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Ideias para sair do sufoco
O economista Alexandre Schwartsman lista os desafios do país na área econômica e aponta saídas
Por: CARLOS JULIANO BARROS
Alexandre Schwartsman chega aos 50 anos de idade conhecido no mercado financeiro pelas críticas ácidas, recheadas do mais puro pensamento liberal, à política econômica conduzida pelo governo federal. Graduado em administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em economia pela Universidade de São Paulo (USP), e doutor pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, Schwartsman já foi diretor de assuntos internacionais do Banco Central e atuou como economista-chefe dos bancos Santander e ABN Amro Real.
Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e colunista dos jornais “Folha de S. Paulo” e “Valor Econômico”, esse paulistano que pedala pelo menos três vezes por semana na Cidade Universitária, zona oeste da capital, hoje em dia quase não encara livros de economia. Nos tempos livres, Schwartsman prefere dedicar-se à leitura de obras de biologia evolutiva e à literatura de Philip Roth – por sinal, um de seus projetos de vida é ler a obra completa do escritor americano. Nesta entrevista exclusiva concedida no sóbrio escritório de sua consultoria financeira, nas proximidades do Parque Villa-Lobos, em São Paulo, ele fala sobre os desafios da economia brasileira. “O Brasil não vai crescer e vai ter inflação”, profetiza.
Problemas Brasileiros – Alguns economistas dizem que o Brasil não cresce porque a política econômica do governo privilegia a demanda – a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros é o exemplo clássico – em detrimento da oferta. O senhor concorda com essa avaliação?
Alexandre Schwartsman – Acho que existe um erro de diagnóstico. Costumo dizer que os generais sempre lutam a última guerra. No caso da equipe econômica brasileira, ela está aparentemente reagindo à última crise, entre 2008 e 2009. Naquele momento, sim, houve um problema de demanda: o crédito estrangulou, as exportações entraram em colapso, e aí a resposta adequada era dar incentivos à demanda. O país se recuperou rapidamente da crise, em parte, também por causa disso. Agora, não parece um problema de demanda, parece um problema mais ligado ao lado da oferta, em algumas dimensões. Uma delas, talvez a principal, diz respeito a taxas de desemprego. Em 2008 e 2009, quando a economia perdeu fôlego, a taxa de desemprego subiu. Mas o que a gente observa hoje é justamente o contrário. Embora o país tenha crescido pouco, a taxa de desemprego veio numa trajetória de queda e se estabilizou nos últimos trimestres em torno de 5,5%.
PB – O aumento da inflação também é reflexo desse descompasso entre oferta e demanda?
Schwartsman – Sim, em particular no mercado de trabalho. Se falta gente, o salário começa a subir num ritmo superior ao da produtividade. O custo unitário do trabalho vem crescendo no Brasil e isso tem duas facetas. Do lado dos serviços, inflação. No setor industrial é um pouco mais complicado. Há um constrangimento no repasse de preços porque existe concorrência externa. Nesse setor, o que a gente via era o aumento do custo unitário do trabalho se transformando em estrangulamento de margem – daí o mau desempenho na área.
PB – Neste ano, o Banco Central retomou a política de aumento de juros para conter a inflação. Qual é sua análise?
Schwartsman – Faz parte do erro de diagnóstico. Em 2011, o governo fez uma política no sentido de incentivar a demanda e permitiu que a inflação saísse do controle, quer dizer, ficasse acima da meta – não estamos falando de uma espiral descontrolada. Mas é uma inflação que vai ficar em torno de 6% e não está com cara de que vai recuar. Agora, o Banco Central se engajou no aumento de juros. Primeiro, é tardio. Segundo, continua valendo o diagnóstico aparentemente errado porque a sinalização do Banco Central é de que eles não vão subir muito a taxa de juros. Provavelmente, não vamos ver uma taxa de juros muito diferente de 9% ao ano. E a grande verdade é que com isso o governo não vai conter a inflação. Minha pergunta é: se ele fosse trazer a inflação para 4,5%, no ano que vem, quanto precisaria [ser o aumento da taxa de juros]? Teria que trazer para a casa de 11,25% ou 11,5%. De qualquer forma, está completamente fora do radar que o Banco Central vá subir a taxa para esse patamar.
