades. Células fotovoltaicas no telhado, energia eólica etc. são complementares. É cedo demais para pensar que poderiam substituir as hidrelétricas ou termelétricas. Temos de otimizar o sistema de hidrelétricas e térmicas no Brasil durante um longo tempo, mas com eficiência. Na Europa se constrói pouco, lá o problema é reformar as casas, melhorar o sistema de calefação etc. No Brasil se constrói extraordinariamente, então é preciso fazê-lo corretamente. Temos ponderado isso nos programas de casas populares, insistimos para que se coloque um painel solar no teto para pelo menos esquentar água. Se há uma coisa irracional do ponto de vista de termodinâmica é aquecer água com eletricidade, o sol o faz muito bem. São coisas todas a longo prazo, como dimensões de um planejamento um pouco mais racional.
NEY PRADO – Parece que tiramos deste encontro um consenso de que a política governamental na área energética está muito aquém das necessidades do país. O senhor tem condições de traçar o perfil técnico da presidente, tendo sido ministra de Minas e Energia?
GOLDEMBERG – Ela foi secretária de energia do estado do Rio Grande do Sul e depois ministra. Os gaúchos têm muita geração térmica com carvão. Mas essas pessoas foram à escola há 30 ou 40 anos e não se atualizaram. Algumas não frequentaram boas escolas, e isso vale para a pessoa mencionada. E o desvio ideológico está presente o tempo todo. A visão do governo é baixar a tarifa para beneficiar os pobres. Baixa a tarifa de energia elétrica, beneficia os pobres, mas os grandes usuários de eletricidade também. Então fica a dúvida: quem está sendo beneficiado, os pobres ou as indústrias eletrointensivas?
ZEVI GHIVELDER – Queria saber qual é a percentagem de brasileiros que hoje realmente conta com energia elétrica.
GOLDEMBERG – É alta. O Luz para Todos foi um programa de eletrificação rural que atingiu 10 milhões de pessoas. Atualmente o número de pessoas que não têm eletricidade deve ser inferior a 5 milhões. Estão em lugares tão afastados que realmente não dá para supri-los. A África do Sul tem programas iguais.
PAULO NATHANAEL – O que se verifica neste momento é que o governo está consciente dos problemas e tenta encontrar caminhos, mas tem condicionamentos muito fortes que complicam suas ações. A gestão está reduzida a atos táticos, quase sempre muito empíricos. O estratégico, que é mais científico, está abandonado, não se fala mais em ação estratégica no Brasil. São os tais puxadinhos, as supostas isenções fiscais. Estou de pleno acordo com o Ozires, o problema da gestão está comprometido e o país vai pagar um altíssimo preço por isso.
ADIB JATENE – Lemos nos jornais que existe um potencial implantado de energia eólica que não resulta em nada, porque não há linhas de transmissão. Como é que conseguem implantar um conjunto energético sem pensar na sua transmissão? Por outro lado, tenho estudado o orçamento da União e vejo que o governo perdeu o poder de investir, porque não há sobra no orçamento, gasta mais com pessoal e encargos do que com os recursos para investimento. Como sair de uma encrenca desse tamanho? O governo tenta resolver com associação público-privada, mas o setor privado não participa, ele é reticente, vê as dificuldades e não comparece. Para onde vamos?
GOLDEMBERG – Jatene, o governo tradicionalmente tem pouco dinheiro, mas possui o poder de legislar e às vezes medidas legislativas alcançam um efeito muito importante. No caso das eólicas evidentemente é pura incompetência. Isso, aliás, foi dito na presença de quem administra o setor, e ele se defendeu dizendo que tinha uma concorrência para construir a linha, mas o empreiteiro quebrou.
O ponto levantado é muito importante: qual é o poder que o governo tem? Ele pode facilitar o investimento com os leilões de energia. O governo diz que para o próximo ano precisaremos de x megawatts de eletricidade, faz leilão e os que oferecem preços menores levam. Ao fazer isso, o governo coloca todas as energias no mesmo patamar – eólica, hidrelétrica, nuclear, de carvão etc. Moral da história: a energia da biomassa não progride aqui no Brasil, porque ela é 10% a 20% mais cara do que as outras. Foi dito inúmeras vezes para se fazerem leilões separados. Seria uma medida legislativa simples, que deveria ter sido tomada há um bocado de tempo. Tive a oportunidade de perguntar para o responsável por que não fez isso e ele me deu esta resposta: “Queremos energia ao menor custo, não importa de onde, porque queremos beneficiar os pobres”.
Meus amigos, em conclusão, duas palavras sobre o xisto. Nos Estados Unidos houve uma revolução tecnológica e os americanos, que eram altamente dependentes de petróleo, estão deixando essa dependência, com uma repercussão tremenda na economia. Como aconteceu? Nos Estados Unidos quem possui a terra é dono da superfície e do subsolo, o que não ocorre no Brasil. Então, no momento em que empreendedores mais ousados começaram a furar poços, houve uma corrida como aquela há 150 anos em Oklahoma. A corrida foi tal que no período de dois a três anos foram abertos cerca de 20 mil poços. Aliás, o gás se tornou tão abundante que não está mais valendo a pena abrir um poço.
Agora, a regulação ambiental nos Estados Unidos está na mão dos estados, não da União, e ela não está preparada para essa questão. O xisto não é muito perigoso, à primeira vista, porque o gás se encontra a profundidades de três a quatro quilômetros. As preocupações são porque, quando se quebra o xisto lá embaixo, jogando água com alta pressão misturada com substâncias químicas, um pouco das substâncias acaba migrando para a superfície, contaminando a água. Os órgãos de licenciamento dos Estados Unidos não estavam preparados, então houve essa explosão, mas isso está mudando, no estado de Nova York o pessoal já está indo com mais calma.
É um pouco como o Aquífero Guarani aqui em São Paulo. A melhor comparação que posso fazer é a seguinte: na região de Ribeirão Preto a água que o pessoal usa é do Aquífero Guarani, tanto poço foi aberto lá, com ou sem autorização da Cetesb, que o aquífero está caindo cada vez mais, além de ficar contaminado. Na Europa o uso do xisto está proibido na maioria dos países, porque as pessoas não conseguiram avaliar direito os impactos ambientais. No Brasil não há nada nesse sentido. Disse que seria melhor autorizar alguns poços experimentais, como no pré-sal. Mas nada ocorreu e existe pouca informação.
Eu não sei se aqui poderia acontecer um milagre como nos Estados Unidos, mesmo porque não temos um mapeamento do subsolo como eles têm. Mas já vi nos jornais que no próximo leilão de gás será incluído o gás de xisto e há empresas americanas se associando a brasileiras para essa disputa. Ainda bem que não sou mais secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo...