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Yes, nós fazemos pesquisa de ponta

por Evanildo da Silveira

De alguns anos para cá, o Brasil deixou de ser visto como o eterno país do futuro e passou a ter uma participação e um peso na comunidade internacional mais condizentes com seu tamanho geográfico e econômico. Com a ciência brasileira já está acontecendo algo semelhante. Universidades e outras instituições e centros de pesquisa nacionais começaram a ser vistos com outros olhos, ganharam respeito e reputação no exterior e alguns passaram a atrair estudantes estrangeiros de pós-graduação e pesquisadores, inclusive de nações bem mais avançadas no campo da ciência. Sem falar dos vizinhos latino-americanos, seduzidos também pela proximidade e semelhança da língua. Hoje, há milhares de alunos de fora espalhados por universidades e instituições de pesquisa do país, principalmente das regiões sul e sudeste e da Amazônia.

É difícil contabilizar o número exato: o entra e sai é grande, com muitos vindo por curtos períodos, para cursos ou programas específicos. Há dados, no entanto, que dão uma ideia da presença daqueles que permanecem mais tempo. Um indicador é o total de estrangeiros que estão no país com bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ligada ao Ministério da Educação. Em 2010, eles somavam 706, número que saltou para 1.118 em 2011, um aumento de 58,3%. Esse ritmo de crescimento se mantém em 2012. Até junho, os estrangeiros contemplados totalizavam 949, algo não muito distante da marca registrada em todo o ano passado.

Há ainda outros que vêm financiados por programas de instituições de fomento estaduais, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a qual também oferece bolsas de pós-doutorado para pesquisadores estrangeiros. Além disso, eles recebem recursos para cobertura de despesas de transporte, no valor equivalente ao de uma passagem aérea (categoria econômica), de vinda e volta para si e para o cônjuge e os filhos, e uma mensalidade adicional, tudo isso pago juntamente com a primeira parcela da bolsa. Nos últimos 12 meses, a Fapesp aprovou 260 auxílios a professores visitantes.

É interessante frisar que muitos vêm ao Brasil com bolsas de outras instituições – as universidades ou os centros de pesquisa onde vão estudar. Um exemplo é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo Marcelo Knobel, pró-reitor de graduação daquela instituição de ensino, cerca de 5% do quadro de 24 mil alunos são estrangeiros. Nesse total, porém, estão incluídos os de graduação, que são a maioria, muitos vindos por conta própria. A presença deles, é claro, enriquece o ambiente cultural e social da universidade, mas sua contribuição à ciência brasileira não é assim tão relevante. Mais importante, nesse sentido, é a vinda daqueles já formados em faculdades no exterior e que chegam ao Brasil para fazer cursos de pós-graduação, como mestrado, doutorado e pós-doutorado (pós-doc).

Internacionalização

Há várias razões para os estrangeiros optarem pelas instituições de pesquisa brasileiras, e algumas delas dizem respeito a questões globais e ao próprio país. Outras, mais específicas, se referem ao que é oferecido pelas universidades e pelos laboratórios em termos de infraestrutura, qualidade da ciência desenvolvida e sua inserção internacional. Em relação ao primeiro aspecto, Knobel lembra que há uma tendência – não só aqui, mas em todo o mundo – de internacionalização da educação superior. “Isso ocorre em todos os países e cada vez com maior intensidade”, diz. No Brasil, um exemplo é o programa Ciência sem Fronteiras, que pretende enviar ao exterior 100 mil estudantes brasileiros.

Um outro fator tem estimulado o interesse pelas universidades brasileiras e de outros países emergentes: as restrições impostas aos estrangeiros pelos Estados Unidos logo após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, que destruíram as torres gêmeas do World Trade Center. “Por questões de segurança, tornou-se mais difícil o acesso às universidades americanas”, explica Vanderlei Salvador Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), que costuma atrair muitos pós-graduandos de fora. “Isso abriu oportunidades para universidades de várias partes do mundo”, ele ressalta.