PB – Então, para o país crescer, o senhor não vê alternativa a não ser conviver com a inflação?
Schwartsman – Não, acho que a gente não vai crescer e vai ter inflação.
PB – O Prêmio Nobel de economia Paul Krugman ironizou em artigo recente ao dizer que “as taxas de juros mais altas são sempre a solução; o que muda é apenas o problema que elas devem solucionar”. Existem basicamente duas formas de combater a inflação: aumentar os juros ou fazer um aperto fiscal. No momento em que a sociedade clama nas ruas por melhores serviços de saúde, educação e transporte, como se resolve isso?
Schwartsman – Vai terminar com inflação mais alta. De fato, existe um debate meio maluco em alguns países com inflação abaixo da meta, com desemprego altíssimo, e tem gente dizendo que é preciso subir os juros. Isso obviamente é cretino. Não é o caso do Brasil. A gente está com inflação acima da meta e desemprego baixo. A melhor política, se a gente pudesse fazer, seria um aperto do lado fiscal. A grande verdade é que o setor público no Brasil gasta muito. Por baixo, se pegarmos a União, os estados e os municípios podemos falar num nível de gasto público superior a 30% do PIB, com facilidade. A história de que o Brasil foi sujeito a uma camisa de força fiscal, e que por causa disso o investimento é baixo, é absolutamente falsa. Houve uma escolha consciente de aumentar o gasto corrente e não o investimento. Resolvemos fazer um volume enorme de transferências, particularmente sob a forma de aposentadorias e pensões. O Brasil gasta hoje, nessa categoria, o mesmo montante que um país com três vezes mais idosos.
PB – Há quem diga que o grande responsável pela mobilidade social a que vem se assistindo nos últimos tempos é a política de aumento do salário mínimo – o que impacta diretamente a previdência.
Schwartsman – Mas isso vem com um custo. O governo fez uma escolha pela distribuição de renda às expensas do crescimento. Conscientemente ou não, abriu mão do investimento, particularmente do investimento público. Ao mesmo tempo, não foi permitido que o setor privado assumisse essa responsabilidade. Quer dizer: só muito recentemente se admitiu que a iniciativa privada tomasse a frente de alguns investimentos.
PB – O que o senhor achou das recentes concessões de portos e aeroportos?
Schwartsman – Ainda vão ser testadas. Trata-se de uma privatização envergonhada, o governo não acredita nas privatizações. E o que é pior: ele acredita que pode regular tudo, os preços que vão ser cobrados, qual vai ser a taxa de retorno. Obviamente, para atrair o setor privado para uma situação de risco como essa, o empresário até vem, mas vai querer pagar menos ou cobrar mais.
PB – Mas o próprio governo vem repensando os modelos de concessão. No setor de aeroportos, fez uma primeira rodada e já repensou o modelo...
Schwartsman – A ser testado. Mas a questão da modicidade tarifária, o modelo que o governo adotou para as rodovias em 2007 [ganhava o consórcio que cobrasse a menor tarifa de pedágio] parece o modelo que vai guiar as concessões. A questão é muito simples. Um serviço caro é melhor do que serviço nenhum, com custo infinito. O que temos hoje: o caminhoneiro demora dias para percorrer uma estrada esburacada a fim de escoar a soja, chega ao porto e fica esperando seis dias para descarregar! Estamos pagando infinitamente mais caro do que se tivéssemos uma bela estrada asfaltada e com pedágio.
PB – Em recente relatório, a Organização Mundial do Comércio (OMC) aponta que o custo do crédito no país ainda é muito elevado – apesar de o volume de crédito ter crescido de 25% para 50% do PIB em uma década. É necessário reduzir os spreads [a diferença entre o custo que o banco tem para captar dinheiro e a taxa que ele cobra para emprestar] no país?
Schwartsman – Pelo menos agora começaram a medir de uma forma mais correta o spread bancário. Descobriram que era alguma coisa como metade ou menos da metade do que se dizia. Não é um problema trivial, não. Tem a questão da inadimplência, que afeta muito. A questão dos impostos. O governo bem que tentou, tem feito pressão sobre o sistema financeiro, tem colocado os bancos públicos para expandir o crédito, mas ainda não conseguiu resolver o problema.
