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A evolução das vacinas nacionais

por Rosa Symanski

É uma informação que escapa do conhecimento da maior parte das pessoas: o programa de imunização brasileiro se destaca no mundo devido ao empenho dos laboratórios no desenvolvimento de vacinas cada vez mais evoluídas. Na realidade, nunca o Brasil investiu tanto na área. Somente em 2012, o Ministério da Saúde vai disponibilizar para o setor um valor seis vezes maior que a média despendida nos últimos 12 anos. E a verdade é uma só: o país se tornou referência em razão de seu modelo de imunização, um trabalho de vulto referendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Um dos motivos desse reconhecimento reside no fato de que somos capazes de planejar e desenvolver ações de vacinação em massa para várias doenças. “Temos obtido êxito com o programa de vacinação infantil, atendendo 95% das crianças. São aquelas vacinas contra sarampo, coqueluche, hepatite B, tétano e outras de grande importância que têm a particularidade de proteger os bebês. Isso sem falar da campanha anual contra a poliomielite, que fez o Brasil erradicar a paralisia infantil”, observou recentemente a presidente Dilma Rousseff.

O Brasil produz 94% das vacinas fornecidas à população. O governo deve destinar mais de R$ 200 milhões para manter e aprimorar essa oferta, mas esse valor chegará a R$ 300 milhões com as contrapartidas dos laboratórios públicos. Essas ações integram o Programa de Investimento no Complexo Industrial da Saúde (Procis), lançado no início do ano pelo Ministério da Saúde. “O Programa Nacional de Imunizações (PNI) trabalha com 44 tipos de imunobiológicos, incluindo vacinas, soros e imunoglobulinas. São dez as vacinas oferecidas às crianças de até 15 meses de idade, perfazendo um esquema vacinal de 23 doses”, explica o diretor do Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde (Deciis) do Ministério da Saúde, Zich Moysés Júnior.

Segundo Moysés, o Brasil fabrica, atualmente, 21 vacinas em seus laboratórios públicos, que, em 2011, responderam pela produção de 292,3 milhões de doses. Quatro instituições de pesquisa atuam aqui: Instituto Butantan; laboratório BioManguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Instituto de Tecnologia do Paraná e Instituto Ataulpho de Paiva.

Todavia, boa parte da inovação nesse segmento ainda está nas mãos das farmacêuticas internacionais, que fazem acordos para disponibilizar tecnologia às empresas locais. O Ministério da Saúde, nos últimos anos, apostou em acordos de transferência de know-how para acelerar o conhecimento brasileiro no setor, tanto que entre 2003 e 2009 o governo firmou quatro contratos, graças aos quais laboratórios daqui passaram a produzir as vacinas de influenza, rotavírus humano, tríplice viral e antirrábica.

Em Pernambuco

Algumas companhias internacionais, contudo, já vislumbraram o potencial do país nessa área e estão partindo para projetos destinados à produção interna de vacinas. Uma delas é a suíça Novartis, que está erguendo uma fábrica em Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, mediante investimentos de R$ 500 milhões. “A divisão de vacinas é uma das mais novas da companhia”, diz Alexander Triebnigg, o presidente da empresa no Brasil. Ele adianta que ela ingressou nesse mercado apenas em 2006, após a aquisição da Chiron, multinacional do ramo de biotecnologia, e que, hoje, já é a quinta maior fabricante de vacinas do mundo, produzindo imunizantes para cerca de 20 doenças, entre elas a gripe causada pelo vírus Influenza A H1N1. Triebnigg conta ainda que no ano passado a receita líquida da área de vacinas e diagnósticos da Novartis somou US$ 2 bilhões, um crescimento de 22% ante o resultado de 2010.

A nova fábrica da empresa vai produzir uma vacina que será a única capacitada a dar proteção contra o MenB, bactéria causadora da meningite B. Com previsão de lançamento para 2013 e comercialmente conhecido como Bexsero, o imunizante foi desenvolvido com o uso de uma tecnologia pioneira chamada vacinologia reversa, já que o método empregado na obtenção de outras vacinas meningocócicas conjugadas não podia ser utilizado ¿¿para o MenB. “O Bexsero é resultado de mais de 20 anos de pesquisas e ainda não é comercializado em nenhuma parte”, ressalta Triebnigg.

O Brasil foi escolhido pela Novartis para sediar sua nova fábrica devido à posição que ocupa no setor. “É um país estratégico em razão de alguns fatores que julgamos relevantes, tais como o potencial do mercado e as políticas sólidas na área de vacinas e prevenção de doenças. A fábrica de Jaboatão dos Guararapes, a bem da verdade, é a primeira especializada na produção de vacinas da Novartis a entrar em operação na América Latina”, afirma Triebnigg.