Knobel e Bagnato lembram que o país, hoje, está em evidência, oferecendo mais oportunidades e empregos que os Estados Unidos e muitas nações da Europa. Isso se reflete também em sua ciência, que entrou para o mapa internacional da pesquisa. Somam-se a isso certos aspectos específicos, como as boas condições para trabalhar, notadamente nas melhores universidades nacionais, que dispõem de infraestrutura e laboratórios de primeira linha. “Nos últimos anos, o Brasil investiu muito nessa área e mandou muita gente estudar fora, permitindo a criação interna de tópicos de pesquisa que são atraentes para os estrangeiros. Ou seja, eles já não precisam ir aos Estados Unidos para trabalhar em determinados temas”, diz Bagnato.

O Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica de São Carlos (Cepof), instalado no IFSC da USP, é um exemplo dessa evolução. Ele tem em torno de 60 alunos de pós-graduação, dos quais 12 estrangeiros, em cursos de mestrado e doutorado. Ali, garante Bagnato, a chamada física de fronteira é uma realidade. “Trabalhamos em temas como relógios atômicos, condensado de Bose-Einstein (um aglomerado de átomos que, a temperaturas próximas do zero absoluto, ou -273,15 graus Celsius, se comportam como se fossem um único superátomo), controle fotônico microbiológico (controle de microrganismos por meio da luz) e nanodispositivos, além da aplicação de laser na medicina”, conta. O pesquisador ressalta que esses são temas que atraem os estudantes porque estão nas principais revistas científicas de física que eles leem.

Um dos trabalhos mais importantes de Bagnato e sua equipe foi publicado, em 2010, na Physical Review Letters, uma revista científica da Sociedade Americana de Física. Através dele os cientistas de São Carlos demonstraram, pela primeira vez na história da física, o fenômeno de turbulência em um condensado de Bose-Einstein. O trabalho também revelou as condições em que essa turbulência pode ser investigada. A novidade deu origem a vários programas de pesquisa em diversos países. “Foi uma descoberta muito importante na área de ciência básica”, afirma Bagnato.

Patentes e produtos

O Cepof também se destaca em tecnologias ópticas com o desenvolvimento de produtos e equipamentos. “Temos registradas 50 patentes e já criamos 16 produtos”, informa o pesquisador. “Em relação às aplicações de laser em medicina e odontologia, por exemplo, nossos trabalhos tornaram possível a elaboração de técnicas terapêuticas contra o câncer e para a descontaminação bucal.” Nesse último caso, os equipamentos para o tratamento já estão sendo produzidos e comercializados por uma empresa de Ribeirão Preto. São pequenas hastes com LEDs (light-emitting diodes, ou diodos emissores de luz) na ponta, que destroem bactérias e fungos da cavidade bucal. Denominada terapia fotodinâmica (TFD ou PDT, do inglês photodynamic therapy), a técnica já é usada também, experimentalmente, para tratar lesões em partes externas do corpo, doenças como câncer de pele e leishmaniose, além de queimaduras.

Na mesma cidade de São Carlos há um outro centro de excelência que atrai alunos estrangeiros de pós-graduação e jovens pesquisadores de pós-doutorado. É o Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), coordenado por Edgar Dutra Zanotto, professor de engenharia de materiais. Por lá passaram, nos últimos anos, pelo menos 15 professores visitantes e cerca de 40 estudantes e pós-docs originários da Alemanha, Argentina, Bulgária, Colômbia, Estados Unidos, França, Inglaterra, República Tcheca e Rússia. Eles ficam por períodos que podem variar de um mês a vários anos.

Todos vêm, principalmente, por causa da infraestrutura e dos resultados do LaMaV. “Modéstia à parte, o laboratório oferece uma base de pesquisa comparável à dos melhores centros científicos internacionais”, assegura Zanotto. Isso se reflete na produção da equipe. Na área de ciência básica, por exemplo, as pesquisas que ele lidera propiciaram importantes avanços no conhecimento sobre o crescimento de cristais e as propriedades físico-químicas do vidro. O grupo também se destaca em ciência aplicada, em especial na área de vitrocerâmicas. “Trata-se de um sofisticado material feito a partir do vidro e que pode ser usado na fabricação de ossos e dentes artificiais, por exemplo”, explica Zanotto. “Além disso, pode ser empregado em substratos de discos rígidos de computadores, espelhos de telescópios gigantes e panelas transparentes resistentes ao calor.”