PB – Na sua opinião, os spreads bancários são altos?
Schwartsman – Falava-se em 25%, mas não era nada disso. É algo na casa de 10% ou 12%, ou seja, não é muito diferente dos spreads bancários que você vê nos sistemas parecidos com o nosso, no México e no Chile, por exemplo. Não parece exagerado.
PB – Mas os cidadãos comuns, que pagam as altas taxas do cartão de crédito e do cheque especial, se sentem usurpados...
Schwartsman – Sim, é caro. Então, não tome crédito no cheque especial. Tome crédito pessoal ou consignado, que são mais baratos. Falta educação financeira, sem dúvida. Os bancos têm sistema de subsídio cruzado. Eles cobram muito de pessoas físicas ou pequenas e médias empresas. Já no âmbito das grandes empresas, o mercado é ferozmente competitivo e os spreads são muito fininhos.
PB – O senhor é um crítico da ideia de que o Brasil atravessa um processo de desindustrialização. Por quê?
Schwartsman – Porque, de maneira geral, é sempre uma forma de tentar arrancar dinheiro do governo. A indústria automobilística, quando vai bem, consegue subsídios porque, afinal de contas, precisa se expandir. Quando vai mal, também consegue subsídios. Existe uma crença de que só a indústria tem bons empregos, só ela gera crescimento de produtividade e isso não tem respaldo nos fatos. Muito pelo contrário. O setor de serviços paga melhor do que o setor industrial. A inovação tecnológica como monopólio da indústria também não é verdade. Há uma série de economias com uma taxa de inovação extraordinária – os Estados Unidos, por exemplo – em que o setor industrial não é o mais importante. Então, existe um fetichismo da indústria, que pede e leva tudo o que quer.
PB – O câmbio agora parece estar se aproximando de um patamar razoável para a indústria...
Schwartsman – Mas não está. É a famosa Lei de Sauer. Perguntaram certa vez ao Wolfgang Sauer [ex-presidente da Volkswagen no Brasil, falecido em abril deste ano] qual seria a taxa de câmbio ideal e ele respondeu: “Sempre 30% acima daquela que está vigorando hoje”. Quando o dólar estava a R$ 1,70, a taxa ideal era R$ 2,10. Aí o câmbio foi para R$ 1,90 e a taxa ideal passou a ser R$ 2,30. Aí o câmbio foi para R$ 2,00 e a taxa ideal foi para R$ 2,50. É sempre um alvo móvel. Temos um problema de baixo crescimento da produtividade no país, é isso o que está matando. E você não vai resolver com taxa de câmbio.
PB – Isso tem a ver com investimentos em inovação, em recursos humanos?
Schwartsman – É mais básico do que isso. É falta de investimento mesmo. A taxa de investimento global do país está na casa de 18% a 19% [do PIB]. Um pouco melhor do que já esteve no passado, quando era de 14% a 15%. É algum progresso. Mas não passamos disso. E por que não? Porque o Brasil é um dos raros lugares que conheço em que o consumo do governo é maior do que o investimento.
PB – O senhor falou de um fetichismo da indústria, mas os maiores países do mundo têm indústrias fortes. O economista sul-coreano Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge, afirma que o Brasil é “acusado” de ser extremamente protecionista, mas só tem a Embraer e a Petrobras porque adotou algum grau de protecionismo. Defender a indústria é necessariamente ruim?
Schwartsman – Se fosse por isso, deveríamos ter uma tremenda indústria de computadores, não é verdade? Fizemos uma lei de informática que protegeu, a ponto de não permitir a entrada de produtos estrangeiros no país, e que foi um fracasso retumbante. No setor de petróleo, o governo protegeu e a Petrobras se deu bem. Se tivessem permitido que outras empresas explorassem petróleo no país, talvez a Petrobras não fosse o que é, mas será que produziríamos mais ou menos petróleo? Vamos olhar para países onde não se permite o investimento estrangeiro no setor de petróleo. No México e na Venezuela não houve nenhuma concorrência. Nesses países, a produção vem em queda. Vamos pegar outro exemplo: o gás de xisto, nos Estados Unidos. Está havendo uma revolução lá. Pergunte se eles fizeram uma campanha “o xisto é nosso”. Basicamente, eles permitem que, tendo condições tecnológicas, qualquer um vá e produza o gás.
