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Um debate necessário
Por: SHIGEAKI UEKI
Diretor comercial e financeiro da Petrobras (1969-1974), ministro de Minas e Energia (1974-1979) e presidente da Petrobras (1979-1984)
O setor de energia, além de representar cerca de 10% da economia, é o item mais importante da geopolítica mundial, apresentando constantes mutações.
A produção crescente de petróleo e gás não convencional do xisto e da areia betuminosa, as recentes descobertas de grandes campos de gás e petróleo no continente africano, a crescente produção de biocombustíveis, além da decisão da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] de limitar a produção em 30 milhões de barris diários para sustentar o valor atual são indicações de que o preço tem mais tendência de baixa do que de alta. Diante desse cenário, é fundamental manter o equilíbrio financeiro da Petrobras e da Eletrobras, para o bem do país. Consideramos preocupantes três aspectos da atual política nacional do setor, que merecem intenso e desapaixonado debate.
Primeiro: a atual política de modicidade de preços e tarifas de energia deve merecer todo nosso apoio, desde que não sacrifique as empresas do setor. A Petrobras, a Eletrobras e outras captam recursos no mercado financeiro nacional e internacional e precisam gerar recursos para pagar os compromissos financeiros já assumidos, além de remunerar seus acionistas. Lamentavelmente, estamos seguindo claramente a equivocada política adotada pela Venezuela e pela Argentina. O modelo que devemos seguir é o da Noruega e o de outros países bem-sucedidos nos campos social, político e econômico.
Se as autoridades do setor julgam que as duas empresas devem aumentar a produtividade, diminuir o empreguismo e reduzir os desperdícios e gastos supérfluos, há muitos outros instrumentos que poderiam ser implementados, ao invés da política atual de criar altos encargos financeiros e, ao mesmo tempo, reduzir drasticamente a rentabilidade, obrigando-as até a registrar prejuízos.
Segundo: é quase impossível que a Petrobras possa fazer face a seus investimentos programados. Em 2012, com a geração de caixa da ordem de US$ 20 bilhões, a empresa investiu quase US$ 40 bilhões. A dívida líquida passou de 1,7 para 2,7 vezes o Ebitda, sigla em inglês para [lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização], em apenas um ano e a projeção de investimentos de US$ 45 bilhões para este ano vai piorar ainda mais esse índice. Em 2012, todas as empresas petrolíferas do mundo investiram cerca de US$ 500 bilhões e a Petrobras sozinha, que tem um peso da ordem de 3%, investiu 8% desse total.
É claro que um dia vamos produzir plenamente nos campos do pré-sal, mas investir agora com tanto ímpeto é uma decisão temerária. O preço futuro do petróleo irá remunerar o investimento? A ENI [Ente Nazionale Idrocarburi], no Cazaquistão, viu seu projeto saltar de US$ 16 bilhões para quase US$ 40 bilhões por causa de dificuldades não previstas. As últimas notícias de que a Petrobras vai vender campos de petróleo produtivos e lucrativos para gerar caixa e investir no pré-sal e implementar alguns outros projetos bilionários são altamente discutíveis.
Terceiro: entre os países produtores, inequivocamente, a pior política adotada é a da Venezuela, seguida pela da Argentina. O subsídio aos derivados de petróleo e da tarifa de energia elétrica está causando o caos naqueles dois países. A demagogia e o populismo, que andam juntos, fazem com que a Venezuela tenha o preço da gasolina mais baixo do mundo e, ainda, subsidia os “pobres” de Nova York. Vende 130 mil barris por dia para Cuba a um preço reduzido e, em pagamento, contrata médicos e policiais daquele país.
Algumas decisões puramente políticas, como foram a aceitação da elevação do preço do gás natural da Bolívia e a elevação da tarifa de energia elétrica excedente do Paraguai, não prevista nos contratos vigentes e antes da amortização dos investimentos feitos pelo Brasil para construir o gasoduto e a Usina de Itaipu, vão custar muito caro para todos nós brasileiros e, particularmente, para os acionistas privados da Petrobras e da Eletrobras.
O ímpeto de nossos políticos para discutir os royalties e onde vamos “gastá-los” é frustrante. Será que ignoram que temos que pagar as dívidas em primeiro lugar e depois poupar para as gerações futuras, como fez a Noruega? Bem diferente da Venezuela e da Argentina, a Noruega resolveu criar, com os recursos do petróleo, um fundo de investimento. A reserva de petróleo da Noruega é bem mais modesta do que a da Venezuela, mas o lucro do fundo norueguês em 2012 foi de quase US$ 80 bilhões, superior a toda receita da Venezuela com sua exportação de petróleo. Esse fundo, de janeiro a março de 2013, apresentou um resultado de US$ 38 bilhões, que corresponde aproximadamente ao valor de 4 milhões de barris de petróleo por dia.
Gostaríamos de sugerir a nossos políticos que aprofundem seus conhecimentos, visitando esses três países: Venezuela, Argentina e Noruega.
Concluindo, devemos, primeiro: recuperar urgentemente a credibilidade da Petrobras e da Eletrobras junto aos investidores; segundo: rever o orçamento plurianual da Petrobras e da Eletrobras e, finalmente, terceiro: deixar de ser menos Venezuela e Argentina para ser mais Noruega.
As ações da Petrobras e da Eletrobras que estão fora do governo e do BNDES pertencem hoje 2/3 a estrangeiros e 1/3 a brasileiros. Essa situação faz com que tenhamos mais estrangeiros procurando explicar que é necessário mais equilíbrio, bom senso e visão estratégica para o setor, do que nós brasileiros.
Os atuais gestores da Petrobras e da Eletrobras são profissionais competentes e reconhecidos internacionalmente. São formados no setor e estão realizando excelente trabalho, mas se faltar apoio e compreensão de Brasília, não terão condições de apresentar resultados positivos.