Por motivos diversos, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) também é um ponto de atração para os estrangeiros. Hoje, o Inpa tem 19 estudantes e pesquisadores de países como Alemanha, Colômbia, Espanha, Equador, Estados Unidos, França, Israel, Peru e Venezuela. Além do fato de se localizar numa região que interessa a cientistas de todo o planeta, o instituto é um dos poucos centros de pesquisa em escala mundial especializado em estudos da biologia tropical. “O programa de pós-graduação que mais tem despertado o interesse dos alunos de fora é o de Biologia de Água Doce e Pesca Interior”, conta a bióloga Beatriz Ronchi, coordenadora de Capacitação do Inpa. “Eles vêm para estudar ecologia e conservação dos organismos aquáticos, limnologia e dinâmica de áreas alagáveis, distribuição da biodiversidade aquática amazônica, manejo e conservação de recursos pesqueiros, e aproveitamento tecnológico da biodiversidade.”

Motivações pessoais

Com seis estudantes de doutorado paquistaneses e dois estagiários de pós-doutorado, um da Venezuela e outra da Inglaterra, o Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGQ-UFSC), por sua vez, atrai os estrangeiros pelo conjunto de suas qualidades. Pelo menos é assim que se expressa seu coordenador, Almir Spinelli. “Oferecemos uma sólida formação em química analítica, orgânica, inorgânica e físico-química”, garante. “Temos docentes orientadores nessas quatro áreas de concentração, com atividades de pesquisa reconhecidas no exterior. Além disso, nossa infraestrutura física e de equipamentos é excelente e 50% das publicações do programa são editadas em revistas de alto fator de impacto.” Spinelli esclarece que o PPGQ também promove intenso intercâmbio internacional e proporciona completo apoio e condições para o desenvolvimento de dissertações e teses em prazos adequados.

A excelência dos laboratórios e os motivos profissionais não são, no entanto, as únicas razões que movem pós-graduandos e jovens pesquisadores estrangeiros em direção ao Brasil. Como lembra Ana Cândida Martins Rodrigues, líder ao lado de Zanotto do LaMaV, da UFSCar, “muitos têm motivações pessoais para trocar de país. Eles querem conhecer outras culturas, outro idioma e outros climas (mais quente, no caso da justificativa dos estudantes dinamarqueses). Enfim, outros modus vivendi”, explica a pesquisadora. “Quando se é jovem, esse tipo de experiência é muito atraente.”

Ana Cândida também ressalta as relações pessoais, já que, como ela diz, ninguém trabalha com alguém que não lhe é simpático. Além dos motivos profissionais – como, por exemplo, tema de trabalho e interesses científicos –, existem as afinidades pessoais. “Em meu caso, sempre mantive boas relações com o grupo quando fiz doutorado em Grenoble, na França, onde conheci o professor Jean-Louis Souquet”, conta. “Depois disso, uma de minhas orientandas fez doutorado sanduíche no mesmo grupo e o professor Souquet acabou realizando quatro visitas ao Brasil. Se não fosse a reciprocidade no tocante à simpatia, certamente não teríamos continuado a trabalhar juntos, apesar dos interesses científicos comuns.”

Relações pessoais também ajudaram o estudante dinamarquês Jonas Hyldahl Kjeldsen a se decidir pelo LaMaV para fazer seu mestrado em engenharia química, com bolsa do governo de seu país. “Eu vim para o Brasil porque um professor alemão, Ralf Keding, que conheci na Dinamarca, tinha contato com o pessoal do LaMaV”, conta. “Ele me passou a impressão de que era um laboratório sério, onde se fazia pesquisa de ponta. O grupo é reconhecido por seu trabalho sobre sólidos cristalinos.” Não é apenas isso. Kjeldsen tem um interesse muito grande em vidro e esse fato também pesou na decisão de escolher São Carlos. “O laboratório da UFSCar tem professores e infraestrutura do mesmo nível dos da Dinamarca”, diz. “Mas é bom ressaltar que cada universidade faz as coisas de forma diferente. Então, vir para o Brasil está sendo uma lição que não tem preço, pois estou podendo ver como tudo é feito em outro lugar.”

