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A embalada dos shopping centers
por Silvia Kochen
Eles estão em toda parte, respondem por 18,3% do varejo nacional, contribuem com 2% do Produto Interno Bruto (PIB), empregam 775 mil pessoas e faturaram, no ano passado, R$ 108 bilhões, R$ 17 bilhões a mais que em 2010. Visitados, diariamente, por mais de 12 milhões de pessoas, oferecem estacionamento para quase 800 mil veículos, atraindo consumidores de todas as idades e todos os bolsos. Estamos falando dos shopping centers, empreendimentos normalmente de grande porte que, no país, abrigam mais de 80 mil lojas e praticamente modelam o modo de vida do brasileiro. E a tendência é que essa presença seja ampliada ainda mais, já que dezenas de unidades se acham em construção ou prestes a sair do papel. Considerando os projetos em andamento, prevê-se que até 2014 sejam inaugurados entre 30 e 40 novos shoppings do Oiapoque ao Chuí.
Conforme a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), de janeiro a julho o Brasil ganhou 11 desses estabelecimentos, erguidos (seguindo a ordem de inauguração) em Farroupilha (RS), Uberlândia (MG), Belém, Porto Alegre, Belo Horizonte, Luziânia (GO), Águas Lindas de Goiás, Sorocaba (SP), São Paulo, Salvador e Alexânia (GO), totalizando quase 300 mil metros quadrados de área bruta locável. “A indústria de shopping centers se tornou uma grande propulsora de desenvolvimento, promovendo o crescimento urbano, a valorização imobiliária e o aprimoramento do comércio local”, destaca a associação.
O fato é que os números impressionam. São 439 unidades em todo o Brasil, de acordo com a Abrasce, que considera como shoppings apenas os centros comerciais com área mínima de 5 mil metros quadrados, dotados de estacionamento e com pelo menos uma loja âncora, a chamada loja principal. Âncoras são, normalmente, filiais de poderosas redes do varejo, como C&A, Carrefour, Lojas Americanas e Renner, para citar apenas algumas, que ocupam grandes espaços e têm a função de “chamar” os compradores.
Já para a Associação Brasileira dos Lojistas de Shopping (Alshop), os números são outros: “No país operam 802 shoppings, integrados por 27 mil lojistas, e há previsão de construção de 132 novos centros comerciais até 2014”. A conta da Alshop, fechada no censo realizado pela entidade em 2011, engloba também galerias e shoppings de descontos, os famosos outlets, o que explica a diferença.
Luís Augusto Ildefonso da Silva, diretor de Relações Institucionais da Alshop, esclarece que esses centros de compras passaram por uma evolução constante no Brasil desde a chegada do primeiro deles, o Iguatemi, em São Paulo, em 1966, festivamente inaugurado com shows de Chico Anísio, Chico Buarque, Nara Leão e outros artistas, e a presença de 5 mil pessoas. Quando o Iguatemi abriu suas portas, causou furor a informação de que em seu estacionamento cabiam mil carros – um número absurdamente grande para aqueles anos – e que sob seu teto iriam operar dezenas de lojas, algumas lanchonetes e duas salas de cinema. Desde então, os shoppings ganharam alamedas de serviços, praças de alimentação, complexos de exibição de filmes e uma série de mudanças, agregando novidades que passaram a acompanhar basicamente todos os que existem no Brasil. Em especial, eles se tornaram centros de compras sofisticados, com importantes marcas globais de alto luxo.
O Iguatemi é a própria prova da pujança do setor, tendo estendido seus tentáculos para outras partes do país. E isso foi possível com a criação, em 1979, da Iguatemi Empresa de Shopping Centers, mediante a aquisição de todos os ativos da Construtora Alfredo Matias, que detinha uma pequena participação no empreendimento. Controlada pelo Grupo Jereissati, a empresa está hoje presente em várias capitais e em importantes cidades. Apenas na Grande São Paulo, o grupo opera quatro shoppings: Iguatemi, JK Iguatemi e Market Place, os três na capital, e Iguatemi Alphaville, em Barueri. Também já fincou seu letreiro em Brasília, Campinas (duas unidades), Caxias do Sul, Florianópolis, Porto Alegre (duas), Rio de Janeiro, São Carlos e Sorocaba, e prepara seu pouso em Jundiaí, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, cidades que se destacam no interior paulista.
“Inicialmente, os shoppings eram apenas locais amplos de compras, mas depois foram somando novas características que os transformariam, também, em centros de gastronomia e de lazer”, explica Ildefonso da Silva. Enfim, eles acabaram contemplando todos os gostos, o que pode ser facilmente comprovado pela presença de famílias inteiras em suas praças de alimentação: o pai vai saborear um churrasco, a mãe, uma salada, e os filhos, pizza, hambúrguer, sorvete ou mesmo cachorro-quente, algo impensável nos restaurantes convencionais. Mais recentemente, os shoppings passaram a oferecer uma interessante gama de serviços, que, da mesma maneira como ocorreu com outras inovações que vieram sendo implementadas com o decorrer do tempo, também estão tendo o condão de seduzir um número maior de pessoas. “Hoje já vemos shoppings fora das regiões metropolitanas que dispõem de academias de ginástica, e o curioso é que elas sempre acabam se transformando numa espécie de clube da localidade”, afirma o diretor da Alshop.
