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Não é preciso fechar a boca
Por: MILU LEITE
No dia 8 de agosto comemorou-se o Dia Nacional de Combate ao Colesterol, ainda um dos maiores vilões da saúde dos brasileiros. Segundo estimativas, morrem anualmente cerca de 400 mil pessoas em decorrência de doenças cardiovasculares no país. Em meados do ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou uma lista com as doenças que mais matam e as cardiovasculares surgem como a primeira causa de morte no mundo: 17 milhões de pessoas só em 2011. É gente demais. Quando pensamos que grande parte dessas doenças são adquiridas, ou seja, não são simplesmente transmitidas (ainda que se leve em conta a tendência genética), e que a ingestão de colesterol ruim está na base de quase todas elas, a primeira pergunta que se faz é: como escapar dele? A resposta mais imediata é tão surpreendente quanto as estatísticas: comendo bem.
O reconhecimento da importância da boa alimentação, finalmente, surge como a grande novidade deste século, uma notícia a ser comemorada, porque coloca a responsabilidade pela boa saúde, primeiramente, nas mãos do cidadão, dando-lhe poder de decisão. Cientistas de todo o planeta se debruçam sobre pesquisas com o intuito de avaliar os alimentos e suas propriedades, muitas delas até curativas. A vida saudável tem como linha mestra uma alimentação equilibrada, sem abusos. Parece fácil, deveria ser, mas as coisas não funcionam bem assim.
Apesar de ocupar lugar de destaque em universidades e consultórios, a prática de comer bem não está, digamos, na boca do povo. O brasileiro (e ele não está sozinho nisso) come mal. A tão difundida parceria entre arroz e feijão, ainda que acrescida de carne, tem baixo teor nutritivo, de acordo com uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no final de 2011. Para piorar, a mesma pesquisa apontou que 61% da população ingere muito mais açúcar do que o recomendado pelos médicos. O consumo calórico médio do brasileiro é de 2.044 calorias (kcal) por dia, o que está praticamente dentro da meta estabelecida pela Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) do governo federal, com vista ao controle da obesidade, entre outros fatores. Neste caso, o problema, é claro, não está na quantidade, mas na qualidade. O consumo diário de colesterol apontado entre os homens está em torno de 231,1 mg. As sociedades médicas recomendam ingestão diária de colesterol inferior a 300 mg para a população em geral e abaixo de 200 mg para pessoas com histórico de doenças cardíacas. Não ultrapassamos o limite, mas falta pouco.
O fato é que, além do abuso do colesterol, a pressa, ao que parece, também é a grande vilã. “O acúmulo de tarefas no dia a dia leva à falta de tempo para preparar a alimentação em casa; por isso, cada vez mais as pessoas estão optando pela refeição rápida”, acentua a nutricionista Patrícia Bertolucci, que atende em sua clínica na Vila Olímpia, em São Paulo. Mas, como ela mesma enfatiza, não é só a falta de tempo que conta. “Atualmente, as praças de alimentação dos grandes centros de compras oferecem fast-food com uma linha mais saudável de complementos, como saladas, preparações integrais, carnes grelhadas, sucos naturais, entre outras opções mais nutritivas, a um custo bem semelhante ao dos famosos combos de hambúrguer, batata frita e refrigerante”, ela destaca.
O problema então existe porque comemos na rua em demasia, certo? Errado. Quando come em casa, o brasileiro vai de refeições de alto teor calórico, mas pouco nutritivas (lembra do arroz com feijão?), ficando bem distante do melhor, preconizado pelos médicos e nutricionistas. Uma alimentação saudável precisa conter todos os grupos alimentares, e o correto é consumir um grande aporte de vitaminas e minerais, presentes principalmente nas frutas, verduras, legumes e cereais integrais.
