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O salto das “multis” nacionais
Por: MIGUEL NÍTOLO
É difícil aquilatar o real interesse do empresário brasileiro pela abertura de filiais no exterior, mas é possível ter uma noção de quantas companhias verde e amarelo já cruzaram a fronteira, fincaram suas bandeiras lá fora e se transformaram em multinacionais. Elas já seriam mais de mil, uma experiência que parece fazer parte da agenda de empreendedores efetivamente antenados com as peculiaridades de um mercado cada vez mais globalizado. Na realidade, sabem os comandantes das empresas nacionais que estão dando esse passo, o mercado já não é mais local, mas mundial. Da mesma maneira como as transnacionais estrangeiras investem em bases no Brasil, procedimento que vem de longe, muitas firmas daqui se sentiram tentadas, nos últimos 20 anos, a sair atrás de novos clientes mediante a implantação de unidades produtivas ou comerciais mundo afora.
A bem da verdade, montar negócio no estrangeiro, com os pés no chão, só traz vantagens: contribui para o crescimento da empresa e a torna mais competitiva, conforme mostram os exemplos dados pela Marcopolo, Tigre, Stefanini, Gerdau e JBS, companhias retratadas nesta reportagem e que integram a lista das 20 empresas nacionais mais internacionalizadas da Escola de Negócios Fundação Dom Cabral (FDC). “Se as firmas brasileiras não investirem no campo da competitividade ou deixarem de buscar mercados em outras praças, acabarão sufocadas pela concorrência interna”, alerta Michel Alaby, consultor de comércio exterior. Ou, como diz Sherban Leonardo Cretoiu, professor-coordenador do Núcleo de Negócios Internacionais da FDC, “o Brasil está perdendo vantagens comparativas. Isso faz com que empresas se beneficiem quando passam a produzir em outros países”. Ou, ainda, conforme salientou à revista “IstoÉ Dinheiro” o empresário André Gerdau Johannpeter, CEO da siderúrgica Gerdau, “a principal vantagem da diversificação geográfica é a diluição de riscos”.
O fato é que demoramos muito para entender que a internacionalização é um bem. A taxa de câmbio, a despeito das recentes desvalorizações do real, ainda continua tornando os ativos atraentes no estrangeiro, estimulando o empresariado nacional a sair à procura de bons negócios. Acontece que, segundo Alaby, “não há um planejamento governamental para isso, contrariando, por exemplo, o que aconteceu na China, país que ofereceu incentivos fiscais e financeiros e assinou acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos com mais de cem países”. Pior: de dois anos para cá houve um notório arrefecimento no ímpeto como as empresas brasileiras vinham palmilhando o mercado mundial atrás de boas oportunidades, e novos nomes deixaram de aparecer na lista das internacionalizadas a despeito do elevado número de companhias habilitadas a colocarem os pés lá fora.
Mão na roda
Operar filiais no exterior, quando a iniciativa é cercada de cuidados e precedida de estudos, é uma mão na roda para o desempenho das corporações. Melhora a imagem da empresa, amplia as possibilidades comerciais, incrementa as exportações e tonifica o poder da corporação nas disputas pelo mercado global. Além do fato de que é importante estar perto da clientela internacional para poder melhor responder às suas demandas. Em recente depoimento, o diretor-geral da Marcopolo, José Rubens de la Rosa, falando sobre as investidas externas da companhia sob seu comando, uma das maiores encarroçadoras de ônibus do planeta (se não a maior), citou outro bom motivo para as empresas brasileiras considerarem com seriedade a expansão dos negócios na direção de outros países. “Um dos objetivos da Marcopolo com sua estratégia de diversificação, que envolve ter fábricas e atuar em vários mercados, é justamente minimizar os efeitos de uma eventual retração das vendas. Assim, mesmo que um mercado não esteja indo muito bem, outro poderá compensar e fazer com que a empresa alcance os resultados pretendidos.”
A internacionalização é um terreno em que a Marcopolo tem nadado de braçadas. Sua presença física fora do Brasil começou em 1991, com a aquisição da fábrica da Volvo em Joanesburgo, na África do Sul, unidade que passou a produzir carroceria para chassi de marcas diversas. Depois veio a união de atividade econômica (joint venture) com a russa Ruspromauto, no país de Putin, em 2006; a associação com a montadora Tata Motors na criação da Tata Marcopolo, na Índia, no mesmo ano; a associação com a argentina Metalpar, na região de Buenos Aires, e a inauguração da segunda fábrica indiana da Tata Marcopolo, indústria com a maior capacidade de montagem de ônibus do mundo, ambas em 2007.
