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Estímulo à criatividade
Por: JOSÉ PAULO BORGES
Pato Branco tinha tudo para ser mais uma cidade rodeada de sossego por todos os lados, com as pessoas sentadas na frente das casas nos fins de tarde espiando a vida passar. Nada disso. Ao contrário de tantas outras aglomerações urbanas de seu tamanho, Pato Branco foi à luta: colocou em seu enredo palavras como inovação, empreendedorismo, criatividade e educação e passou a repeti-las como um mantra. Foi o suficiente para alçar voo. Hoje, na passarela dos municípios brasileiros, esta cidade do sudoeste do estado do Paraná, com cerca de 80 mil habitantes e a 438 quilômetros de Curitiba, se destaca pela expressiva pontuação no quesito desenvolvimento com a base fincada na tecnologia.
São mais de 70 empresas de tecnologia da informação (TI) e do segmento eletroeletrônico – a maioria de pequeno porte –, espalhadas por todos os cantos da cidade. O que essas companhias produzem, dificilmente será encontrado em gôndolas de supermercados, menos ainda nas vitrines das lojas de grife dos shoppings. Os produtos made in Pato Branco estão presentes no dia a dia de milhões de pessoas, sem que elas se apercebam disso. São acessórios automotivos, bobinas e cones usados na montagem de alto-falantes, bloqueadores eletrônicos para ralos e bueiros, equipamentos para automação comercial e industrial e rastreadores de etiquetas inteligentes. Também fazem parte dessa lista, por exemplo, dispositivos eletrônicos responsáveis pela administração de cartões para supermercados e automação de portas de vans.
Há ainda nesse microcosmo tecnológico um punhado de firmas dedicadas à produção de softwares utilizados tanto pela administração pública quanto pelos setores empresarial e financeiro, assim como na gestão e no controle de uma extensa rede de atividades, tais como academias, escolas, clínicas médicas e odontológicas, clubes, construtoras, entidades de classe, postos de abastecimento e restaurantes, além de avícolas especializadas na produção de pintos de um dia.
O caminho que levou Pato Branco a se transformar num polo tecnológico começou a ser desenhado há mais de 30 anos, com a instalação, em 1979, da Faculdade de Ciências e Humanidades de Pato Branco (Funesp). O marco inaugural da atividade de desenvolvimento de softwares na cidade e na região foi a criação, em 1986, do curso de tecnologia em processamento de dados, uma tacada fundamental para o desenvolvimento do setor de tecnologia da informação, por ter sido responsável pela formação de um número expressivo de empresários pioneiros.
Nos anos 1990, o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico, do governo federal, possibilitou ao Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-PR) – atual Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – expandir-se para o interior do estado, com a instalação de cinco unidades, dentre as quais o campus de Pato Branco. Mais tarde, foi dada vida a uma incubadora montada especialmente para abrigar empresas de base tecnológica, oferecendo espaço físico, suporte gerencial e técnico durante a fase embrionária dos empreendimentos. Em 1996, teve início o projeto Pato Branco Tecnópole (PBTec), uma estratégia de desenvolvimento que coincidiu com o período em que a atividade de informática era a menina dos olhos das bolsas de valores do Primeiro Mundo em razão do boom das empresas “ponto com”.
Em 2013, a prefeitura criou a Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação (SMCTI), com a missão de “elaborar, programar e gerir a política municipal de ciência, tecnologia e inovação”, bem como “promover e estimular a articulação institucional do município com o universo acadêmico, instituições de pesquisa, empresas, entidades públicas e privadas, e com a sociedade civil organizada”. Uma das principais incumbências da SMCTI é a administração do Parque Tecnológico de Pato Branco (PTPB). “O diferencial do nosso parque é que não se trata de um espaço físico onde estão concentradas várias empresas do mesmo segmento. A cidade como um todo é um ambiente tecnológico”, ressalta, eufórico, Augustinho Zucchi, prefeito municipal.