PB – Mas, em algum momento da história, os grandes conglomerados empresariais que existem hoje tiveram algum suporte do Estado, como os chaebols, da Coreia do Sul.
Schwartsman – Eu volto a fazer a pergunta: isso foi bom para os chaebols, mas foi bom para o país? A alternativa que seria tentar um desenvolvimento mais aberto teria redundado em fracasso ou em alguma coisa melhor?
PB – No Japão, a Toyota foi beneficiada durante décadas por uma política protecionista e só assim chegou a superar a GM como maior montadora do mundo.
Schwartsman – Muito bom para a Toyota. Se me disserem “proíbam todos os economistas de dar consultoria, só o Alexandre pode dar consultoria”, você acha que vou ficar triste por causa disso? O que vai acontecer com a minha consultoria? Vai ganhar toneladas de dinheiro. Isso seria o melhor para o país?
PB – Mas para o Japão não foi um bom negócio?
Schwartsman – Não sei. A economia japonesa cresceu durante muito tempo e agora está estagnada. O fato é o seguinte: se você não colocar competição nessa história, o desenvolvimento não será sustentável. As nações dão certo quando conseguem criar uma democracia representativa que funcione e que impeça que certos grupos tomem o controle do Estado. Porque, quando tomam o controle, eles se protegem e, a partir do momento em que têm proteção, o incentivo à inovação é muito mais baixo.
PB – Como o senhor avalia a estratégia de o BNDES aportar dinheiro em algumas empresas e criar os chamados “campeões nacionais”?
Schwartsman – Primeiro, não fica claro quais empresas são escolhidas nem por quê. E, de maneira geral, não gosto da história de campeões nacionais. Por que o BNDES e o governo escolhem, em vez de permitir que o mercado escolha? Por que a Apple virou a maior empresa do mundo? Certamente, não foi porque pediu proteção para o governo americano. Foi por ter criado um iPhone, um iPad, um iPod. Isso é bom para a Apple, bom para a economia americana e para o mundo todo. Esse é o caminho do desenvolvimento: inovação, educação, integração comercial. As pessoas apontam a Coreia do Sul e dizem que ela deu certo porque protegeu [a economia]. Certamente, ela fez isso. Agora, o crescimento da Coreia se deu porque eles fizeram um esforço absolutamente extraordinário no campo da educação. E não são os únicos. O Japão também fez e a China está fazendo, amparada num volume de poupança absolutamente colossal.
PB – A diferença é que a Coreia do Sul optou por uma economia mais protegida, porém, ao contrário do Brasil, investiu maciçamente em educação?
Schwartsman – Não é só isso. A Coreia fez uma indústria essencialmente para exportar. Nós fizemos uma indústria para o mercado interno, porque havia uma diferença populacional relevante. Eles colocaram a Hyundai para competir com a GM, com a Toyota – os requerimentos tecnológicos são outros. Nós tentamos proteger a Gurgel e demos com os burros na água. Se proteção fosse o caminho para a prosperidade, não haveria país pobre no mundo. Todo mundo se fechava, fazia a própria indústria e ficava feliz da vida.
PB – O Brasil vem batalhando há anos contra os subsídios da União Europeia aos produtos agrícolas, contra os subsídios dos EUA ao aço, ao algodão, ao suco de laranja...
Schwartsman – Mas, com tudo isso, eles ainda são mais abertos do que nós. Provavelmente, colocamos mais restrições do que eles. O que não quer dizer que as restrições deles estejam certas. Também estão erradas. Não acredito que haja concorrência perfeita, mas o fato de colocar sob concorrência é algo que se traduz em inovação. Será que o sucesso da Embraer foi devido a proteção? Ou o sucesso da Embraer tem algo a ver com um negócio chamado Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que foi criado ao lado da empresa? É verdade que a Embraer custou caro. Mas o salto da Embraer foi a partir do momento em que se privatizou a empresa dizendo “você vai ter que concorrer lá fora”. O setor público tem o papel de fomentar esse tipo de coisa. Agora, nós formamos 20 mil engenheiros por ano, para o tamanho do nosso país, com uma força de trabalho de 97 milhões de pessoas. Vamos competir com quem?