Conselho de professor

O colombiano José Luis Narváez Semanate teve razões semelhantes para também escolher o LaMaV. Ele igualmente levou em conta o conselho de um professor, no caso da Universidad del Cauca, em seu país, onde se formou em engenharia física, mas também pesou a reputação de que o laboratório de São Carlos já goza lá fora. “Eu sabia que o LaMaV tinha um grande grupo de pesquisa, mas só fiquei ciente de seu impacto e importância no Brasil e no mundo após ter vivido a experiência de estudar aqui”, diz. “A pesquisa que faço tem transcorrido com bastante fluidez, pois aqui dispomos dos equipamentos necessários e de alta qualidade para desenvolver nossos projetos. Além disso, contamos com professores qualificados que orientam e supervisionam o trabalho.”

O físico Diego Muraca, que nasceu no Brasil e vive na Argentina desde os 4 anos, fez um caminho um pouco diferente até chegar a uma instituição brasileira a fim de fazer seu pós-doutorado: o Laboratório de Materiais e Baixas Temperaturas (LMBT), da Unicamp, coordenado por Knobel. Ele teve o primeiro contato com o grupo por meio de um programa de intercâmbio da Capes. “O LMBT é um dos laboratórios de magnetismo mais bem equipados da América Latina e também é competitivo em nível mundial”, elogia. “Aqui encontrei infraestrutura de primeira linha, liberdade na pesquisa e uma equipe de trabalho muito bem formada”, enfatiza Muraca.

Segundo Knobel, no LMBT são feitas pesquisas sobre novos materiais com propriedades diferentes das conhecidas – um campo muito ativo na física contemporânea. “Produzimos e investigamos basicamente dois tipos deles: nanoestruturas magnéticas e ligas amorfas”, explica. “Ligas amorfas são ligas metálicas nas quais os átomos estão desordenados.” As nanoestruturas magnéticas, por sua vez, são materiais que apresentam estruturas com dimensões da ordem do nanômetro (um bilionésimo de metro). Isso é muito pequeno. Só para comparar, um fio de cabelo tem algo entre 30 mil e 50 mil nanômetros de diâmetro. “As aplicações dessas nanoestruturas são inúmeras, e vão desde novos medicamentos (elas são tão pequenas que uma enorme quantidade delas pode comportar-se macroscopicamente como um líquido com propriedades incomuns) até estudos para um ‘nanocomputador’, que seria muito menor que os de hoje (que têm estruturas microscópicas)”, diz Knobel. Ele adianta que no LMBT as duas vertentes de pesquisa – ligas amorfas e nanoestruturas – estão intimamente ligadas, “pois a partir das primeiras produzimos algumas das segundas”.

Os estrangeiros não são os únicos beneficiados, ao vir estudar ou fazer pesquisas no Brasil. Também ganham a ciência brasileira e o próprio país. Os estudantes e os pós-doutorandos foram formados por diferentes pessoas e, por isso mesmo, têm vivências diversas em suas áreas, lembra Ana Cândida. “Tanto em nível teórico quanto aplicado, a troca de experiências é fundamental e enriquecedora, e faz a ciência avançar”, ela diz. Às vezes esses alunos trazem uma visão diferente de uma ideia ou de um assunto, ou uma maneira diversa de apresentar um dado ou de fazer uma medida experimental. Essa troca vai aperfeiçoando o método científico de maneira geral ou, mais especificamente, a própria metodologia. “Eles podem nos ajudar, também, a interpretar nossos resultados e as propriedades que investigamos”, acrescenta a pesquisadora. “E pode acontecer, às vezes, de eles já terem trabalhado com equipamentos e técnicas que ainda desconhecemos.”

Há outro aspecto que não pode ser negligenciado. De volta a seus países, os estudantes e pesquisadores se lembrarão de sua experiência no Brasil e, certamente, transmitirão esse ânimo a seus grupos de pesquisa. “Quando estiverem diante de algum problema que sabem que podemos solucionar, entrarão em contato conosco”, diz Ana Cândida. Ela sustenta que, na realidade, trata-se de uma troca de conhecimentos. “Esse intercâmbio gera novos laços e em muitos casos amplia a colaboração, auxiliando na difusão da imagem do Brasil e de seu potencial científico no exterior”, pondera.