Outra multinacional que mantém uma parceria que já se estende por 25 anos com o governo brasileiro é a inglesa GlaxoSmithKline (GSK). O foco da empresa são moléstias cujo combate é considerado prioritário no país, como as doenças tropicais (a exemplo da leishmaniose), metabólicas (diabetes, entre outras), respiratórias e de fundo imunológico. A GSK também se dedica à pesquisa com remédios biológicos.

Em anúncio recente, a empresa comunicou que vai investir até R$ 3 milhões em pesquisas no Brasil, que deverão ser tocadas em cooperação com cientistas locais e com a participação conjunta do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), como parte do novo acordo do projeto global Trust in Science. “Essa é uma forma de a GSK reconhecer o desenvolvimento do extraordinário potencial científico brasileiro e de contribuir para ele”, afirma o presidente da empresa no Brasil, Cesar Rengifo. Ele explica que o projeto visa a estimular avanços científicos e tecnológicos com vistas a atender às necessidades do país, considerando as características e as prioridades locais e contemplando, inclusive, as doenças consideradas negligenciadas. A iniciativa objetiva a obtenção de novas drogas e vacinas e prevê mesmo a possibilidade de intercâmbio de profissionais dos centros de pesquisa brasileiros com a GSK. O plano do laboratório é estabelecer uma cooperação duradoura na área de saúde.

Uma das novidades da GSK é a vacina contra a dengue, que já está sendo testada em humanos. Para chegar ao medicamento, a empresa juntou seus esforços aos da Fiocruz. “No estágio atual estamos capacitando os técnicos que atuarão no processo e realizando testes em um grupo específico de pessoas que chega aos postos de saúde com febre”, explica Mitermayer Galvão dos Reis, diretor da Fiocruz. Após a fase de imunização, o grupo testado terá o sangue coletado para verificação da atuação da vacina. “Já temos uma quantidade significativa de dados coletados e isso nos dá muita motivação para a apresentação de resultados”, afirma Mitermayer. Os testes devem passar por três fases até alcançar os padrões de excelência e segurança exigidos para esse tipo de produto, quando então ele deverá ser colocado no mercado.

Corrida

A guerra contra a dengue conta com a adesão de outros laboratórios, também envolvidos em projetos para obtenção do imunizante. São exemplos a filial brasileira da francesa Sanofi Pasteur – divisão de vacinas do Grupo Sanofi –, em parceria com universidades federais; a alemã Merck e o Instituto Butantan, de São Paulo. O laboratório Sanofi Pasteur parece estar mais adiantado na corrida pela cura da doença, tendo anunciado, em julho, que sua vacina, a primeira no mundo contra a dengue, demonstrou capacidade de proteção contra três das quatro cepas virais causadoras da moléstia, de acordo com resultados de testes clínicos realizados na Tailândia. “Essa é uma notícia muito boa, pois a dengue ainda não tinha vacina, nem antiviral, e nenhum medicamento para seu combate”, salienta a pediatra Lucia Bricks, diretora de Saúde Pública da Sanofi Pasteur. A vacina, que foi desenvolvida pela empresa no exterior, “representa um avanço enorme”, nas palavras de Lucia.

O progresso aqui no país nessa área também está se mostrando revolucionário, com a notícia até mesmo do desenvolvimento de uma vacina contra o câncer. Elaborada por uma equipe da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), ela é considerada terapêutica, ou seja, uma alternativa a mais para o tratamento da doença. “O princípio do medicamento é avisar o sistema imunológico de que a doença é algo ruim para o corpo e que ele deve reagir”, explica José Alexandre Barbuto, coordenador da pesquisa. A vacina da USP é feita em doses específicas para cada paciente, já que, como alerta o pesquisador, “cada câncer é único”.

Como isso é feito? Células do sangue do paciente que carregam um marcador do tumor são coletadas e fundidas, à base de choques, com as de doadores sanguíneos saudáveis. A vacina terapêutica já foi testada em dois tipos de câncer, normalmente em pacientes em estágio terminal: o mais agressivo de todos, o melanoma (câncer de pele) e o de rim. Na maioria dos casos, o tumor parou de crescer.

Na corrida pela criação de imunizantes o Brasil também marca pontos com pesquisas que podem levar a medicamentos para prevenir doenças como a esquistossomose. A primeira vacina para combater vermes, desenvolvida pelo Instituto Oswaldo Cruz, da Fiocruz, passou na primeira fase de testes clínicos em seres humanos, provando ser segura e capaz de criar imunidade. Batizada de Sm14, a partir das iniciais de Schistosoma mansoni – verme trematódeo causador da esquistossomose, doença também conhecida como barriga d’água –, a vacina estimula a formação de anticorpos, evitando que o invasor se instale no organismo ou cause algum dano. Nessa primeira fase, a vacina – a primeira para humanos totalmente desenvolvida no Brasil e que consumiu 30 anos de pesquisas – foi aplicada em 20 pessoas. Todas foram imunizadas e não houve relato de efeitos colaterais.