Estações do metrô
Na realidade, esses gigantescos centros de compras, que ganharam vida nos Estados Unidos em meados do século passado, surgiram com o propósito de simular cidades, verdadeiras ilhas artificiais de consumo onde as pessoas têm tudo à mão. Com efeito, segundo os especialistas, eles são sempre o local mais visitado de uma comunidade. Hoje, vão ainda mais longe, contemplando até mesmo regiões em que o número de habitantes, aparentemente, não é compatível com o movimento exigido por esses luxuosos templos do consumo.
Por exemplo, o município pernambucano de Serra Talhada, terra natal de Virgulino Ferreira da Silva (o cangaceiro Lampião), a 415 quilômetros do Recife e povoado por 80 mil pessoas, está prestes a ganhar um shopping com área bruta locável de 9,8 mil metros quadrados. Trata-se de um centro de compras pequeno, é verdade, mas suficientemente espaçoso para acomodar 68 lojas, quatro salas de cinema, local para games infantis, academia, 13 estabelecimentos na praça de alimentação, 46 lojas satélites, três megalojas e três âncoras.
“Em sua área de influência, o novo centro comercial atenderá, quando em funcionamento, em 2014, ao redor de 500 mil pessoas”, informa a assessoria de imprensa da IMalls, uma administradora de shoppings com atividades nos estados do norte e do nordeste. A empresa diz em seu site que “desenvolveu um projeto para municípios menores com características de conforto, serviços e produtos semelhantes às dos modernos centros de compras instalados nas grandes cidades”. São localidades com importante participação econômica e geográfica, mas “também consideramos a oferta varejista no município, o perfil do público, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a renda per capita e o mercado residual”, esclarece a IMalls.
Na verdade, o Brasil inteiro, e não apenas as regiões metropolitanas, interessa às empresas que vivem de erguer e explorar comercialmente shopping centers. Tanto que na lista dos próximos lançamentos do setor despontam muitas cidades interioranas, como Araçatuba, São Roque, Sorocaba e Taubaté, em São Paulo; Arapiraca, em Alagoas; Betim, em Minas Gerais; Cascavel, no Paraná; Itaboraí, no Rio de Janeiro; Juazeiro do Norte, no Ceará; Parnaíba, no Piauí, e Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. “O shopping center ainda é um ícone de modernização urbana, dá status às cidades e a seus frequentadores”, disse à revista “Shopping Centers”, da Editora Casa Nova, o professor Ricardo Pastore, coordenador do Núcleo de Estudos do Varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo.
Ao mesmo tempo em que são levados a se estabelecer em comunidades interioranas, os empreendedores do ramo mantêm os olhos bem abertos para as oportunidades que aparecem nas grandes metrópoles. Foi assim que a capital paulista ganhou shoppings nas estações Itaquera, Santa Cruz, Tatuapé e Tucuruvi do metrô, locais onde o trânsito de pessoas é intenso e, por questões óbvias, o retorno é garantido. E é assim também que esses centros de compras estão sendo levados para as rodovias com a intenção de atender as pessoas em trânsito. O Catarina Fashion Outlet Shopping, cuja primeira etapa deve ser inaugurada no próximo ano, no quilômetro 60 da Rodovia Castelo Branco, no município de São Roque, a 30 minutos da capital paulista, é, talvez, o mais recente investimento do gênero plantado às margens de uma importante autoestrada. Orçado em R$ 80 milhões, o empreendimento faz parte de um projeto maior que reunirá naquele ponto um condomínio residencial, um complexo de escritórios, um hotel, um centro de convenções e um aeroporto executivo privado. Como o shopping e os demais setores ficarão em lados opostos da rodovia, será construído um teleférico para ligar as duas partes da imensa construção.
Vale lembrar que outros shoppings já operam à beira da Castelo Branco, como o Tamboré e o Iguatemi Alphaville – o primeiro no quilômetro 22, o segundo no 23 –, em Barueri, e o Road Shopping, em Itu, no quilômetro 72, portanto, a apenas 12 quilômetros do local onde o Catarina começa a ser construído. Inaugurado em 1996 e, segundo seus idealizadores, “pioneiro no conceito de shopping de rodovia”, o Road Shopping nasceu com o propósito de atender, além de viajantes, também milhares de propriedades rurais da região, especialmente sítios e chácaras, abrigando, inclusive, modalidades de comércio voltadas para esse segmento.