A Marcopolo virou uma multinacional na verdadeira acepção da palavra, fazendo do investimento estrangeiro um dos pilares de sua estratégia de crescimento. Em 2008, a empresa constituiu as filiais Auto Components, na China – que desenvolve e produz sistemas, peças e partes de ônibus para as fábricas da companhia em todo o mundo –, e GB Polo, no Egito, em parceria com a GB Auto, de capital local. Em 2011, formalizou uma joint venture com a firma russa OJSC Kamaz – para a comercialização de carrocerias Marcopolo montadas sobre chassis Kamaz –, e adquiriu a argentina Metalsur, por intermédio da Metalpar, uma indústria de carrocerias de ônibus rodoviários, com destaque para os modelos dois andares (double-deck). Em 2012, assumiu 75% do controle da australiana Volgren, líder no mercado naquela parte do mundo, marcando a entrada de seus produtos na Oceania, e, no ano passado, comprou 19,99% da americana New Flyer, indústria de ônibus urbanos, e deu início à comercialização dos modelos da marca no mercado australiano por meio da Marcopolo Austrália.
Os passos no estrangeiro da encarroçadora de ônibus presidida por Rosa são basicamente os mesmos dados por centenas de outras companhias verde e amarelo que também estão fazendo bonito no estrangeiro. Veja-se o exemplo da Tigre, fabricante de conexões, tubos e acessórios em PVC, uma das maiores do mundo em sua área e faturamento anual de R$ 3 bilhões. Também dedicada à produção de itens para banheiros e lavanderias (marca Plena), ferramentas para pintura (Mestre e Pinctore), portas e janelas em PVC (Claris Tigre) e tubos corrugados em polietileno de alta densidade (Tigre ADS), o grupo empresarial Tigre opera 10 plantas industriais no Brasil e 14 no exterior.
Poucos brasileiros reúnem conhecimento sobre a expansão da companhia em outras línguas, mas é assim que a indústria fundada por João Hansen Júnior ganha músculos, uma história que teve início com a aquisição de uma fábrica de pentes de chifre de boi de marca Tigre, em 1941, empreendimento que, hoje, seis décadas depois, caminha no plano externo com a ligeireza do felino que lhe empresta o nome.
Começo tímido
Com quase 8 mil funcionários e negócios com 40 países, a escalada internacional da companhia fundada por Hansen começou em 1977 com a constituição de uma joint venture no Paraguai com a empresa Tubopar, mas foi somente em 1996 que ela estabeleceu definitivamente a estratégia de crescimento para fora de nossas fronteiras. “Tínhamos a América Latina como alvo porque eram boas as perspectivas de investimentos em infraestrutura na região”, esclarece a direção da empresa. “Ao longo dos últimos 18 anos, a Tigre fez mais de 20 aquisições externas e também iniciou operações partindo do zero, como no caso das filiais da Colômbia e do Uruguai. E, em 2008, iniciamos atividades nos Estados Unidos.” Em alguns mercados, a tradicional fabricante de conexões e tubos em PVC opera com mais de uma unidade produtora, como nos casos da Argentina (2), Bolívia (2), Chile (3) e Peru (2). O desenvolvimento de novos produtos, todavia, é feito em Joinville, no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da companhia e onde trabalham mais de cem profissionais.
A maior parte das empresas nacionais com filiais no estrangeiro são longevas, ou seja, o início de suas atividades vem de muitas décadas. Algumas delas, todavia, têm pouco tempo de vida, como é o caso da Stefanini, cuja operação teve início em 1987, época em que sua sede ficava na residência de Marco Stefanini, seu atual CEO. Pouco a pouco, a companhia ganhou vulto como uma das mais importantes provedoras de soluções de tecnologia do planeta (Consultoria, Integração, Desenvolvimento de Soluções e Outsourcing para Aplicativos e Infraestrutura, e, ainda, Business Process Outsourcing para processos de negócios), abriu filiais em 33 países e revela disposição para continuar fincando seu letreiro ao redor do planeta.
Quem vê o porte da Stefanini hoje não imagina nem de longe como foram acanhados seus primeiros passos no mercado tão logo deixou a casa de seu fundador, em 1988, indo se abrigar num escritório de apenas 38 metros quadrados na Avenida Paulista, em São Paulo. De lá para cá, todavia, foi acelerando o passo e aumentando o número de clientes e instalações físicas. Em 1996, quando recebeu a certificação ISO 9001 e, agora, já com a firme decisão de ganhar o mundo, a Stefanini lançou âncoras ao exterior com a abertura da filial argentina, a primeira cartada de sua decidida investida externa.