A Fiocruz tem um importante papel nas pesquisas sobre vacinas. “Alcançamos altos índices de cobertura no país, conseguimos erradicar a poliomielite e a varíola e alcançar um marco histórico com o desenvolvimento da vacina contra a febre amarela”, relata Marcos da Silva Freire, vice-diretor da BioManguinhos, unidade da Fiocruz que atua na área de produtos biológicos.

Atualmente, o instituto está empenhado em descobrir uma vacina contra a malária. A medicação se encontra na etapa de experiências com animais. Para dar prosseguimento ao projeto, a Fiocruz e o Instituto Evandro Chagas abrigam dois centros de primatologia onde são realizados estudos. A doença é um risco concreto em praticamente todo o país e acometeu, segundo o balanço epidemiológico do Ministério da Saúde, cerca de 265 mil pessoas em 2011. É sabido que 99% das notificações de casos de malária no Brasil acontecem nos nove estados amazônicos (Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso). A ocorrência do mosquito transmissor (Anopheles darlingi) aumenta em sintonia com o rumo tomado pelo desmatamento florestal, demonstrando que o combate à doença passa não apenas por iniciativas de saúde pública, mas também por ações sociais e ambientais. De acordo com estimativa da OMS, mais de 200 milhões de casos de malária são registrados a cada ano no mundo, com cerca de 600 mil a 700 mil mortes. Dentre as ocorrências de óbito, 80% se referem a crianças com menos de 5 anos e mais de 90% acontecem na África, ao sul do deserto do Saara.


Sucesso em massa

As vacinas permitiram a erradicação de várias doenças no país. No ano passado, foram aplicadas 178.860.506 doses em território brasileiro, atendendo a todas as faixas etárias. “Mais recentemente, foram implementadas medidas para o controle das infecções pelo Haemophilus influenzae tipo B – as doenças causadas por essa bactéria são a meningite, a epiglotite, a septicemia e a pneumonia –, assim como para o da rubéola e da síndrome da rubéola congênita, da hepatite B, da influenza e suas complicações em idosos, e de infecções pneumocócicas”, explica o diretor do Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde, Zich Moysés Júnior.

A luta contra várias enfermidades levou o Brasil a atuar com firmeza, no passado, com a vacinação em massa da população. “Por meio de diversas estratégias, tais como campanhas, varreduras, ações de rotina e bloqueios, erradicamos a febre amarela urbana em 1942, a varíola em 1973 e a poliomielite em 1989. Esse trabalho também levou ao controle do sarampo, do tétano neonatal e acidental, de formas graves da tuberculose, da difteria e da coqueluche”, destaca a coordenadora substituta Nair Florentina de Menezes, do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

No Brasil, para a introdução de uma vacina no calendário de vacinação, são considerados os seguintes critérios:

Epidemiológicos: quando a doença apresenta elevadas taxas de incidência e mortalidade, com importante impacto sobre crianças e no número de hospitalizações e consultas, além de óbitos;

Imunológicos: as vacinas devem ter alta eficácia (acima de 90%) e proporcionar imunização duradoura;

Socioeconômicos: atualmente, os investimentos do PNI têm se elevado a cada ano, devido ao alto custo de muitos imunobiológicos. Ao se introduzir uma nova vacina há que se levar em conta não somente o impacto de sua incidência e mortalidade, mas, também, se a medicação, além de trazer benefícios à saúde, reduz os custos relacionados à doença (tratamento, hospitalização, dias de trabalho ou estudo perdidos pelo paciente e seus familiares etc.);

Tecnológicos: a política de sustentabilidade do PNI está pautada no fortalecimento do complexo industrial da saúde, em que os principais insumos estratégicos são produzidos por laboratórios públicos. O objetivo é garantir autossuficiência da produção nacional e a manutenção de altas coberturas vacinais em todos os municípios brasileiros, evitando ainda desabastecimento de produtos e dependência das leis de mercado;

Logísticos: para a inclusão de uma nova vacina no calendário vacinal deve-se considerar a capacidade de armazenamento desse insumo nas chamadas “redes de frio” – que abrangem armazenagem, conservação, manipulação, distribuição e transporte dos imunobiológicos – do PNI nas três esferas de governo. Desde 2007, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da saúde, denominado Mais Saúde, o Ministério da Saúde vem colocando em seu plano de investimento a reestruturação dessas redes como ação prioritária.