Com relação aos carboidratos, o ideal é ficar com o consumo de alimentos de baixo ou médio índice glicêmico, ou seja, que são digeridos mais lentamente pela presença das fibras que retardam o esvaziamento gástrico, impedindo que o indivíduo venha a ter um pico glicêmico. A elevação da glicemia se dá quando consumimos pães e massas feitas com farinha branca e doces confeccionados com açúcar branco, alimentos que elevam rapidamente a concentração de glicose e, consequentemente, de insulina na corrente sanguínea. “A longo prazo, a pessoa pode desenvolver uma resistência à insulina – diabetes tipo 2 –, além de acumular gordura corporal”, alerta a nutricionista, lembrando que adicionar aveia ou germe de trigo integral em preparações ou em frutas, trocar o pãozinho francês pela versão integral e substituir o arroz branco pelo integral ou por tubérculos como a batata-doce ou o inhame são excelentes opções para quem quer se alimentar bem.
Corre-corre não emagrece
Mohamad Barakat, médico do Instituto de Medicina Integrada, Fisiologia e Nutrologia Esportiva Health4Life, em São Paulo, dá outra sugestão: Que tal substituir alguns alimentos e fazer a pé o caminho ao supermercado? “Recebo milhares de pessoas que muitas vezes estão insatisfeitas com o corpo, reclamando do peso e dos maus hábitos”, ressalta ele, lembrando que as razões estéticas muitas vezes se sobrepõem na hora de consultar um profissional de saúde. Mas tem a questão do sobrepeso que realmente importa. É ele o bicho-papão que apavora grande parte dos clientes de Barakat e da clínica de Patrícia. “Cerca de 70% dos indivíduos que procuram auxílio nutricional desejam emagrecer e perder a gordura corporal; 25% têm algum problema de saúde (diabetes, pressão alta, doença cardíaca, doença no fígado ou rins) ou alterações na concentração de gordura no sangue (colesterol, triglicérides) e apenas 5% deles estão preocupados com a melhora dos hábitos alimentares associada à prática de atividade física”, informa a nutricionista.
A vida moderna criou um paradoxo: os indivíduos parecem se agitar muito mais, espremem tarefas e atividades num tempo que não é possível dilatar e, ainda assim, engordam. O corre-corre não emagrece. Pelo contrário, as pessoas engordam cada vez mais e ganhar gordura, sabe-se, não é nada bom para a saúde física tampouco para a emocional. Um interessante estudo publicado pelo IBGE já alertava há algum tempo para a escalada do problema. De acordo com o instituto, o peso dos brasileiros vem aumentando nos últimos anos. Em 2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso recomendado pela OMS. Um estudo realizado no período compreendido entre 1974-1975 e 2008-2009 concluiu que a parcela entre os jovens de 10 a 19 anos de idade com excesso de peso passou de 3,7% para 21,7%. Entre as jovens, a taxa saltou de 7,6% para 19,4%. No grupo de homens adultos, o avanço foi ainda mais alarmante: de 18,5% para 50,1%; já o das mulheres foi de 28,7% para 48%. O mais revelador, entretanto, foi saber que o sobrepeso acomete mais os homens com maior rendimento, 61,8%, e varia pouco entre as mulheres, 45% a 49%, em todas as faixas de renda. De acordo com o mesmo estudo, nos 35 anos seguintes (período compreendido entre 1974 a 2009) o aumento de peso entre os jovens daquela faixa etária (de 10 a 19 anos) foi contínuo, 21,7% entre os rapazes e de 19% entre as moças.
O assunto é, portanto, relevante e sua gravidade já chegou à infância. Sabe-se que a obesidade infantil pode gerar outras doenças, como diabetes e hipertensão, e o primeiro parceiro no combate a esse mal está dentro de casa. “Os pais devem estimular refeições balanceadas, atividade física e mudança para hábitos saudáveis em toda a família, incluindo na rotina das crianças alguns exercícios físicos de acordo com a idade, peso e disposição”, ressalta Barakat. Ele diz que as crianças não são afeitas às dietas, por isso tentar uma abordagem diferente e não obrigá-las a comer pode ajudar no sucesso da empreitada. “É preciso estar consciente da importância de motivá-las desde cedo a ter hábitos saudáveis”, resume.