Incentivos fiscais
Fundamental para o salto tecnológico dado pelo município é a existência de um sistema de ensino superior, formado por instituições como a Faculdade Mater Dei, a Universidade Aberta do Brasil e o campus da UTFPR, que oferecem dezenas de cursos de graduação, nível técnico profissionalizante, especialização e mestrado. Juntas, essas instituições abrigam, aproximadamente, 8 mil alunos, ou seja, em torno de 10% da população. “A instalação desse complexo educacional proporcionou as condições para que o município direcionasse seu modelo de desenvolvimento de longo prazo para a ciência, a tecnologia e a inovação, tudo com base numa matriz produtiva local e regional”, destaca Zucchi.
Além da infraestrutura educacional, a adoção de uma política de incentivos fiscais também foi decisiva para estimular o incremento de empresas de base tecnológica no município. Um dos atrativos é a tributação diferenciada, estabelecida pela Lei Estadual 15.634/2007, que prevê redução de até 80% no Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para companhias dos setores de eletroeletrônica, de informática e de telecomunicações, instaladas não apenas em Pato Branco, mas também em Dois Vizinhos, Foz do Iguaçu e Francisco Beltrão. “O município não só concede benefícios como, em alguns casos, paga o aluguel do estabelecimento até que a empresa erga a sua própria sede”, relata Zucchi.
Com o motor que transformou a cidade em polo tecnológico operando a plena força, os resultados logo apareceram. Hoje, Pato Branco faz parte do fechadíssimo grupo de 29 municípios (2,4% do total) da região sul do Brasil com as mais expressivas performances no item emprego e renda. Também se destaca entre as cidades brasileiras nos quesitos educação e saúde. A constatação é do Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), indicador criado em 2008 pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). O IFDM acompanha, ano a ano, o desempenho socioeconômico de todos os municípios brasileiros em três áreas – emprego e renda, educação e saúde –, com base em estatísticas oficiais dos Ministérios do Trabalho, Educação e Saúde. Para classificar o nível de desenvolvimento de cada localidade naqueles três itens, o índice vai de 0 (mínimo) a 1 ponto (máximo). São quatro as variações: baixo nível (de 0 a 0,4), regular (0,4 a 0,6), moderado (0,6 a 0,8) e alto (0,8 a 1). Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento da localidade. Na edição deste ano do IFDM foram utilizados dados de 2011. Segundo a Firjan, em 2014 “a metodologia foi aprimorada para captar os novos desafios do desenvolvimento brasileiro, com base em padrões encontrados em países mais avançados”.
O IFDM divulgado no final de maio mostra que, de 2007 a 2011, Pato Branco teve um crescimento de 16,76% no indicador emprego e renda, ocupando o segundo lugar no estado do Paraná, nesse item. No ranking geral do IFDM (que inclui os três itens pesquisados), Pato Branco está em nono lugar. Em todos eles, o município atinge níveis altos de desenvolvimento: acima de 0,8 pontos. “Os dados da Firjan mostram a importância do polo tecnológico do município para a elevação da renda e a geração de empregos tanto na cidade como na região”, analisa o professor Géri Natalino Dutra, secretário municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação. De acordo com ele, os setores de tecnologia da informação e de eletroeletrônicos, juntos, são responsáveis por 4,5 mil empregos diretos no município, com salários médios entre R$ 2 mil e R$ 2,5 mil. “Profissionais mais talentosos ganham mensalmente em torno de R$ 4 mil”, conta o secretário.