Quatro anos mais tarde, foi a vez do Chile receber uma subsidiária da empresa de Marco Stefanini, vindo a seguir a inauguração das unidades da Colômbia, Estados Unidos, México e Peru (2001); Espanha (2003); Angola e Portugal (2004); de novos escritórios nos Estados Unidos (Nova York) e na Itália (2005); na Índia e na Inglaterra (2006). Dois anos mais tarde, a Stefanini abriu as portas de uma coligada no Canadá, incursão externa que chegou à Bélgica, em 2010, e levou à aquisição, em 2011, das empresas Tech Team, nos Estados Unidos, e Informática & Tecnologia, na Colômbia.
Em 2012, foi a vez da abertura de uma filial na África do Sul e, no ano passado, da aquisição da americana RCG Staffing. “Hoje, atendemos em 32 idiomas e isso nos confere uma posição privilegiada perante nossos clientes”, diz Marco Stefanini. Com faturamento de R$ 2,11 bilhões em 2013, ele revela que sua empresa planeja investir R$ 400 milhões para dobrar de tamanho até o final de 2016, tendo a internacionalização como um dos pilares desse ambicioso planejamento. O empresário destaca que a operação latino-americana foi a responsável pelo melhor desempenho do Grupo Stefanini no passado e, por isso, será alvo dos investimentos da multinacional daqui em diante. “Colômbia, México e Uruguai foram os mercados que se sobressaíram e ajudaram a alavancar o crescimento de 19% da companhia registrados nos últimos dois anos”, revela ele. Na verdade, a operação no México é a maior da Stefanini fora do Brasil, país em que o grupo atua por meio de cinco filiais (Cidade do México, Guadalajara, Monterrei, Querétaro e Toluca). “São quase 800 colaboradores e 40 clientes ativos, entre eles os seis maiores bancos locais e grandes multinacionais”, informa Sergio Donizeti, diretor geral da Stefanini na nação do sombreiro.
O México é tão importante nos planos da empresa que inauguramos, no início do ano, em Querétaro, um centro de desenvolvimento global mediante investimentos de US$ 1 milhão, instalações que terá sob sua responsabilidade o atendimento dos clientes da América Latina e dos Estados Unidos. A nova unidade entrou em funcionamento com 200 colaboradores, mas a ideia é chegar a 500 em um curto espaço de tempo. Por que Querétaro? “Trata-se de uma das maiores economias do México, além de ser a cidade mais segura, não estar sujeita a terremotos e dispor de excelentes universidades e mão de obra qualificada”, diz Donizeti. O executivo comenta que a expectativa é tornar as novas instalações uma referência mundial, um centro moderno e com toda a infraestrutura necessária para dar cabo das necessidades mais críticas dos clientes.
Direto de Anápolis
Assim como a Stefanini, a gaúcha Gerdau também dá ênfase a seus negócios internacionais, uma experiência que começou em 1980 com a aquisição da uruguaia Laisa. Líder no segmento de aços longos nas Américas e uma das principais fornecedoras de aços longos especiais no mundo, a empresa fundada por João Gerdau e seu filho Hugo, em 1901 em Porto Alegre e, no início, fabricante de pregos, ingressou recentemente no mercado brasileiro em dois novos segmentos, a produção própria de aços planos e a expansão das atividades com minério de ferro. É com esse fôlego que a siderúrgica azeita seus negócios nos países onde mantém negócios, filiais que, em parceria com as instalações no Brasil, dão ao grupo capacidade instalada superior a 25 milhões de toneladas anuais de aço. Além disso, é a maior recicladora da América Latina, transformando em aço, todos os anos, milhões de toneladas de sucata.
Conforme o relatório 2013 da Gerdau, a linha do tempo mostra que depois do Uruguai o logotipo da companhia passou a brilhar na província de Ontário, no Canadá, por conta da aquisição, em 1989, da Courtice Steel, siderúrgica que tão logo mudou de mãos passou a se chamar Cambridge. Três anos mais tarde, a empresa brasileira comprou a AZA, no Chile, em 1995 absorveu os negócios da canadense MRM, de Manitoba, em 1998, adquiriu parte do capital da laminadora Sipar, na Argentina, assumindo em 2005 o controle total do negócio.