Eliminação das gorduras
Por essas e por outras é que a crescente adesão de prefeituras de várias cidades brasileiras a projetos que regulamentam a venda de lanches nas cantinas escolares só pode ser festejada. À frente do projeto de lei federal, que foi aprovado no Senado em agosto de 2013 e que ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados, alguns municípios da Bahia, do Ceará, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de São Paulo, além do Distrito Federal, já proibiram a venda de salgadinhos, refrigerantes e outras guloseimas ultracalóricas e pouco nutritivas nas escolas públicas e privadas. Resta saber quando o restante da nação vai trilhar o mesmo exemplo. Afinal, ter 33,5% das crianças do país com sobrepeso, 14,3% delas obesas (esses dados, de 2012, são da OMS), é motivo de preocupação. O Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação, vem desenvolvendo o programa Saúde na Escola para criar nas crianças o hábito da boa alimentação, investida que mira também a família dos alunos.
A compulsão por comida “gorda” é um assunto que tem despertado não só o interesse dos médicos que lidam com pacientes ansiosos por emagrecer, mas também de pesquisadores do cérebro humano. Nos últimos anos, teorias diversas têm sido aprofundadas em busca de explicações para o descontrole das pessoas que comem muito. Uma delas sustenta que comida em excesso gera um ciclo de recompensa nos mecanismos cerebrais, de tal modo que quanto mais o indivíduo come mais sente que precisa comer. Isso explicaria, por exemplo, por que mesmo de barriga cheia não conseguimos dizer não a um pote de sorvete. Sob esse ponto de vista, a comida gorda conteria algum tipo de componente que causaria uma espécie de dependência, a exemplo do que ocorre com a nicotina dos cigarros. Na mesma linha, alimentos industrializados (altamente processados) e uma série de carboidratos (sobretudo as farinhas brancas) também poderiam gerar compulsão.
Essa nova maneira de encarar os problemas alimentares é polêmica e inovadora. À parte o fato de muitas dessas pesquisas estarem ainda em fase de desenvolvimento, o que se ganha de imediato é a revisão de um preconceito: o de que as pessoas que comem “porcarias” e excedem na quantidade o fazem porque não têm força de vontade ou autocontrole. Ao que tudo indica, a questão envolve complexidades que, a partir de agora, não podem mais deixar de fazer parte da equação alimentar para uma vida saudável. E não podemos esquecer que a atividade física é outro fator indispensável nessa equação. Exercícios, caminhadas, dança, pedaladas, tudo isso traz enormes contribuições para o bom funcionamento do corpo e da mente.
Contudo, erra quem pensa que o ideal é a total eliminação das gorduras nas refeições. A questão é, mais uma vez, de escolha. Devemos priorizar as gorduras saudáveis. “As gorduras insaturadas (responsáveis por auxiliar a saúde do coração) estão presentes no azeite de oliva extra virgem e nos peixes como a sardinha, que fornecem ômega 3, um ácido graxo que nosso organismo não produz e é indispensável, uma vez que possui ação antioxidante e anti-inflamatória”, esclarece Patrícia.
Os motivos para a má alimentação do brasileiro são muitos, indo desde o pouco interesse pelo assunto (aspecto que não está restrito aos menos instruídos), passando pelo ritmo da vida moderna (pouco tempo para comer, a recompensa emocional das guloseimas) para culminar nas muitas facilidades proporcionadas pelo consumo de alimentos industrializados. Contudo, como insiste em nos mostrar a vida, nem tudo o que é fácil é bom. Comer bem implica uma mudança de hábitos e isso não tem nada a ver com facilidades.
“Para começar, é necessário que se crie o costume de consumir alimentos a cada três horas, a fim de manter o metabolismo do organismo”, ressalta a nutricionista. Além disso, o consumo de frutas também deve ser adequado. Recomenda-se pelo menos cinco porções de vegetais por dia. A fim de economizar na hora das compras, Patrícia aconselha que se dê atenção aos vegetais (frutas e legumes) da estação, já que têm melhor qualidade nutricional e preço, pois são produzidos em maior escala.