“Pato a Jato”
Os pato-branquenses dizem que o futuro aponta para o bairro Fraron. Lá, num terreno de mais de 17 mil metros quadrados doado pela municipalidade, ao lado do campus da UTFPR, está sendo construído o Parque Tecnológico de Pato Branco. Serão 5.043,08 metros quadrados de área construída com investimentos que ultrapassam R$ 7,5 milhões. “A previsão é que a obra seja inaugurada em dezembro deste ano”, garante Dutra. A expectativa é que o parque tecnológico impulsione ainda mais o desenvolvimento da cidade. Na incubadora tecnológica, que funcionará no local, novos projetos nas áreas de software e hardware serão desenvolvidos. “São projetos concebidos por jovens empreendedores que contarão com estrutura e ferramentas adequadas para concretizar seus produtos”, avalia o secretário. Além da nova incubadora, o parque abrigará um centro de pesquisas, laboratórios e seis módulos industriais que servirão não só para atrair empresas de base tecnológica, como para criar novas e fortalecer as já existentes. “O lugar foi concebido para dar suporte ao desenvolvimento local, priorizando as firmas de nossa cidade, gerando renda e ampliando oportunidades de negócio”, pontua o secretário.
Um dos projetos nascidos na incubadora chama a atenção. Trata-se do Inna, um software da área de tecnologia assistiva (que visa à inclusão social e a independência de pessoas com deficiência), concebido por Bruna Kwiatkovski e Lucas Padilha Gois a partir de conhecimentos obtidos pelos dois jovens no curso de graduação em sistemas de informação do Instituto Federal do Paraná. “O objetivo do programa é auxiliar pessoas com sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo, a romper a barreira da comunicação”, esclarece Lucas.
A ideia surgiu a partir de um drama doméstico amargado por Bruna: seu pai, que sofria de um câncer, estava impedido de falar. Disposta a encontrar uma alternativa que permitisse ao pai se comunicar com a família, Bruna convidou Lucas, que aceitou o desafio e, juntos, desenvolveram um aplicativo que torna possível a interação entre enfermos e cuidadores mediante um simples toque na tela de computadores, smartphones, iPhones, iPads e tablets. O projeto foi apresentado numa banca da incubadora tecnológica de Pato Branco e obteve aprovação.
O software, de acordo com os dois inventores, pode ser usado em diversos ambientes, porém, a meta é a rede hospitalar. A ideia é facilitar a comunicação entre os pacientes que estão nos quartos e os postos de enfermagem. “Em vez de a enfermeira se deslocar até o quarto, o paciente é quem sinaliza, alertando que está acontecendo algo com ele e, assim, as medidas de auxílio podem ser imediatamente tomadas”, explicam. Por exemplo, se o paciente desejar água, ele dá um toque num ícone de copo de água e se estabelece a comunicação. O sistema conta com 80 ícones voltados às necessidades básicas como comer, ir ao banheiro etc. “O Inna vai dispor também de uma função de reconhecimento de gestos para atender às pessoas com dificuldades visuais”, diz Bruna. À frente da Inasoft Tecnologia Assistiva, Bruna e Lucas encaram, agora como empresários, o desafio de encontrar parcerias que deem sustentação ao projeto.
Dizer que Pato Branco respira tecnologia não chega ser um exagero, e a prova disso é a equipe Pato a Jato, formada por um grupo de estudantes de engenharia mecânica do campus local da UTFPR. Eles são responsáveis pela criação do Uteco, um protótipo de automóvel movido a etanol que fez sucesso na 10ª Maratona Universitária de Eficiência Energética, realizada em 2013, em São Paulo. A competição reuniu cerca de 500 estudantes de 29 universidades brasileiras, que apresentaram 55 protótipos. Foram três dias de disputa atrás dos melhores índices em economia de energia no Kartódromo Ayrton Senna, em Interlagos. Ao final, com a marca de 108 km/l, o Uteco conquistou o terceiro lugar na categoria etanol. “O veículo faz parte do projeto de eficiência energética da UTFPR-PB que começou em 2010 e tem como meta conceber modelos movidos a gasolina, etanol e elétricos, que consumam o mínimo possível de combustível”, explica o professor Marcio Tadayuki Nakaura, orientador do programa.