Em 1999, com a aquisição da Ameristeel, o grupo gaúcho deu partida à sua firme caminhada nos Estados Unidos. Por conta dessa investida, a Ameristeel e a Co-Steel tiveram unificadas suas operações no mercado americano, dando origem à Gerdau Ameristeel. Veio depois a compra da usina Cartersville, também nos Estados Unidos, em 2001; a Diaco, na Colômbia, e a North Star Steel, nos Estados Unidos, em 2004; a Sidenor, na Espanha (40% do controle), em 2005; a Siderperu, no Peru, a GSB, na Espanha, e as americanas Sheffield Steel, Callaway Building Products e Pacific Coast, em 2006; a Chaparral Steel (uma das maiores produtoras de perfis estruturais do mercado americano e a maior aquisição já feita pela Gerdau) e a Macsteel (as duas nos Estados Unidos), a Siderúrgica Tultitlán, no México, e a Siderúrgica Zuliana, na Venezuela, em 2007, ano em que ganhou vida a joint venture Kalyani Gerdau, na Índia.
Em 2008, a companhia presidida por André Gerdau Johannpeter passou a atuar fisicamente na Guatemala com 30% do controle acionário da Corporación Centroamericana del Acero, ano que também é lembrado pela compra de 50,9% de participação na Cleary Holding, da Colômbia (fabricante de coque metalúrgico e dona de reservas de carvão coqueificável) e pela aquisição da Macsteel (produtora de aços especiais), nos Estados Unidos. Em 2010, a Gerdau adquiriu a Tamco (uma das maiores produtoras de vergalhões dos Estados Unidos), passou a deter o controle da Gerdau Ameristeel mediante a compra de aproximadamente 34% de participações minoritárias, e assumiu integralmente a colombiana Cleary Holdings.
Na mesma linha, a história da atuação da JBS no estrangeiro também é permeada de aquisições, estratégia operacional que permitiu que esse gigante empresarial ocupasse o topo do ranking da Fundação Dom Cabral, no ano passado. Líder global em processamento de carne bovina, ovina e de aves, além de ter uma destacada participação na produção de carne suína, a empresa que nasceu em 1953 pelas mãos de José Batista Sobrinho – então um pequeno empresário do município goiano de Anápolis e à época proprietário da Casa de Carnes Mineira –, emprega hoje mais de 185 mil colaboradores no Brasil e no exterior. A JBS se movimenta por meio de 340 unidades de produção, atuando nos setores de alimentos, biodiesel, colágeno, couro, embalagens metálicas e produtos de limpeza – é a maior exportadora mundial de proteína animal, mantendo comércio com mais de 150 países.
A escalada internacional da firma criada por Sobrinho teve início nos primórdios da década passada, começando pela Argentina e culminando, em 2006, com a aquisição de 100% do capital social da Swift-Armour, na oportunidade a maior produtora e exportadora de carne bovina da nação do tango. Em 2007, agora com ações negociadas na Bolsa de Valores, comprou a americana Swift Company, negócio que facilitou seu ingresso nos mercados de bovinos e suínos dos Estados Unidos e da Austrália. Um ano mais tarde, assumiu o comando da Tasman Group, na Austrália, e da Smithfield Beef, divisão de bovinos da Smithfield Foods, nos Estados Unidos, além dos confinamentos da Five Rivers, com capacidade para engordar 2 milhões de animais por ano. Em 2009, ano em que incorporou o brasileiro Bertin, até então o segundo maior frigorífico do país, adquiriu o controle acionário da americana Pilgrim’s Pride Corporation, passando a participar do mercado estadunidense de aves.
A onda de aquisições não parou por aí. Em 2010, a primeira do mercado mundial de carne bovina acrescentou ao seu patrimônio a Tatiara Meats e os ativos da Rockdale Beef na Austrália, mais o Grupo Toledo, na Bélgica, e o confinamento McElhaney nos Estados Unidos. No mesmo exercício ampliou sua participação na Pilgrim’s Pride para 67,27%, porcentual que chegou a 75,3%, em 2012. No final de julho deste ano, a JBS e a Pilgrim’s anunciaram um acordo para a aquisição da totalidade das operações de aves das unidades da Tyson Foods (de capital americano) no Brasil e no México. “A operação no mercado mexicano, que exigiu o desembolso de US$ 400 milhões, foi adquirida pela Pilgrim’s, cujo acionista majoritário é a JBS USA, subsidiária integral da JBS S.A. Já a operação no lado brasileiro (US$ 175 milhões) foi comprada pela JBS Foods, subsidiária integral da JBS S.A.