O açúcar e o sal
Variedades nos legumes e folhas também é essencial. A dobradinha alface com tomate é boa, mas devemos multiplicar a diversidade de vegetais, incluindo principalmente folhas verde-escuras como rúcula, agrião, escarola ou até mesmo couve crua na salada. Bons hábitos alimentares também podem ser criados em relação ao uso do sal de cozinha. “A recomendação ideal seria de cinco gramas ao dia por pessoa, ou seja, o equivalente a cinco colheres (café) divididas entre todas as refeições, lembrando que muitos produtos que consumimos prontos já são ricos em sal”, adverte Patrícia. O açúcar branco também aparece como vilão na nossa alimentação: a recomendação da OMS é de que o consumo do derivado da cana-de-açúcar não ultrapasse 10% das calorias na dieta. Por exemplo: um adulto que consome duas mil calorias por dia não deve ultrapassar 200 kcal/dia de açúcar no mesmo período. O consumo máximo seria, pois, de 50 gramas, correspondendo, em medidas caseiras, a duas colheres (sopa) por dia. “Vale dizer que o açúcar, assim como o sal, está presente em muitos produtos industrializados que consumimos. Por exemplo, um copo de suco de frutas não natural pode conter metade de todo o açúcar que deveríamos ingerir num único dia”, diz a nutricionista. Por fim, a ingestão de óleos também deve estar na mira da mudança de hábitos. Nada de banhar os alimentos em gordura, sem se preocupar com a quantidade. O aconselhável é uma colher (sopa) de óleo para preparar todos os alimentos do almoço ou jantar e é importante evitar o consumo de frituras.
O médico Mohamad Barakat, por sua vez, além das recomendações alimentares, reforça a importância da ingestão de água para o bom metabolismo. No mais, costuma orientar seus pacientes a se manterem ligados a quatro pilares para obterem uma vida realmente equilibrada: alimentação e intestino saudáveis, modulação hormonal, exercícios físicos, boa qualidade do sono e controle do estresse. “Tenha sempre uma garrafa de água em qualquer lugar. Tome um café da manhã reforçado. Muitos estudos comprovam que essa refeição proporciona melhor desempenho no trabalho e nos estudos, e ainda dá um start no seu metabolismo”, ensina.
Um número cada vez maior de pesquisas aponta que alguns alimentos não só fazem bem à saúde como podem auxiliar na cura de doenças. No Dia Mundial de Combate ao Câncer, deste ano, muitas instituições de saúde chamaram a atenção para a prevenção da doença por meio de uma alimentação saudável, lançando uma campanha sob a responsabilidade da União Internacional de Controle do Câncer (UICC) que agrupa cerca de noventa países. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) dá total apoio à divulgação da iniciativa. O enfoque principal aqui recai sobre as crianças e a família, e enfatiza a importância da amamentação e o consumo de alimentos com baixo teor de gordura (que tem influência sobre as taxas de hormônios e estes, por sua vez, estão associados a certos tipos de câncer).
Outras doenças que podem ser evitadas com bons hábitos alimentares são a gastrite, a hipertensão e a diabetes, entre outras. “Comer bem não é sinônimo de cura dos males que afligem o organismo humano, mas de manutenção no combate de muitos sintomas. Está comprovado que a mudança no estilo de vida no tocante à alimentação, aos hábitos e exercícios pode prevenir e controlar a maioria das doenças crônicas já conhecidas”, ilustra Barakat. Segundo ele, se a pessoa se exercita todos os dias, se mantém uma dieta saudável e disciplinada e se procura os melhores hábitos de vida, fica muito mais difícil contrair algumas dessas doenças. “A alimentação é fator chave para a prevenção e o controle, e a capacidade que os nutrientes têm de modular a expressão gênica deverá ser considerada para a escolha de alimentos específicos, a fim de evitar a ocorrência de doença crônica não transmissível”, finaliza o médico.