Tablets e notebooks
Os avanços tecnológicos em Pato Branco não se esgotam aqui. Os meninos João Vitor Berone e Emanuel Ricardo Tavares, ambos com 10 anos de idade, precisaram apenas de um tablet na mão e uma ideia na cabeça para criar a Barata Elétrica, um robozinho feito a partir de materiais sucateados, recolhidos por eles, como a ponta com cerdas de uma escova de dentes descartada – que serviu de pés da engenhoca – e um vibrador de celular fora de uso – o coração da maquineta –, amarrados com fita adesiva. A demonstração em sala de aula para os colegas da quinta série da Escola Municipal Irmã Dulce foi um sucesso. Entusiasmados, os dois pequenos cientistas já decidiram: no futuro querem ser engenheiros e atuar, quem sabe ali mesmo em Pato Branco, na área da robótica.
Ao lado de mais de mil alunos do ensino público fundamental, João Vitor e Emanuel Ricardo também são beneficiados pelo projeto Escola Digital. Implantado pela prefeitura no segundo semestre do ano passado, por meio das secretarias de Educação e Cultura e de Ciência, Tecnologia e Inovação, o programa consiste na distribuição de tablets, para estudantes do quinto ano da rede municipal de ensino, e de notebooks aos professores que receberam treinamento para utilizar os recursos dessas tecnologias no ambiente escolar, ao lado das tradicionais lousas e do giz.
Os tablets, que podem ser levados para casa pelos alunos, dispõem de diversos aplicativos e até mesmo e-books com textos de autores pato-branquenses. “Somos uma cidade que tem como diferencial a produção tecnológica. Logo, é uma questão de justiça social a inserção desde cedo de ferramentas da tecnologia na rede pública municipal, pois não podemos formar a geração de amanhã com os recursos de ontem”, entusiasma-se o prefeito Augustinho Zucchi.
E imaginar que tudo começou com um tiro certeiro dado num pato selvagem. Mas, para entender essa história, é preciso voltar até o final do século 19. A linha do tempo mostra, na época, levas de condenados e procurados pela Justiça do Rio Grande do Sul, e de fugitivos da Revolução Federalista do final do daquele século, naquele estado, instalando-se na região onde atualmente fica Pato Branco. Havia também um bocado de argentinos por lá, dedicados principalmente ao contrabando de erva-mate. Na cena seguinte, já nos primeiros anos do século 20, a personagem central é um gaúcho, de nome João Arruda, que teve de fugir do Rio Grande do Sul com a família, pois estava jurado de morte por querelas políticas. Eis que, um belo dia, ele abate com um tiro certeiro, às margens do rio Chopim, um pato selvagem de plumagem branca. Ato contínuo, Arruda passa a chamar um dos afluentes do Chopim de rio do Pato Branco.
Em 1918, o governo do Paraná criou por aqueles lados a colônia de Bom Retiro, para acolher as pessoas que não aceitaram morar nas terras que passaram a pertencer ao estado de Santa Catarina, após a Guerra do Contestado – conflito que eclodiu numa região de litígio entre catarinenses e paranaenses, de 1912 a 1916, ganhou grandes proporções e teve um epílogo sangrento. Na colônia de Bom Retiro duas vilas logo se destacam: a Vila Nova e a Bom Retiro, esta última situada às margens do tal rio do Pato Branco.
Passou o tempo e a colônia prosperou. Na década de 1930, o governo federal levou dois postos telegráficos para lá, sendo que um deles foi instalado na vila Bom Retiro. Este logo ficou conhecido como posto do rio do Pato Branco, expressão utilizada pelos operadores para se comunicar com outras localidades. Não demorou muito e logo todos estavam chamando a região de Pato Branco. O dia 30 de outubro de 1951 é a data da última cena da linha do tempo. Por força da Lei Estadual número 790, o território onde no início do século passado um certo João Arruda abateu um pato selvagem branco é elevado à categoria de município. O nome? Município de Pato Branco, claro.