Não é difícil explicar os motivos da acelerada expansão do segmento de shoppings no país e o fato de esse sistema ter caído definitivamente no gosto dos brasileiros. Além da magia que exercem sobre as pessoas e de reunir num único local pontos de venda de atividades distintas, esses centros de compras são imbatíveis em alguns quesitos: estacionamentos enormes, segurança e conforto, atributos que, colocados à disposição dos frequentadores, constituem, de acordo com Ildefonso da Silva, um diferencial em relação ao que é oferecido pelo comércio de rua. Isso ainda não é tudo, já que “as lojas que operam no interior de shoppings não têm de enfrentar a concorrência de camelôs e não se sujeitam aos caprichos da natureza, como a chuva, que espanta os clientes”. Por isso, segundo o executivo da Alshop, “por decisão estratégica, certas marcas só se instalam em shoppings, como é o caso de algumas redes de franquias do segmento de confecção”. Atualmente, mesmo estabelecimentos que tradicionalmente preferem abrir seus pontos comerciais na rua – como bazares, outlets e lojas de produtos populares – estão aderindo aos shoppings.
Tempo de maturação
Essas vantagens, porém, têm um preço, podendo tornar o investimento dos lojistas consideravelmente elevado. Em 2011, a economista Fernanda Della Rosa, da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), fez um estudo comparativo entre lojas de rua e de shopping e chegou a algumas conclusões interessantes. Segundo ela, é preciso tomar uma série de cuidados antes de se decidir pela instalação de um ponto comercial dentro desses enormes centros de compras. “A expansão do setor é grande, atraindo um número elevado de investidores, mas o risco também é muito alto, principalmente quando se trata de ocupar espaços em shoppings novos.” E a incerteza é ainda maior se, porventura, no caso de shoppings recém-abertos, o comerciante estiver apenas iniciando sua caminhada no varejo.
A economista esclarece que os shopping centers requerem um tempo de maturação até formar uma clientela fiel e “emplacar”, quando, então, podem ou não se tornar uma referência na região onde se acham instalados. Fernanda explica que esse período pode levar de três a cinco anos e que, em alguns exemplos (poucos, é verdade), o shopping não se firma e acaba se tornando uma fonte de prejuízo para os varejistas que acreditaram e investiram nele.
Na maior parte dos casos, todavia, o desembolso sempre traz retorno. Haja vista que quase todos os shoppings brasileiros já passaram por ampliações, confirmando o vigor do setor e, de certa forma, demonstrando o acerto dos empreendedores e dos lojistas que se abrigam debaixo de seus tetos. E não é preciso se prender ao eixo Rio-São Paulo, onde ficam os grandes investimentos do gênero, para recolher bons exemplos. Veja-se o caso do Cariri Shopping, em Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, um centro comercial inaugurado em 1997 e que teve sua área original duplicada, passando a abrigar, este ano, 193 lojas (5 delas âncoras), 6 novas salas de cinema, um parque de entretenimento eletrônico e 21 lojas de alimentação. Com população de 250 mil habitantes, Juazeiro do Norte recebe, anualmente, milhões de devotos do Padre Cícero, que residiu a maior parte de sua vida no município. Outro bom exemplo é o Shopping Barra, de Salvador, fundado em 1987 e que, segundo seus empreendedores, “está situado próximo aos principais hotéis e importantes cartões-postais da capital baiana”. Ele passa por um planejamento de ampliação que, mediante investimentos de R$ 120 milhões, vai aumentar em 50% sua área locável e acrescentar 70 novas lojas, espaço gourmet com horário e acesso independentes, local para diversões eletrônicas e um novo cinema multiplex com oito salas, todas com projeção em 3D.
O enfoque dos shoppings na expansão e modernização de suas áreas de lazer encontra ressonância na exigência de uma clientela que já não quer apenas consumir, mas também se divertir. “Hoje, o shopping center é mais um ponto de encontro e de entretenimento que de compras”, sustenta Fabíola Soares, gerente de marketing do Shopping Anália Franco, um dos mais luxuosos da capital paulista. Essa é a conclusão de uma pesquisa antiga em que as pessoas apontam uma série de motivos para justificar a ida ao shopping, tais como: “porque estou sozinho”, “porque estou com a pessoa que amo”, “porque estou triste”, “porque estou contente”, “porque quero comemorar”, “porque quero me distrair...”
Na realidade, os shoppings jogam com todo tipo de estímulo para atrair a atenção do consumidor, e o próprio Anália Franco serve como exemplo da nova postura do setor. Além de oferecer praticamente todos os atrativos de que lançam mão os concorrentes, ele banca o projeto Grandes Encontros, com importantes intérpretes da MPB, e desenvolve desfiles de moda a cada nova estação. Inaugurado em 1999, o Anália Franco tem 402 lojas e oferece 43 opções de alimentação e 9 salas de cinema, disponibilizando um estacionamento coberto com mais de 4 mil vagas. O destacado centro de compras da zona leste da capital paulista chegou a esses números porque, em 2009, inaugurou um novo piso com 76 novas lojas, investimento realizado pela Multiplan, a proprietária do shopping, que se define como “uma das maiores empresas da indústria de shopping centers do país”. Com 14 unidades em funcionamento no Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo e que, juntas, totalizam 1,5 milhão de metros quadrados, a Multiplan exerce seu domínio sobre uma área locável de 592 mil metros quadrados onde operam 3,8 mil lojas e por onde circulam, anualmente, 159 milhões de pessoas.